Artigo, Dênis Rosenfield, O Globo - Crime e política

Artigo, Dênis Rosenfield, O Globo - Crime e política
Doações eleitorais empresariais eram legais até poucos meses atrás, sendo uma prática por todos reconhecida e aceita

A política brasileira virou crônica policial. Não há dia sem envolvimento de políticos denunciados e investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Num país aparentemente pobre, milhões e bilhões são desviados de suas finalidades públicas para as mais variadas formas de apropriação pessoal e partidária. O Brasil é rico em corrupção e pobre em medidas sociais.
A Lava-Jato tem a grande virtude de estar passando o país a limpo. Sem ela, os mais diferentes tipos de crime estariam se desenrolando normalmente, muitas vezes mascarados de políticas sociais, como tornou-se usual na forma petista de governar. Sua contribuição à República é inestimável. Em sua nova etapa, a partir das delações do grupo Odebrecht, outros crimes epersonagens, além dos já existentes, serão acrescentados à longa lista dos já de- monstradamente envolvidos.
Estes terão provas ainda mais robustas contra si. Acrescente-se que o ex-deputado Eduardo Cunha, muito provavelmente, fará a delação premiada. Se não a fizer, será difícil a sua saída da prisão, além de nela entrarem a sua mulher e filha. Homem meticuloso e organizado, deve ter as provas de tudo o que delatar.
E atingirá seus colegas parlamentares e o seu próprio partido. Se o PT, por ter sido o partido do poder, além de arquiteto deste tipo de organização político-criminosa, foi o mais atingido até agora, outros partidos se acrescentarão a essa lista. PMDB e PSDB são os próximos na fila. Provavelmente, o cenário poderá ser de terra arrasada, como se uma tsunami estivesse por se abater sobre o país.
De fato, as águas estão revoltas, aumentando o seu nível. Isso significa que ministros, deputados e senadores poderão ser severamente atingidos, mudando as expectativas para 2017 e alterando o cenário para 2018. Imagine-se, por hipótese, que os candidatos atuais sejam alcan- çados por essas investigações.
O país precisaria, então, se renovar até esta data, sob o risco de abrir as portas para os mais diferentes aventureiros. O que restará de todo este cenário? A classe política será devastada. Talvez, se tudo se confirmar, não sobrará pedra sobre pedra. Ora, uma classe política devastada coloca um problema de extrema gravidade no que diz respeito à representação política.
Parlamentares e partidos, por exemplo, cumprem um importante papel de representação política. Sem eles, a arquitetura do Estado carece de mediação, estabelecendo-se um vácuo na delegação para o exercício do poder. É como um edifício sem suas vigas mestras. Ou ainda, como pode um Estado funcionar se os representados não se reconhecem nos seus representantes?
Pode-se mesmo, no limite, falar de uma crise institucional. Surge aqui um problema de monta, agravado pelo fato de alguns juízes, promotores, policiais e formadores de opinião estarem misturando coisas distintas na relação que está se estabelecendo entre crime e política. Há uma confusão que está perigosamente se generalizando entre doa- ção empresarial legal, caixa dois e crime de propina e corrupção. São coisas distintas que exigem um trata- mento diferenciado.
Doações eleitorais empresariais eram legais até poucos meses atrás, sendo uma prática corrente por todos reconhecida e aceita. Empresas doavam segundo seus interesses e conveniências, sem que estes recursos derivassem necessariamente da corrupção e da propina. Hoje, aparecem retrospectivamente como práticas criminosas numa espécie de retroatividade da lei, o que é, evidentemente, um absurdo constitucional.
Não se pode considerar que um empresário, por ser empresário, seja portador de uma espécie de presunção da culpabilidade, enquanto somos regidos, todos, pela presunção da inocência. O caixa dois, por sua vez, era um crime eleitoral, embora fosse uma prática comumente admitida. Ora, por ser admitida, não significa que não deva ser julgada. Contudo, o seu julgamento é basicamente afeito à Justiça Eleitoral, com suas penalidades próprias, como multas pecuniárias e perdas de mandato.
O caixa dois não pode ser identificado com a corrupção, embora os corruptos também tenham dele se aproveitado. O crime de corrupção, que deveria ser o foco exclusivo da Lava-Jato e de seus desdobramentos, é o crime de propina, em uma apropriação de recursos públicos via empreiteiros, políticos e funcionários de estatais, além de seus mais diferentes intermediários.
Trata-se de um crime de extrema gravidade, que atinge o âmago mesmo do Estado e deve ser punido exemplarmente. Ele é, porém, essencialmente distinto dos dois outros casos, apesar de eles terem servido de disfarce para atividades criminosas de corrupção. Ora, se juízes, policiais, promotores e formadores de opinião vierem a identificar esses dois crimes e uma atividade outrora legal, poderemos, aí sim, marchar para uma grave crise institucional, na medida em que ninguém poderá escapar de tal tipo de confusão. Inocentes serão levados juntos com criminosos.
Crimes eleitorais serão tidos por crimes de propina e corrupção quando não o são. Nestas circunstâncias, como poderá o país se reconstruir? Como poderá enfrentar a derrocada do PIB, o desemprego crescente e a falta de expectativas? Como a crise econômica e social poderá ser superada com a devastação da classe política? Façamos uma analogia.
A Alemanha, pós-guerra, foi reconstruída pela burocracia estatal e por políticos, muitos dos quais foram nazistas ou simpatizantes desta forma de eliminação da política e, mesmo, da humanidade. Soube distinguir grandes crimes de crimes menores. Foi o preço que tiveram de pagar.
A França foi também reconstruída por colaboracionistas e membros e/ ou simpatizantes do regime de Vichy. Dois deles se tornaram presidentes, como Valery Giscard d’Estaing e François Miterrand, este último, paradoxalmente, tendo se tornado um símbolo da esquerda mundial. Não deverá o país, guardadas as proporções, enfrentar um mesmo tipo de desafio?


Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio 

Família Bumlai ‘detinha’ influência sobre Toffoli, diz relatório da PF

Documento foi anexado a inquérito que investiga o pecuarista José Carlos Bumlai - amigo do ex-presidente Lula -, condenado na Operação Lava Jato
        
Julia Affonso, Mateus Coutinho, Fausto Macedo e Ricardo Brandt

14 Novembro 2016 | 05h10

Relatório da Polícia Federal na Operação Lava Jato afirma que a família do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, detinha influência ‘na Suprema Corte, na pessoa do ministro Dias Toffoli’, vice-presidente da Corte máxima. O documento, subscrito pelo agente da PF Antonio Chaves Garcia, foi encaminhado ao delegado Filipe Hille Pace e anexado aos autos da Lava Jato na sexta-feira, 11.

Bumlai foi preso na Operação Passe Livre, 21.ª fase da Lava Jato, em 24 de novembro de 2015. O amigo de Lula foi condenado a 9 anos e 10 meses de prisão por gestão fraudulenta de instituição financeira e corrupção na Operação Lava Jato.
A PF analisou, no relatório, material apreendido em endereço do economista Maurício Bumlai, filho do pecuarista. No HD, os agentes acharam ‘alguns contatos’ de ex-ministros do Governo Lula ligados a números de telefone. A Federal destacou ainda, no documento de 12 páginas, o telefone da Granja do Torto e nomes com quem supostamente Bumlai mantinha contatos, como os ex-ministros José Dirceu e Gilberto Carvalho.
“Insta mencionar que a família Bumlai, em razão dos contatos encontrados, detinha uma influência política muito grande durante o período em que Partido dos Trabalhadores (PT) estava no poder. A influência não era somente em agentes políticos da Administração Pública (Poder Executivo), mas também na Suprema Corte, na pessoa do Ministro Dias Toffoli”, diz o agente, às páginas 10 e 11.
Toffoli foi advogado-geral da União de 2007 a 2009, no segundo governo Lula. Chegou ao Supremo, por indicação do petista, em 23 de outubro de 2009.
Entre 2014 e 2016, ele acumulou a função de ministro do Supremo com a de presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Antes de assumir a cadeira na Corte máxima, Toffoli advogou para as campanhas presidenciais de Lula em 1998, 2002 e 2006.
“Chama atenção o contato do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que foi advogado do Partido dos Trabalhadores (PT) e indicado para o STF no Governo Lula”, ressalta o documento.
O relatório da Polícia Federal aponta que o objetivo na análise era buscar documentos, arquivos, planilhas, notas fiscais, e-mails, troca de mensagens e outros dados julgados úteis, que possuam algum relevo para a investigação.
O agente da PF ressaltou que ‘a simples menção a nomes e/ou fatos contidos neste relatório, por si só, não significa o envolvimento, direto ou indireto, dos citados em eventuais delitos objeto da investigação em curso’.
“Diante do exposto, a pesquisa realizada no material disponibilizado à equipe de análise, antes da conclusão das investigações, não pode ser considerada exaustiva, ficando a cargo da Autoridade Policial solicitar novas pesquisas, caso entenda necessário, bem como a avaliação acerca da eventual existência de empecilho jurídico/legal ou comprometimento de posteriores diligências relacionadas ao fornecimento das informações apresentadas neste relatório.”
Na ação em que foi condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, o pecuarista Bumlai foi protagonista do emblemático empréstimo de R$ 12 milhões que tomou junto ao Banco Schahin, em outubro de 2004. O dinheiro, segundo o próprio Bumlai, foi destinado ao PT, na ocasião em dificuldades de caixa.
A Lava Jato afirma que, em troca do empréstimo, o Grupo Schahin foi favorecido por um contrato de US$ 1,6 bilhão sem licitação com a Petrobrás, em 2009, para operar o navio sonda Vitória 10.000. Lula, que não é acusado nesta ação, teria dado a ‘bênção’ ao negócio – o que é negado pela defesa do petista.
Neste mesmo processo, o filho de Bumlai foi absolvido. Maurício Bumlai era acusado de corrupção passiva e gestão fraudulenta. Para o juiz Moro, houve ‘falta de prova suficiente para condenação criminal’.
COM A PALAVRA, O MINISTRO DIAS TOFFOLI
O gabinete de Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal informou que o ministro ‘nunca teve relação de amizade’ com José Carlos Bumlai.

