Ricardo Hingel, Zero Hora - A concentração bancária no Brasil

Ricardo Hingel: A concentração bancária no Brasil
Economista

Por: Ricardo Hingel

Uma das características do sistema financeiro nacional é sua forte concentração.

Os cinco maiores bancos brasileiros – Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa Federal, estes últimos públicos – detinham em novembro último cerca de 77% do mercado brasileiro de crédito e concentravam 67% do total das captações.

Ocorre desde o final dos anos 1990, quando o sistema passou por ampla reestruturação, caracterizada por consolidações de bancos, liquidações, fechamentos e dois programas de reestruturação, os conhecidos Proer e Proes, que abrangeram bancos privados e públicos.

Posteriormente, pelas oscilações econômicas que se sucederam, diversos bancos desapareceram, foram incorporados ou quebraram. Quem não lembra de instituições como Bamerindus, Econômico, Nacional, bem como casos mais recentes, como Santos, Rural, Cruzeiro do Sul e PanAmericano, todos bancos privados que tiveram problemas?

Grandes incorporações também aconteceram, como a do Real, Meridional e Banespa pelo Santander, do Unibanco e City pelo Itaú e do HSBC pelo Bradesco, além de outras tantas que não citamos aqui.

Em um país com as elevadas taxas de juros que temos, certamente a concentração bancária não ajuda.

Neste mercado, chama atenção a participação dos dois principais bancos públicos, BB e CEF, que, talvez por questões não planejadas, acabam por desempenhar um papel importante na redução dos efeitos desta absorção bancária privada, sendo que em uma análise de resultados, mostram-se bastante competentes quando verificamos sua participação no mercado. Juntos, representavam cerca de 47% do total do crédito contra 29% dos três principais bancos privados e capturavam 37% dos depósitos contra 30% dos privados.

O Rio Grande do Sul, pela existência do Banrisul, é um dos poucos Estados da Federação que possui um sexto banco com participação relevante e de liderança em relação aos demais e, em especial, em relação aos bancos privados.

Se os bancos públicos possuem uma situação de liderança no mercado nacional, algumas competências devem ter, além da confiança, pois ninguém obriga o cliente a entrar em suas agências. Se complementarmente alcançarem um segundo requisito básico, que é sua preservação econômica e financeira e capacidade de gestão, estarão alcançando seus objetivos.

Restam então apenas discussões ideológicas, que não são objeto deste artigo, mas para quem acredita em mercado e competências, é uma boa reflexão.


Que cada um faça seu próprio juízo se a concentração bancária joga a favor da sociedade e que também é uma questão a ser acompanhada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

José Nêumanne: Na casa de Noca

José Nêumanne: Na casa de Noca

O facínora de faroeste anistia-se a si mesmo e o coco de Mussolini troca carnificina na rua por champanhota na chalana

“Eu quero dizer que é constitucional a figura da anistia, qualquer que ela seja”, disse o mais novo Ruy Barbosa da praça. Trocando em miúdos essa frase cretina, pode-se chegar à conclusão de que, se todos os autores de crimes hediondos forem anistiados por uma benemerência de seus coleguinhas parlamentares, a decisão será fiel à Constituição da República? Não o leve a mal, caro leitor. O entrevistado de sábado no Estadão quer apenas anistiar os partidos políticos que cometerem crimes fiscais em campanhas eleitorais. “Delação só deve ser admitida com delator solto”. Será que o distinto cavalheiro, que, por enquanto, está solto, se candidata à delação? Qual o quê! Quer apenas desmoralizar delações de criminosos confessos presos para livrar-se das acusações que pesam sobre seus ombros. A que a Operação Lava Jato poderá levar o Brasil, se não for contida sua natureza de “inquérito universal”? A resposta do distinto foi magnânima: “Não acho que deva ser extinta, mas conduzir ao ponto que (sic) estamos chegando da criminalização da vida pública, é o que nos envia para a tirania”. Ou seja, como já disse o padim Lula, político corrupto que ganha eleição deveria gozar de impunidade. E Papai Sarney fez tanto pelo Brasil que não deveria participar dessa tolice de igualdade de todos perante a lei. Com direito a estender a prerrogativa a seus apaniguados?

