José Nêumanne: O lorotário pós-Janete
Antes de adotar o codinome de Janete na nova
clandestinidade a que foi relegada pela condição de “carta fora do baralho”,
Dilma Vana Rousseff Linhares produziu uma porção de lorotas, recolhidas pelo
dilmólogo Celso Arnaldo Araújo em livro. Algumas foram incorporadas ao folclore
político nacional, tais como a tecnologia do vento encanado e a conquista da
inflação nos desgovernos lulodilmopetistas, expressa na forma canhestra que se
lerá: “A inflação foi uma conquista desses dez últimos anos do governo do
presidente Lula e do meu governo”. Outras não passaram de truques mambembes
para enganar incautos e endividar multidões, caso da redução da tarifa elétrica
transformada em rombo de R$ 62,2 bilhões e transformadora da “mãe da luz” do
padrinho em mãe da treva da Nação.
Agora autoproclamada Janete ao atender ao telefone do lar
onde exercita seu merecido ostracismo público, a madama vê o supremo sumo de
sua parca capacidade de entender fatos e transformá-los em palavras reproduzido
por antigos aliados e subordinados. O vice, sem cuja ajuda ela não teria sido
eleita e reeleita, dignou-se a repetir o mais surrealista de seus legados
oratórios quando, entre mesóclises e apodos que ela jamais usaria, por
ignorância, transformou um massacre cruento num presídio infernal em “pavoroso
acidente”. Romero Jucá, pernambucano eleitor e eleito em Roraima e seu colega
na primeira equipe do desgoverno Lula no Ministério da Previdência, exigiu
isonomia na metáfora perfeita para o exercício da política profissional no
Brasil: execrou a “suruba selecionada”, uma espécie de versão pornô da “delação
seletiva” com a qual a loroteira-mor demonstrou seu desprezo pessoal por
qualquer “colaborador da Justiça”.
Eliseu Padilha, que foi ministro de Transportes na
coalizão de seu PMDB velho de guerra com o PSDB sob a égide do sociólogo
Efeagacê e chefe da Secretaria de Aviação Civil no segundo governo da presidenta
vulgo Janete, acaba de se meter numa embrulhada de monta. Cláudio de Melo
Filho, lobista da Odebrecht, que tem US$ 16 bilhões em contratos sob risco no
exterior por traquinagem contábilratação de obras, contou, numa das delações
premiadas dos 77 da empreiteira, que repassou R$ 10 milhões em propinas ao
então vice por intermédio do atual chefe da Casa Civil (licenciado) da
Presidência pós-impeachment.
Temer e Padilha (que atende pelo codinome de Primo na
planilha da
delação) disseram que foi pedida uma doação legal para a
candidatura de Paulo Skaf ao governo paulista. Cláudio reafirmou que foi
propina.
O advogado José Yunes, considerado primeiro-amigo do vice
que ora nos preside, reforçou a versão do ex-relações institucionais da
empreiteira mais encalacrada na Lava Jato.
O amigão, que não figurou em cargo de relevo no
desgoverno Janete, confirmou a informação e a reafirmação do delator contando
uma história de cabo de esquadra. Conforme sua versão, Padilha telefonou-lhe
para pedir que recebesse em seu escritório em São Paulo um documento do qual
seria destinatário para que lho remetesse. A informação merece reparos, pois é
possível, mas não é provável.
Segundo o próprio Yunes revelaria, o portador seria Lúcio
Bolonha Funaro, doleiro estabelecido na praça paulistana. Por que diacho Yunes
seria intermediário, ou estafeta, ou, como o próprio se identificaria no
relato, “mula”? Afinal, o termo é usado para identificar menores de idade que,
para escapar da polícia, entregam pacotes com droga para a clientela dos
traficantes. Aos 80 anos de idade, o doutor completou 18 há 62 e, mesmo sendo
considerado idoso há 20, não pode recorrer à presunção da ingenuidade atribuída
à petizada.
Na versão de Yunes, Funaro é um falastrão de marca e
terminou por lhe
contar: “Estamos financiando 140 deputados”. Motivo:
fazer de Eduardo Cunha presidente da Câmara dos Deputados, cargo no qual o
ex-deputado fluminense, atualmente presidiário na república de Curitiba, daria
início ao impeachment que transformaria a presidenta em Janete (ou seria
Janeta?). No relato do amigão de Temer, o que era documento “com um pouco mais
de espessura” virou pacote entregue por sua secretária a alguém a quem Padilha
pediu (ou mandou) que o recolhesse.
A versão é intrigante, para dizer o mínimo. Um menor com
imunidade seria bem capaz de identificar a diferença entre um documento (a
menos que fossem, por exemplo, as delações integrais dos 77 da Odebrecht) e um
pacote com R$ 4 milhões. Um empresário habituado a lidar com dinheiro vivo
calcula que tal quantia exigiria um embrulho com a espessura de três exemplares
da edição brasileira do Ulysses de James Joyce na tradução de Antonio Houaiss.
Ou seja, uns 60 centímetros.
Reproduzi aqui apenas o que Yunes contou à Veja, que está
nas bancas, a Lauro Jardim, do Globo, e ao Estado. Por mais longos que sejam
esses depoimentos, inclusive o que fez questão de dar ao Ministério Público
Federal, em Brasília, depois de se ter encontrado com o amigo-em-chefe, o
doutor não esclareceu algumas dúvidas que dificilmente encontram razão lógica,
assim como eram os brocardos de tia Janete. Por que teria de ser ele “mula” do
chefe da Casa Civil de Temer? Quais “razões partidárias”, por ele alegadas,
transformariam o ilustre causídico em estafeta ou correio de entrega de entorpecentes
a domicílio?
Se fosse uma doação eleitoral, como Temer e Padilha
alegaram antes, por que ela não foi feita normalmente, como manda a lei, mas,
sim, em dinheiro vivo? Afinal, neste mundo dominado por fibras óticas, cartões
magnéticos e depósitos bancários em tempo real, moeda palpável circula mais
entre quadrilhas do que entre pessoas de bem e empresas zelosas de sua boa
reputação na praça.
Fato é que transportar milhões em envelopes ou pacotes,
mesmo em automóveis blindados e com seguranças armados a bordo, não é atividade
das mais salubres nesta contemporânea São Paulo de Piratininga. Fato também é
que a notícia dada no fim de semana pelo Estado de que, como o procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, pretende investigar Padilha – e, por suposto,
ouvir novamente Yunes (e por que não?) –, este terá a oportunosa ensancha de
esclarecer tais questões. E algumas mais, como a assessoria jurídica do amigão
do presidente ao investidor Naji Nahas e ao empresário egípcio Naguib Sawiris,
interessado favorito na compra da Oi.
Quanto a Padilha, enquanto estiver licenciado da Casa
Civil, gozará o lado bom daquele artigo consensual, mas nunca escrito, de nossa
ordem
jurídica: “ou é foro ou é Moro”. E enquanto durar a
licenciosidade ele não terá de engolir desaforo, ora! Seja lorota ou não a
delação sem prêmio do dr. Yunes.