“Em resposta aos questionamentos formulados, o Gabinete do Ministro Dias Toffoli informa que o Ministro nunca teve relação de amizade com o Sr. José Carlos Bumlai e não conhece os seus filhos.”

Artigo, Rosane Oliveira, Zero Hora - Quero o meu, e que se dane o mundo

Quero o meu, e que se dane o mundo
O agravamento da crise não foi suficiente para convencer os gaúchos de que o Estado chegou ao fundo do poço e que alguma coisa precisa ser feita

Parece incrível que depois de nove meses de atraso no pagamento dos salários dos servidores do Executivo, boa parte da população do Rio Grande do Sul ainda não tenha se convencido de que o Estado chegou ao fundo do poço. Cada um quer preservar as suas "conquistas" – ou feudos, privilégios, benefícios e direitos adquiridos de forma legítima ou ilegítima. Como a arrecadação não cresce na proporção das necessidades e foi seriamente afetada pela recessão, a conta não fecha. No puxa e estica, quem pode mais chora menos. E a maioria da população, que deveria receber serviços públicos de qualidade como contrapartida aos impostos que paga, assiste à progressiva descida rumo ao abismo, sem perspectiva de recuperação no curto e médio prazos.

Aqui não se está falando apenas das corporações que lotam as galerias da Assembleia quando está em jogo a aprovação de reajustes, benefícios ou planos de carreira que oneram o Estado. De certa forma, cada gaúcho vê o Estado pela ótica do seu interesse, pequeno ou grande. Se o seu lado estiver garantido, que se dane o resto. À maioria silenciosa, que nunca entrou nas galerias da Assembleia, resta conformar-se com os sucessivos aumentos de impostos, a transferência de obrigações, a falta de serviços.

Os empresários que criticam as corporações de servidores públicos são os primeiros a pleitear benefícios fiscais e a não aceitar uma revisão de isenções concedidas em tempo de vacas gordas. As federações empresariais se mobilizam para impedir o aumento de impostos, mas não movem um dedo para evitar o aumento de gastos, quando estão em debate projetos do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público que oneram os cofres do Estado. Encastelados em sua redoma, os integrantes da casta conhecida como "carreiras jurídicas" tratam de garantir seus acessórios, como o auxílio-alimentação retroativo, mesmo quando aos outros falta o principal, que é o salário em dia.

As mesmas corporações que apontam as isenções fiscais como vilãs da crise são incapazes de reconhecer que não há mais como manter a estrutura pesada e ineficiente que resultou nesta equação perversa, com toda a arrecadação sendo consumida na manutenção da engrenagem.

A sociedade, em geral, também não quer abrir mão de nada. Mesmo quando se fala na venda de prédios subutilizados, para fazer frente aos gastos, ensaia-se uma revolução. Qualquer pequena solução apontada é recebida com desdém: "Isso não resolve". A verdade é que não há e não haverá uma solução milagrosa, que resolva os problemas de uma tacada só. A única seria o crescimento da economia, que não depende somente dos governos, mas que esbarra em obstáculos como a falta de investimentos em infraestrutura para atrair empreendimentos.


 O Rio Grande do Sul precisaria de um pacto, essa palavra desgastada e tantas vezes mal empregada, que passou a ser vista com desconfiança. Quem haverá de liderar uma empreitada dessas, se além de dinheiro faltam líderes com capacidade de convencimento?