Artigo, Renato Sant'Ana - Para que brigar com os fatos?

        Todo mundo conhece algum pateta do tipo que, para defender as próprias crenças e acabar com um debate sério, costuma puxar do bolso o argumento da "teoria da conspiração", truque aplaudido por outros patetas como se fosse uma jogada de mestre. Agora, como argumentar contra os fatos?
          Fernanda Bassette, na Revista Época, publica o depoimento de uma brasileira residente em Changzhou, China, que parece viver no melhor dos mundos. A dona de casa que, por sinal, fala da pandemia com uma desenvoltura que lhe permitiria trabalhar na redação de Época, diz que, naquela cidade, o "lockdown" foi um sucesso. E que, lá, a vida de sua família anda com a regularidade de um relógio suíço.
          Fez lembrar um "documentário" que passou no Canal Futura (da Globo), que mostrava como os idosos vivem felizes em Cuba, uma velhice lúdica e vivida na abundância. O "documentário", que era mais um "vídeo institucional", simplesmente não exibia um só sinal da miséria cubana.
          Não falava, por exemplo, da falta de sabonete e papel higiênico que, há poucos dias, uma comunista chilena (nesse caso, insuspeita), relatou em tom queixoso ao ser impedida de deixar Cuba por causa da pandemia.
          A convidada de Fernanda Bassette tampouco fala da falta de liberdade no país. Ela não conta que, na China, o acesso ao Google é zero! Nem que as redes sociais são censuradas pelo governo comunista e apenas parcialmente liberadas. Não registra que lá vigora o medo e o risco real de ser preso e torturado quando se emite qualquer opinião que as "autoridades" possam classificar como perigosa.
          Aliás, é bom dizer, ela fez bem em não falar certas coisas. Ao menos, fez bem para a sua própria integridade física e para a de sua família. Afinal, o regime da China é um repaginado totalitarismo (o pior dos mundos!), fato que a extrema-imprensa jamais menciona.
          E, só para ouriçar os patetas, tem mais do mesmo. O Grupo Bandeirantes, em seu site, em 11/11/19, informou ter assinado "termo de cooperação" com o China Media Group (CMG), grupo de comunicação da China, braço do Partido Comunista Chinês. "Agora temos a oportunidade de mostrar para os chineses quem somos no dia a dia e conhecer a produção deles diariamente também", disse João Carlos Saad, presidente do Grupo Bandeirantes.
          Para Bernardo Küster (jornalista e youtuber), a coisa é mais grave: o CMG é "o dono oculto" do Grupo Bandeirantes, o que é ilegal. A Lei 10.610/2002 impõe rígido limite à participação de estrangeiros nas empresas de comunicação. Quer dizer, nesse caso, "acordo de cooperação" seria só um eufemismo barato.
          O CMG também fez "acordo de cooperação" com a Globo, tudo em novembro de 2019. Nos dois casos, o intuito é produzir conteúdo em parceria.
          O contrato com a Bandeirantes prevê produções conjuntas e compartilhamento de conteúdo com o objetivo de promover (que lindo!) o desenvolvimento das relações entre China e Brasil.
          Com a Globo, segundo Shen Haixiong, presidente do CMG, o propósito é investir em programas de TV, cinema, esporte e entretenimento, além de intercambiar tecnologia de 4K/8K e 5G.
          A BandNews TV e o Arte 1, canais do Grupo Bandeirantes, já começaram a trabalhar para o regime chinês e até já exibiram uma série sobre "frases clássicas de Xi Jinping". Isso mesmo! As frases não eram de Confúcio, mas do chefão do Partido Comunista Chinês.
          Regidos pela mesma batuta, os veículos do Grupo Globo fazem o jogo que interessa ao poderio econômico chinês, não tendo espaço para criticar os flagrantes abusos do gigante asiático.
          Ao assinar o acordo com a Bandeirantes, Shen Haixiong falou: "Para nós tudo é muito novo e já sentimos a cordialidade do povo brasileiro ao chegar em São Paulo." Sim, "brasileiro é muito bonzinho", como dizia a personagem de Jacqueline Myrna num programa de humor na TV.
          É curioso que haja, entre nós, um consenso segundo o qual os filmes de Hollywood sempre foram veículos de ideias que interessam aos Estados Unidos, mas não exista uma desconfiança equivalente de que a China pretende impor sua ideologia totalitária ao Brasil e ao ocidente, infiltrando-se nos grandes grupos de comunicação.
          Por fim, como ignorar a índole expansionista da ideologia que governa a China? E como negar-lhe a sempre usada estratégia de dominar os meios de comunicação? Quem já viu algum veículo da Globo ou da Bandeirantes criticar o regime chinês? Vai ver que é tudo teoria da conspiração...

Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.
E-mail sentinela.rs@uol.com.br

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