O autor dessas frases lapidares (são verdadeiras pedradas!) não tem autoridade nenhuma para proferi-las. Mas tem poder. Ah, isso, tem, sim! Pode crer, preclaro leitor. O cidadão chama-se Edison Lobão, tem 81 anos e é maranhense de Mirador. Adquiriu o conhecimento jurídico com que nos tenta impingir as pérolas reproduzidas no Estadão de sábado em entrevista que deu a Julia Lindner e Caio Junqueira, quando era jornalista (medíocre) de província ou carregando pasta de José Sarney, mercê de quem foi governador do Maranhão de 1991 a 1994, é senador e fez o filho suplente e também titular, enquanto era ministro de Minas e Energia (de 21 de janeiro de 2008 a 31 de março de 2010), no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, depois, durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. No Senado, atuou no chamado “baixo clero” e, no Ministério, desempenhou o papel atribuído pela sabedoria popular a quadro de Cristo em prostíbulo: “a tudo assiste e nada fala”. Pois, sob sua carantonha de facínora de faroeste passou despercebido o maior escândalo de corrupção da História da
humanidade: o propinoduto da Petrobrás. Por conta dessa distração, coitado, é investigado pela Polícia Federal (PF) e pela força-tarefa da Operação Lava Jato. É que é acusado de prática de corrupção passiva por delatores premiados, alguns dos quais, por sinal, estão soltos.
Embora cumpram pena no conforto do lar, sem carregar as bolotas de ferro dos Irmãos Metralha de Walt Disney, mas tornozeleiras bem menos incômodas. Justiça seja feita a Lobão: ele não podia perceber a roubalheira da Petrobrás mesmo, pois, afinal, ocupava-se em não deixar pedra sobre pedra do setor mineral e energético nacional. Nisso, aliás, funcionou com perícia e astúcia.

O poder fica por conta do grupo do PMDB que, sob a liderança de Renan Calheiros, dá as ordens no Senado da República. A ponto de fazê-lo presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com prerrogativa de pautar projetos que só serão votados em plenário após passarem por seu crivo. Seu saber jurídico, adquirido na condição de suspeito e acusado, determinará o destino de projetos dos sonhos dele e de mais uma dezena de coleguinhas que frequentam a referida comissão. Tais como a anistia para caixa 2 de partidos e políticos que desconhecem as leis fiscais que as instituições a que pertencem aprovaram por maioria, e o destino dos investigadores que, por ironia do destino, pisam nos seus calos.

A fotografia de André Dusek que ilustra a entrevista do indigitado Grão-Senhor do Norte poderia ser reproduzida e emoldurada na parede da CCJ e também servir de símbolo para a Casa de Noca na qual todos moramos neste país, cuja bandeira clama por “ordem e progresso”, mas onde os políticos preferem anistia só pra eles e instituições policiais e judiciárias amordaçadas e algemadas. Não se trata de uma exclusividade do Poder Legislativo, que tem a agravante de se dizer “representante da cidadania”. No Executivo, chefiado por jurista celebrado, o constitucionalista Michel Miguel Elias Lulia Temer, professor da PUC-SP, exerce-se a mesma caradura com idêntica sem-cerimônia.

Durante nove dias, 147 pessoas (os dados não são oficiais, ou seja, o Estado não os conhece, mas do Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santo) morreram na Grande Vitória, desde que as esposas dos policiais militares, reivindicando aumento dos salários dos provedores de seus lares, passaram a ocupar calçadas à frente dos quartéis da PM para evitar que seus consortes saíssem para trabalhar. Desde então, a população capixaba teve interrompidas atividades comezinhas, como frequentar escolas, andar em transporte público e fazer compras. Nesse ínterim, Sua Excelência o constitucionalista-mor se preocupa em censurar veículos de comunicação que noticiam chantagem de hackers que invadiram a intimidade do WhatsApp da primeira-dama, Marcela Temer. E, principalmente, em liberar da enfadonha rotina do serviço o titular do Ministério da Justiça, o também constitucionalista Alexandre de Moraes, para simular sabatina na CCJ do compadre Lobão em madrugadas regadas à “champanhota” de Ibrahim Sued em luxuosas chalanas a deslizarem na superfície do Lago Paranoá.

