Afundou o país e foi à praia
Progressistas de butique não se importam que as bandeiras
de esquerda tenham sido usadas para roubar o país
24/09/2016 - 08h01
Guilherme Fiuza, O Globo
Não há PowerPoint que consiga explicar a pedalada de
Dilma Rousseff na Praia de Ipanema. Tranquila, sem contratempos, ela foi até o
Leblon e voltou. Numa boa. No dia seguinte, seu ex-ministro da Fazenda foi
preso. Como a torcida do Flamengo já sabia, Guido Mantega era mais um
despachante da companhia.
Vejam como a senhora das pedaladas é honesta, conforme um
pedação do Brasil adora acreditar: Mantega, Paulo Bernardo, Fernando Pimentel,
Gleisi Hoffmann, André Vargas, Erenice Guerra, João Vaccari... Chega. Já
sabemos que a cada enxadada corresponde uma minhoca.
Todo o estado-maior de Dilma, e o menor também, está
enrolado com a polícia. E ela está na praia. Com a saga de Guido Mantega no
governo popular — que vai sendo revelada pela mulher do marqueteiro, por Eike
Batista e outros inocentes torturados pela Lava-Jato, — o farol de Curitiba
começa a apontar para as catacumbas do BNDES.
As negociatas de Fernando Pimentel, amigo de Dilma e
governador de Minas (nesta ordem), somadas às tramas de Lula com suas empreiteiras
de estimação, já indicavam que as paredes do gigantesco banco público têm muito
a contar. Agora vai. Mantega foi um dos peões de Dilma no colossal esquema da
contabilidade criativa, que o Brasil só notou quando foi apelidado de pedalada,
e mesmo assim não acha muita graça.
É um enredo impressionante envolvendo BNDES, Tesouro,
Caixa e Banco do Brasil, para esconder déficits e liberar dinheiro público para
os companheiros torrarem em suas olimpíadas eleitorais. Isso aconteceu por mais
de uma década, e foi um par de flagrantes desse assalto que despachou a
presidenta mulher para Ipanema — o famoso golpe.
Se Lula é o sol do PowerPoint, Dilma é, no mínimo, a lua.
Guido Mantega deu sequência às obras dela na presidência do Conselho de
Administração da Petrobras, sob o qual foi montado e executado, nos últimos 13
anos, o maior esquema de corrupção da República — se é que há algo de
republicano nesse populismo letal.
A literatura obscena da Lava-Jato, e em especial a
denúncia do Ministério Público contra Lula (que o Brasil não leu, porque é
muito longa), mostra tudo. Lula e Dilma cultivaram os ladrões camaradas nos
postos-chave para manter a dinheirama irrigando os cofres partidários. Mas
Dilma diz que não tem conta na Suíça como Eduardo Cunha.
Vamos esclarecer as coisas: Eduardo Cunha é um mendigo
perto do esquema bilionário que sustenta Dilma, a mulher honesta. O que também
sustenta Dilma, e todos os delinquentes do bem, é a ação corajosa dos
progressistas de butique. Eles não se importam que as bandeiras de esquerda
tenham sido usadas para roubar o país.
O papo do golpe é uma mão na roda: Dilma, a
revolucionária, foi massacrada pelos velhos corruptos do PMDB. Todos sabem que
estes viraram ladrões de galinha diante da ópera petista, mas lenda é lenda. Ser
contra o golpe dá direito a ser contra a ditadura militar, a violência
policial, o racismo e o nazismo. É um pacote e tanto.
Também dá direito a ir à posse de Cármen Lúcia no Supremo
Tribunal Federal — o mesmo STF que presidiu o impeachment de Dilma. Deu para
entender? Vários heróis da resistência democrática contra o golpe foram lá,
pessoalmente, festejar a nova presidente da corte golpista. Contando, ninguém
acredita.
Teve até show de MPB — a mesma que ouviu da própria
Cármen Lúcia o famoso “cala a boca já morreu”, contra aquele projeto
obscurantista de censurar biografias. Alguém já disse que é proibido proibir.
Mas debochar da plateia está liberado. Nem é bom citar esses acrobatas da
ideologia. Vários deles são artistas sensacionais, que colorem a vida nacional.
Melhor esperar que desembarquem de suas canoas furadas a
tempo, e parem de alimentar essa mística vagabunda — porque, atenção, comprar o
barulho do governo destituído e seus genéricos não tem nada a ver com ser de
esquerda. Ao contrário: além de destruir a economia popular, essa gangue
fraudou as bandeiras da esquerda.
Adaptando Millôr: desumanizaram o humanismo. Foi uma
dessas turminhas de humanistas desumanos que hostilizou uma jornalista de TV
com seu bebê de 1 ano numa calçada da Gávea. São jovens simpatizantes de um
desses candidatos bonzinhos que incentivam a porrada. Eles são contra o sistema
(seja lá o que isso signifique) e contra a mídia burguesa.
Assim morreu o cinegrafista Santiago Andrade. No dia 2 de
outubro, os cafetões da criançada ignara vão às urnas buscar seus votos
progressistas. Os heróis da resistência ocuparam o Canecão. Ótima ideia. Melhor
ainda se tivesse sido executada há quase dez anos, quando o PT fechou esse
templo da música — fingindo que estava defendendo a universidade pública de
empresários gananciosos.
Onde estavam vocês quando aconteceu esse golpe hipócrita
contra a arte? Vamos falar a verdade, queridos cavaleiros da bondade. Antes que
a praia vire passarela de quem devia estar vendo o sol nascer quadrado.