JAIRO MARQUES SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No comando do
Exército Brasileiro e à frente de 215 mil homens dos quais é exigido pleno
vigor físico, o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, 66, depara-se com
dilemas de acessibilidade, precisa de apoio para atividades e pensa todos os
dias até quando irá conseguir resistir ao poder da doença degenerativa grave
que o acomete.
Embora o militar não diga o nome da enfermidade, nem
mesmo em suas postagens em redes sociais, as características de sua doença se
aproximam da esclerose lateral amiotrófica (ELA), mundialmente conhecida pela
campanha do balde de gelo que arrecadou fundos para pesquisas. Existem, porém,
outras doenças que acometem os neurônios motores. Villas Bôas tem perda de
mobilidade e já é visto em cadeira de rodas e também tem problemas
respiratórios. "O que está em pé e muito vivo hoje é minha mente, além dos
princípios e valores aprendidos no Exército desde a minha adolescência",
diz. Sua condição atual o fez ampliar debates de inclusão dentro das Forças Armadas.
Os colégios militares estão passando por reformas de
adequação de acesso, e professores estão sendo treinados para promover educação
inclusiva, o que deve estar totalmente pronto até 2023. Sobre pessoas com
deficiência desempenhando funções militares, o general avalia que é possível
aproveitar potenciais, mas que mais estudos precisam ser feitos. General desde
2011 e comandante do Exército desde 2015, Villas Bôas não pretende deixar o
cargo. "É possível manter o padrão de profissionalismo e entusiasmo mesmo
enfrentando grandes dificuldades pessoais."
PERGUNTA - O Exército exige perfeita condição física e
sensorial. A nova condição do sr. provocou reflexão sobre isso? EDUARDO VILLAS
BÔAS - Neste momento nos aproximamos mais de Deus e da família. Além disso,
tenho recebido apoio de todos dentro da Força. Os amigos têm um papel muito
importante nestas horas, e, neste caso, a carreira militar tem uma grande
vantagem, pois a camaradagem é uma marca da profissão. Temos pessoas dentro da
caserna que são mais ligadas a nós do que algumas pessoas da nossa própria
família e constantemente nos prestam apoio e incentivam. Tudo isso me incentiva
a superar as exigências físicas da minha profissão. A reflexão que faço
diariamente é até quando poderei seguir trabalhando. Enquanto estiver
colaborando para que o Exército possa seguir cumprindo suas missões
constitucionais, permaneço.
P. - Pessoas com deficiência não poderiam dar alguma
contribuição ao país? O Exército poderia ser mais inclusivo?
EVB - O Exército já tem um projeto na área do ensino.
Temos alunos com necessidades especiais que foram admitidos recentemente em
nossos colégios militares. Em 2017, dois colégios, de Brasília e de Belo
Horizonte, realizaram o concurso de admissão com reserva de vagas para alunos
com deficiência. Até 2023 queremos que todas as unidades estejam recebendo
esses jovens. Em Brasília, estamos capacitando pessoas, fazendo cursos de
especialização e formação específica em educação inclusiva. Estão sendo feitas
reformas de instalações, construção de rampas, adaptação de banheiros e
colocação de sinalizações táteis. Além disso, estão sendo criadas salas com
recursos multifuncionais para alunos com altas habilidades ou deficiência, com
tecnologia de apoio e jogos pedagógicos que potencializam a aprendizagem do
aluno e facilitam a compreensão de conhecimentos. Com relação a ser mais
inclusivo, o Exército tem procurado através de sua política de pessoal
aproveitar todo nosso potencial humano. É fato que uma ou outra limitação não
impede o indivíduo de ser aproveitado em outra área. Mas é preciso que a Força
conduza mais estudos sobre o aproveitamento de pessoas com algum tipo de
deficiência.
P. - É desafiante comandar 215 mil homens em uma condição
física diferente, sem poder, por exemplo, ficar em pé?