O excelentíssimo causídico, com seu glabro crâneo à Mussolini, portanto, licenciou-se do cargo e não teve de viajar para cuidar da vida em risco de quem mora em Vitória ou das famílias de cariocas que tentaram assistir ao clássico entre Flamengo e Botafogo no Estádio Nilton Santos, no subúrbio do Rio, domingo à noitinha. Oito torcedores foram baleados (um morreu, outro está em estado gravíssimo) à porta do Engenhão, porque a polícia só foi para as redondezas da praça de esportes depois que o sol sumiu no horizonte e as praias não exigiam mais sua presença.

No lugar do ilustrado Cuca Lustrada, foi a Vitória, em nome do governo, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, que falou grosso, mas nada resolveu. O professor de Direito Modesto Carvalhosa até hoje não entendeu por que tantos constitucionalistas não percebem que, em vez de patrulhar ruas ou transportar meganhas de helicóptero para seus quartéis, o Exército, por ordem do comandante-chefe, poderia ocupar os quartéis, prender os amotinados e assumir o comando da situação.
Acrescento que os praças poderiam aproveitar a viagem e retirar, se necessário for no colo, da frente dos portões as senhoras desocupadas que protagonizam um espetáculo grotesco e injustificável, que de tão mambembe nem sequer pode ser comparado ao circo, nobre atividade artística em que brilham bons e honestos palhaços profissionais e temerários e ágeis trapezistas.

Aliás, por falar em espetáculo, o que fazia o casal em prisão domiciliar portando tornozeleiras João Santana e Mônica Moura na noite de sábado no show dos Novos Baianos na concha acústica do Tca, em Salvador? Será que a PF soteropolitana, responsável por seu isolamento da sociedade, estava cuidando de exigir do presidente a substituição do chefe, num dos maiores acintes corporativistas desde que o primeiro ministério, o da Justiça sem Cidadania nem Segurança Pública, foi criado?


Santo Deus! No fim deste conto de terror, o Lobão Mau vai matar o caçador antes que ele retire a vovozinha de sua pança empazinada?

Artigo, Heitor José Müller - A guerra dos poderes

Heitor José Müller é presidente da Fiergs

A situação de calamidade financeira do governo do Rio Grande do Sul vem dando algumas lições importantes para que não se repitam os erros cometidos ao longo da nossa história recente. O primeiro aprendizado é de que precisa findar a guerra entre os poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, que disputam privilégios, ignorando a sociedade. No parcelamento de salários, apenas a administração direta foi atingida, enquanto os servidores da Assembleia Legislativa e da Justiça permaneceram com seus calendários “imexíveis”.

Ainda que exista a autonomia dos poderes, seria muito bom que todos participassem desse esforço coletivo, numa demonstração exemplar de união diante de uma crise sem precedente. Mas preferem continuar com seus benefícios acumulados.

O corporativismo elástico, que se junta ou separa conforme as conveniências, é uma das mazelas do nosso tempo. Amparados por discutíveis e atrasadas legislações, usufruem o quanto podem dos favores concedidos, sem prevenir a exaustão do modelo.

Assim também atuam os líderes do sindicalismo oficial, que não se importam com a preservação das categorias representadas e apenas defendem os privilégios de poucos como se fossem eternos, travestidos de direitos adquiridos.

Mais ainda, essas lideranças, como têm estabilidade nos seus empregos públicos, dispõem de agenda frouxa para ocupar as galerias da Assembleia pressionando os deputados. Uma pena que alguns parlamentares se sensibilizem pelos ativistas e não ouçam a maioria da população que está nos seus locais de trabalho produzindo riqueza e buscando preservar os empregos no setor privado.

Ainda bem que há mudanças à vista. A aprovação da maior parte do corajoso pacote do Executivo enxugando a máquina estatal mostrou que existe uma nova geração de políticos no Rio Grande do Sul, capaz de entender os seus eleitores silenciosos, enfrentando as minorias barulhentas.

Ou todos os gaúchos se unem para tirar o Estado dessa “calamidade financeira”, ou não seremos mais dignos da frase do nosso hino: “Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”.