Artigo, Murillo de Aragão - O delírio da certeza

- Artigo publicado na revista Istoé de hoje.

Os idiotas têm muitas certezas. Já os sábios têm dúvidas e confiança na necessidade de buscar respostas. No Brasil, os idiotas fazem mais barulho do que os homens comuns e os sábios

Duas coisas fundamentais para o viver: a dúvida e a confiança. O mundo gira em torno desses dois sentimentos. Tanto a dúvida quanto a confiança nos impulsionam. Ambos, porém, estão em falta no Brasil.

Ainda que possa parecer paradoxal, os idiotas têm muitas certezas. Já os sábios têm dúvidas e confiança na necessidade de buscar respostas. No Brasil, os idiotas fazem mais barulho do que os homens comuns e os sábios. A certeza é outro componente da questão central da dúvida e da confiança. Mas é uma vulgata, já que a certeza foi vulgarizada pela sua banalização.

Sem dúvidas e desconfiando de tudo, os adoradores do “não é possível que” utilizam essa expressão como abertura dos trabalhos mentais para, adiante, concluí-los com um “com certeza”. Em especial, nas respostas prontas a perguntas que visam respostas ratificadoras ao que é perguntado. Do tipo entrevista de rua sobre o BBB.

Nesse caso, perguntado e perguntador são hamsters que dividem a roda onde correm para ficar no mesmo lugar. É o prazer de atender à expectativa de quem pergunta e encaixar a sua previsível resposta em um quebra-cabeça de e para debiloides.Hoje, no mundo, existe uma conspiração contra os especialistas. Ironicamente, o tema é tratado por alguns especialistas e não é revanchismo. Milhares de subcelebridades e celebridades falam sobre tudo com aparente propriedade e são validados pela mídia.

Muitas vezes a mídia opera para transportar o que a mediocridade majoritária quer ouvir e/ou manipular os sentimentos de acordo com as suas expectativas. Ignorantes são indagados e respondem o que serve para validar o que se quer mostrar ao público.

Atualmente, sabemos mais em volume de informação do que sabia Michel de Montaigne em 1580 . Contudo, o que ele sabia vale muito mais do que o que sabemos hoje em termos de filosofia. Na roda do hamster, quanto mais sabemos menos sabemos.

O que fazer? Pela ordem: duvidar de tudo; desejar e esperar o melhor, mas estar preparado para o pior. Saber ao certo em quem confiar e não ser capturado pelo “não é possível que”, que leva, “com certeza”, a conclusões preconcebidas e rasteiras.

Editorial, Folha - Miséria venezuelana

Editorial, Folha - Miséria venezuelana

Pobreza se generaliza em meio à recessão catastrófica criada pelo regime chavista

Estarrecedora, ainda que não surpreendente, pesquisa recém-divulgada sobre as condições de vida na Venezuela dá novas medidas da tragédia provocada pelo regime ditatorial de Nicolás Maduro.

A investigação —a cargo da reputada Universidade Católica AndrésBello (Ucab), com uma metodologia semelhante à da amostra de domicílios do IBGE brasileiro— retrata uma população acuada pela hiperinflação, assustada com a violência e cada vez mais disposta a abandonar o país.

Quase 9 em cada 10 domicílios não dispunham, em meados do ano passado, de renda para comprar uma cesta básica (que inclui alimentos, higiene pessoal, mensalidade escolar e outros itens). A deterioração dos padrões de vida se mostra vertiginosa: em 2014, a parcela, já altíssima, de venezuelanos nessa situação era de 48%.

É um resultado do processo descontrolado de alta dos preços, a uma taxa que, segundo estimativas recentes, tende a passar dos 10.000% neste ano —em meio a uma recessão catastrófica que adentra seu quinto ano.

A segurança pública é outro flagelo. Um em cada cinco venezuelanos declarou ter sido vítima de um crime no ano anterior, mas 65% não formalizaram queixa por falta de confiança nas autoridades.

Na ressaca da bonança petroleira, a maioria das propaladas “misiones”, programas sociais do chavismo, praticamente desapareceu —caso da versão local do Mais Médicos. No seu lugar, criaram-se esquemas emergenciais de distribuição de alimentos, aviltados por corrupção e manipulação política.

Diante de tamanho descalabro, tampouco é surpresa que os venezuelanos deixem o país em massa, fenômeno sem precedentes na sua história. A pesquisa da Ucab estima que 815 mil tenham emigrado nos últimos cinco anos.

O principal destino do êxodo é a Colômbia, para onde rumaram 600 mil pessoas, segundo Bogotá. Em que pese o caos em Boa Vista (RR), o Brasil recebe menos gente do que países pequenos, como República Dominicana e Panamá.