EVB - Estou participando das atividades, mesmo com
limitações, pois durante toda a carreira sempre gostei de estar presente em
tudo. O que está em pé e muito vivo hoje é minha mente, além dos princípios e
valores aprendidos no Exército desde a minha adolescência. A carreira, a
vibração como militar e o contato com a tropa é o que me motiva. Sempre que
puder, enquanto tiver forças, vou estar presente, encarando cada dia como um
novo desafio.
P. - Por que decidiu seguir em frente no comando?
Sente-se de alguma forma um exemplo?
EVB - A decisão de permanecer não coube só a mim, pois o
presidente da República é quem define o comandante do Exército. Coloquei meu
cargo à disposição, mas ele [Michel Temer] achou por bem que eu deveria
permanecer no comando. Nossa carreira sempre é repleta de desafios. Não
esperava, ao final da minha carreira, enfrentar este tipo de problema. Creio
que, após tudo isso, ficará claro para todos os nossos militares que é possível
manter o padrão de profissionalismo e entusiasmo mesmo enfrentando grandes
dificuldades pessoais. Sabemos que todos enfrentam problemas, até piores do que
o meu, mas não podemos perder a fé e a vontade de lutar por aquilo que
acreditamos. Temos incorporado ao nosso juramento a frase 'com o sacrifício da
própria vida'. Estou defendendo os interesses do país fazendo exatamente isto.
Creio que, dessa maneira, este meu momento pessoal pode servir de motivação
para os jovens e para aqueles que amam esta profissão.
P. - Chateia o impedimento de não conseguir desenvolver
atividades práticas ou participar de cerimônias formais?
EVB - Não tem coisa melhor para o militar do que
participar de exercícios militares e das formaturas, principalmente nas escolas
de formação. Ainda consigo participar de algumas e isso contribui como um
importante estímulo e fonte de motivação, para o meu prosseguimento na missão.
Por outro lado, participo orientando, emitindo diretrizes, motivando, liderando
como comandante do Exército. De igual forma, tenho procurado ser ativo nas
redes sociais e, com isso, aproximo-me mais dos militares e de todos que
desejam saber qual a posição da força terrestre em diversas questões.
P. - As Forças Armadas poderiam contribuir para melhores
condições arquitetônicas do país?
EVB - O tema acessibilidade é importante e deve ser
discutido pela sociedade. Só pode ser resolvido com um amplo debate envolvendo
os poderes constituídos e o cidadão. O Exército sempre estará à disposição para
contribuir, mas não tem atuação direta para mudar infraestruturas. Exemplo
disto é o trabalho da nossa engenharia, que tem contribuído para o
desenvolvimento do país, construindo estradas, participando de obras de
infraestrutura. Em seus projetos, procura levar em consideração as questões
relativas à acessibilidade. As Forças Armadas têm atuado em demandas sociais e
isso aumenta a vulnerabilidade dos soldados. É adequada a proteção assistencial
aos homens que, eventualmente, se ferem com gravidade? Na maioria das
operações, o militar atua em condições de risco. Com o aumento do emprego das
tropas em missões reais, a vulnerabilidade aumentará na mesma proporção. O
Exército possui mecanismos que amparam o militar e sua família caso aconteça
algum acidente em serviço ou em operação. Em minha diretriz de comando
determinei que a família militar e a saúde sempre tivessem prioridade. Além
disso, nosso sistema de saúde é capacitado e bem aparelhado, contando com
quadros bastante habilitados para tratar o militar assim como sua família.
P. - O senhor fala com otimismo sobre o controle de sua
doença. Qual o estágio dela hoje?
EVB - Fui acometido por uma doença degenerativa do
neurônio motor. Ela atingiu alguns grupos musculares. Estou com dificuldade
para caminhar e com alguma dificuldade respiratória, porém isto não tem me
impedido de participar de todos os assuntos relativos ao comando da Força.
Tenho uma rotina de fisioterapia, medicamentos e consultas periódicas que, no
momento, não tem atrapalhado o desempenho da minha função. O tratamento ajuda a
gerenciar os efeitos colaterais que a doença me traz, de forma a não gerar
maiores consequências para os trabalhos que devo desempenhar.