Francisco Ferraz*
26 Maio 2016 | 03h 00
A crise ou as crises são do PT – como governo, partido,
lideranças e militantes –, que por sua posição estratégica na Presidência
contaminou o País com seu relativismo moral, sua ideologia mal digerida, sua
inexperiência arrogante, seu envolvimento na corrupção e sua incapacidade de se
decidir entre um reformismo não assumido e uma mal resolvida e confusa noção de
revolução.
O Brasil que o PT recebeu em 2003 não estava em crise. O
Brasil que Dilma deixou para Temer em 2016 está afundado na mais grave crise da
sua História. De 2003 a 2016 o Brasil foi governado pelo PT, que, desfrutando
as melhores condições econômicas e políticas, as desperdiçou por incompetência,
ambição e corrupção.
É inaceitável e dispensa contestação a tentativa de
transferir culpas alegando crise internacional, boicotes da oposição e da
imprensa. Quem manteve no bolso, por 13 anos consecutivos, a caneta das
nomeações e a chave do cofre não tem direito de transferir responsabilidades
quando lhe convém.
O que liga a crise do PT à crise nacional é o conceito de
contaminação. Quem domina o Poder Executivo no Brasil, com a concentração de
poder que nos é peculiar, adquire ipso facto o poder de contaminar o sistema
político, social e econômico e cultural. Adquirido o poder de contaminação pela
vitória de 2002, o PT encontrou à sua disposição as instrumentalidades de que
necessitava para disseminar na sociedade brasileira sua ideologia, seus
projetos, preconceitos morais e interesses. É na equação concentração do
poder-instrumentalidades-difusão social-contaminação que se encontram as razões
que explicam o sucesso e o fracasso do ciclo de 13 anos de governos do PT.
A maior evidência de que é o PT que está em crise se
encontra no fato de que o governo Dilma, desde a reeleição até seu afastamento,
não encontrou tempo nem vontade para governar o País com medidas à altura das
dificuldades.
O Brasil e os brasileiros conheciam o PT como um partido
minoritário de oposição. O Brasil e os brasileiros não conheciam o PT no
comando do Poder Executivo nacional. De sua parte, o PT não imaginava a
latitude dos recursos que a titularidade do Poder executivo oferecia a seu
ocupante.
Não foi o PT que inventou a centralização política,
econômica e administrativa, mas o PT levou-a a limites até então desconhecidos.
Foi por meio dessa centralização extremada, coadjuvada por um marketing de
Primeiro Mundo, pela herança “bendita” que lhe coube, pela facilidade de
cooptação de líderes políticos e empresariais para operar a “máquina do
governo”, lubrificada a reais e dólares, que o País foi contaminado e
anestesiado por um otimismo irresponsável que funcionou enquanto havia dinheiro
para gastar.
Acomodado no poder, o PT descobriu então que nem o
federalismo, nem o princípio da separação dos Poderes, nem a Constituição
podiam conter o Poder do Executivo exercido com audácia, arrojo e oportunismo.
Inversamente, perder o poder tornou-se uma ideia absurda e quando admitida como
possibilidade, apavorante.
A revolução havia sido ganha... (Não estavam no poder?)
Mas, estranhamente, jornais, revistas e TV resistiam;
STF, juízes, Ministério Público e delegados condenavam e prendiam; companheiros
delatavam; delações vazavam para a opinião pública; a economia ia mal, sem
muitas alternativas, já que o gasto público, embora alto, não podia ser
reduzido, pois se tornara a sustentação política do governo; e as investigações
não paravam, aproximando-se cada vez se mais de Lula e de Dilma.
Em resumo, só a democracia atrapalhava a implantação
cabal do seu projeto de poder. Era preciso ganhar tempo para fazer os fatos se
adaptarem à revolução (já feita). Ganhar a eleição presidencial era
absolutamente necessário.
Acostumado a demonizar os outros, viciado em ver sua
vontade sempre atendida, decidido a não reconhecer erros, a não exibir nunca a
boa e sincera humildade, o PT no poder revelou uma grave deficiência política:
não sabe mais como lidar com a derrota. As sucessivas revelações da Lava Jato,
as gravações telefônicas de Lula, a delação de Delcídio, a regulamentação do
impeachment pelo STF, as votações na Câmara e no Senado e o afastamento de
Dilma desnudaram sua forma de reagir à derrota. A marca singular dessa reação é
a explosão emocional que impede seus líderes e militantes de praticar a
saudável autocrítica. Aparece, então, com absoluta clareza o ressentimento de
quem se julgava titular de um direito inalienável ao poder, perene, exclusivo,
absoluto e legítimo, que dele só poderia ser subtraído por um golpe, se não
militar, parlamentar.
O que o PT não quer admitir é que se tornou novamente
minoria. Essa novidade é difícil de aceitar, mais difícil de entender as razões
e mais ainda saber o que fazer para dar a volta por cima. A exemplificar essa
reação emocional, na luta para reverter suas perdas de forma imediata passou a
assediar o STF, constrangendo-o e perigosamente o comprometendo, por seus
comentários desairosos e pelas “ameaças” de novos recursos à Corte, que a todo
o momento dispara contra os adversários.
Tal forma de conceber a derrota o impede de equacionar
estrategicamente a situação política em que se encontra. Fatos políticos como
sua responsabilidade na crise política, econômica e moral do País; a
desmoralização a que ficou sujeito com as revelações da Lava Jato; a perda do
monopólio das ruas; o surgimento de novas forças políticas, que não desaparecem
ao serem chamadas de coxinhas; e a perda do respeito e admiração de suas
lideranças; nada disso é suficiente para recomendar a humildade, racionalidade
e lucidez.
Ao contrário, não entende, não admite e não aceita a
situação. Reage com impaciência, revolta e sede de vingança. Incapaz de fazer
sua autocrítica, é forçosamente outer-oriented, isto é, pautado externamente
pelo ódio aos inimigos.
A crise do PT decorre da negação da realidade.
*Francisco Ferraz é professor de Ciência Política,
ex-reitor da UFRGS e é diretor do site 'politicaparapoliticos.com.br'