Carta de Porto Alegre
Nós, participantes do 1° Encontro Gaúcho pelo Direito à
Comunicação (1º EGDC), realizado em 27 a 28 de outubro, no auditório da
Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da UFRGS, defendemos o
princípio da liberdade de expressão e de imprensa e o direito à comunicação
como valores fundamentais para a formação e o desenvolvimento de uma sociedade
verdadeiramente democrática. E apontamos que isso somente poderá ser exercido
em sua plenitude, num ambiente de respeito à pluralidade e à diversidade.
Historicamente, o Brasil continua sendo um dos países com
maior concentração das comunicações, nas mãos de poucas e ricas famílias, que
atuam como monopólios e oligopólios de mídia. Mas, com o golpe parlamentar,
jurídico, midiático e empresarial de 2016, ainda em curso no país, e a
instalação de um governo ilegítimo, que usurpou o poder após o impedimento da
presidenta Dilma Rousseff, à ausência de pluralidade e diversidade no debate
público, se somaram novos e crescentes ataques à liberdade de expressão e de
manifestação.
Os ataques têm acontecido não somente com agressões
físicas nos protestos, mas também com a perseguição, a intimidação e a demissão
de jornalistas e radialistas comprometidos com a ética e a verdade dos fatos.
Com a manipulação e a seletividade informativa. Com a condenação e detenção de
blogueiros e comunicadores comunitários e populares. Com o desmonte do sistema
público de radiodifusão. Com a remoção de conteúdos na Internet e a adoção de
práticas de vigilância em massa nas redes. Com a restrição à liberdade de
expressão nas universidades e escolas. Com a censura à expressão artística e
cultural. Com o desrespeito à ética jornalística. Manifestamos nossa
solidariedade aos militantes e profissionais criminalizados.
Com o apoio dos grandes meios de comunicação – além da
maioria do Congresso Nacional, do capital financeiro nacional e internacional e
do Judiciário –, o governo golpista tem imposto um brutal ataque aos direitos
da população, com impactos na vida das pessoas que continuarão pelas próximas
décadas. A toque de caixa, as reformas trabalhista e da previdência estão sendo
votadas no Legislativo. E mudanças significativas no campo da radiodifusão, das
telecomunicações e da internet têm sido aprovadas, sem que a população em geral
sequer seja informada.
Diante de tamanho retrocesso, os movimentos social e
sindical, unidos e organizados, têm dado sua resposta nas ruas e nas mídias
sociais. A greve geral de 28 de abril, que foi a maior na história do país,
mostrou que é possível unificar as lutas e parar o Brasil contra as reformas do
golpista Michel Temer (PMDB). No entanto, apesar do refluxo provocado pela
aprovação de vários projetos retrógrados no Congresso, é preciso canalizar a
indignação e o repúdio de amplos setores da sociedade ao golpe e aos golpistas,
seus vassalos e apoiadores, para retomar as ruas e impedir a destruição dos
direitos e a entrega do patrimônio público.
Assim, também, o movimento pela democratização da
comunicação tem resistido. A campanha “Calar Jamais!”, lançada pelo FNDC em
outubro passado, tem recebido, coletado e sistematicamente denunciado violações
à liberdade de expressão no Brasil, que foram agora organizadas em relatório
que comprova o cerceamento intolerável ao exercício do direito à comunicação.
No Congresso, o FNDC luta, em parceria com outras redes e
articulações da sociedade civil, contra os ataques à internet livre e o
desmonte das telecomunicações e da Empresa Brasil de Comunicação (EBC),
denunciando, inclusive, deputados e senadores que controlam ilegalmente
emissoras de rádio e televisão. Lamentável foi o papel subalterno do
ex-funcionário da RBS e senador golpista Lasier Martins (PSD-RS), relator da MP
744, que legitimou o golpe na EBC com mudança estatutária, afastamento de
presidente com mandato e troca de conselho curador por conselho editorial,
violando o seu caráter público.
Na Assembleia Legislativa do RS, foi aprovada na calada
da noite de 20 de dezembro de 2016, por 30 votos a 23, o projeto do governador
José Ivo Sartori (PMDB) que autoriza a extinção da Fundação Piratini e de
outras instituições públicas, que tratam da ciência, do conhecimento e da
cultura do Estado, diante da política medíocre do governo de atacar servidores
e serviços públicos para tentar vender estatais, implantar o estado mínimo e
privilegiar a iniciativa privada. A resistência do movimento sindical, junto
com a Frente Jurídica em Defesa das Fundações, tem conseguido travar o processo
e manter empregos e direitos dos servidores.
Como defensores de direitos humanos, combatemos as
violações à dignidade humana praticada pelos meios de comunicação, em especial
o racismo e a violência de gênero nas programações. Acreditamos que o combate
ao racismo e a percepção crítica sobre a branquitude e a invisibilidade da
população negra e indígena na sociedade brasileira, como impedimento à
democratização da comunicação, devem ser pontos centrais na promoção de uma
comunicação para além dos negócios: plural, democrática, inclusiva e
emancipadora.
Desta forma, inspirados no legado do saudoso jornalista
Daniel Herz, que abriu caminhos para enfrentar os barões da mídia, manifestamos
o nosso compromisso com a democracia, com a diversidade e a pluralidade, com a
liberdade de expressão e de imprensa, com a luta pela democratização e o
direito à comunicação.
Afirmamos também a nossa disposição permanente em
construir ações de denúncia, de resistência e de mobilização; de produção e
distribuição de conteúdos contra hegemônicos; de fortalecimento do jornalismo,
da comunicação comunitária, alternativa, pública; e de seguir a nossa luta
histórica por um novo marco regulatório dos meios de comunicação no Brasil, que
garanta o direito à informação, sem tutela e sem manipulação da consciência da
população.
A luta por uma comunicação democrática deve estar no
centro da disputa pela transformação social, sendo estratégico, para o FNDC,
ampliar o diálogo com o movimento sindical, os movimentos sociais, o movimento
das mulheres, o movimento pela moradia, como também as Frentes Brasil Popular e
Povo Sem Medo, e as universidades, seus estudantes, servidores técnicos e
professores. A democratização da comunicação não pode se restringir às
prioridades dos que atuam neste campo, mas precisa ser assumido pelos
movimentos e pautado sistematicamente nos debates sobre o presente e o futuro
do país.
Por fim, ao lado de todos e todas que estão nas ruas
gritando “Fora Temer”, “Fora Sartori”, “Fora Marchezan”, “Nenhum direito a
menos”, “Não às privatizações”, “Diretas Já”, marcharemos unidos contra o ódio,
o arbítrio, o autoritarismo, a intolerância e as desigualdades. Empunharemos,
mais do que nunca, as bandeiras da defesa incondicional da democracia, das
liberdades, da justiça social e da participação popular, contra a criminalização
dos movimentos sociais. Tais demandas só serão garantidas se a soberania
popular for restabelecida no Brasil.
Queremos:
– Fora Temer e suas reformas e a venda de patrimônio
público!
– Não ao desmonte do estado e ao plano de recuperação
fiscal de Sartori!
– Não aos ataques de Marchezan aos servidores e à cidade!
– Nenhum direito a menos!
– Diretas Já!
– Calar Jamais!
Porto Alegre, 28 de outubro de 2017.