O obscuro teto salarial dos servidores
Reza a tradição brasileira que lei, para ser obedecida,
precisa “pegar”. O estabelecimento de um teto para a remuneração do servidor
público — o salário de ministro do Supremo, R$ 33.763 —, parece ser exemplo de
uma regra que não “pegou”. Mas nada é simples no mundo da burocracia do Estado,
nem visível para a sociedade, mesmo sendo ela responsável por pagar todas as
contas do setor público.
Na edição de domingo, O Globo trouxe informações
levantadas pelo Núcleo de Dados do jornal em folhas de pagamento dos tribunais
de todo o país, requisitadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por
determinação da sua presidente e do Supremo, ministra Cármen Lúcia.
Há discrepâncias preocupantes entre valores, além de
muitos casos de juízes que furam o teto legal da remuneração de ministro do
STF, norma constitucional.
Do total de mais de 16 mil juízes e desembargadores dos
tribunais de Justiça dos estados, 11,6 mil ou 72% receberam além do teto, tendo
uma remuneração média de R$ 42 mil. A depender do caso, foram utilizadas folhas
de setembro, outubro e novembro.
Excluíram-se do levantamento férias, abonos de
permanência, e décimo terceiro salário, comuns a todo servidor público. No caso
da remuneração dos juízes, têm bastante peso auxílios, gratificações e
pagamentos retroativos.
Em entrevista à GloboNews, no domingo (17), a ministra
Cármen Lúcia, além de pedir que os demais poderes da República também divulguem
suas folhas de salários, ponderou que nem sempre uma remuneração abaixo do teto
é legal, bem como uma acima dele é ilegal. Lembrou que a própria Constituição
abre exceções para “parcelas de caráter indenizatórios previstas em lei”.
É certo que toda a massa de dados recebidos pelo CNJ será
analisada em busca de quaisquer desvios. Mas também não há dúvidas de que o
universo da remuneração do servidor é opaco, nada transparente, como deveria
ser.
O próprio CNJ só conseguiu as informações por
determinação expressa da ministra. Foi preciso também que os tribunais
uniformizassem a apresentação dos salários e respectivos extras para que se
possam fazer as devidas comparações.
Esta caixa-preta, mais uma do setor público, precisa ser
aberta. É necessário entender, por exemplo, por que 52 magistrados receberam,
em um mês, salários acima de R$ 100 mil.
Defende-se que os altos servidores públicos sejam bem
remunerados, à altura da função que exercem, mas de forma translúcida. Tramita,
por exemplo, na Câmara, projeto de lei para definir os adicionais recebidos por
juízes. Boa oportunidade para tratar, por exemplo, do “auxílio-moradia”, uma
parcela indenizatória que pode ser incorporada ao salário mesmo de quem mora em
residência própria na cidade em que trabalha.
São questões como esta que não podem ficar sem resposta.