Diante do quadro desesperador, chega a ser espantosa a permanência de Maduro —que, incapaz de governar de fato, tem como único objetivo perpetuar-se no poder.

Rejeitado pela maioria da opinião pública, abandonou o autoritarismo populista e popular de Hugo Chávez para estabelecer uma ditadura sem máscara, a um custo humanitário q

Artigo, Fernando Gabeira, O Globo - Intervenção parcial

Para atacar o crime em seus diferentes universos, a Lava-Jato poderia avançar nos processos contra os políticos

A intervenção federal no Rio foi feita por um governo impopular. E feita apenas parcialmente. Deveria ser completa.

Não creio que seja o caso de defendê-la diante das teorias conspiratórias, de esquerda ou direita, que veem nela uma espécie de ataque ao seu projeto eleitoral. É inevitável que as pessoas fixadas na luta pelo poder interpretem tudo, mesmo um fato dessa dimensão social, como simples contador de votos.

A intervenção está aí. O governo é impopular, mas o instrumento é o Exército, com grande credibilidade. Se escolher atos espetaculares para tirar Temer do sufoco vai afundar com ele.

Logo, a primeira e modesta tese: o norte é a prática militar, com preparo e meios materiais necessários, e não o oportunismo político. Se prevalecer a superficialidade do governo, a batalha será perdida.

A intervenção tem de saber o que quer, para definir a hora de acabar. Isso não se define com uma data rígida no calendário, mas com a realização da tarefa: estabilizar a situação do Rio para que a polícia tome conta depois de reestruturada. É isso que fazem as intervenções, mesmo num país como o Haiti.

Para reestruturar a polícia é preciso contar com a parte ainda não corrompida e pagar todos os salários em dia.

A maioria parece apoiar a intervenção. É fundamental respeitar a população, conquistar corações e mentes. Nesse sentido, foi um grande passo civilizatório o vídeo de três jovens orientando os negros a evitar a violência policial e a se defender, legalmente, dela. Está na rede. É um texto que deveria ser levado em conta, pois revela como as pessoas de bem se comportam nessa emergência.

Circulou uma notícia de que as favelas ocupadas por traficantes armados seriam considerados territórios hostis. É um equívoco, creio eu. As favelas são territórios amigos, ocupados por forças hostis. Parece um jogo de palavras, mas é uma diferença que implica em táticas e estratégias diversas.

A quarta modesta tese: como não foi realizada a intervenção completa, a Lava-Jato poderia avançar nos processos contra os políticos. Seria a maneira de combinar um ataque ao crime organizado em seus diferentes universos. Creio que fortaleceria o trabalho da intervenção.

Finalmente, algo que me parece também decisivo. Quem acha que é a única saída do momento, apesar de sua fragilidade, precisa ajudar.

O que significa ajudar? A sociedade já se move de muitas formas, inclusive, na internet, colaborando com aplicativos como Onde Tem Tiroteio, Fogo Cruzado e dezenas de outras iniciativas.

Isso vai depender também da intervenção. Se a visão for de aglutinar o esforço social, o general Braga precisa apresentar as linhas gerais de seu plano. Delas podem surgir uma indicação de como ajudar.

Compreendo que a esquerda diga que a violência foi superestimada pela mídia. O próprio general Braga derrapou no primeiro momento, ao afirmar que é muita mídia.

Ele tem razão, de certa forma. Sou um velho jornalista. No século passado, as notícias eram produzidas apenas por profissionais. Hoje, não: a estrutura industrial ampliou seu alcance diante de milhares de colaboradores filmando tudo. Quem filma os tiroteios no morro? E os assaltantes que tentam enforcar uma velha? Não são repórteres. Nenhum dos atos violentos foi desmentido. Não houve fake news, uma vez que caindo no circuito industrial os dados foram checados.

Não se trata, portanto, apenas de muita mídia. São muitos fatos. De qualquer forma, ganhariam as redes sociais.


É com eles que vamos. Ou não vamos.

Uma copa do mundo para a segurança pública

Uma copa do mundo para a segurança pública
De acordo com dados consolidados do Tribunal de Contas da União (TCU), a conta final da Copa do Mundo de 2014 no Brasil ficou em R$ 25,5 bilhões, entre construção de estádios, mobilidade urbana, aeroportos e obras no entorno das arenas. Num país que carece da falta de investimentos em tantas áreas importantes, o volume dispendido para preparar o país como sede de um evento esportivo daria para resolver uma série de problemas estruturais. Fiquemos apenas com a área da segurança pública, setor que passa pela maior crise estrutural de toda a nossa história. Com “apenas” um bilhão poderíamos construir 25 novos presídios federais de alta segurança. Já pensaram na ideia de promovermos uma Copa do Mundo da Segurança Pública e contar com um orçamento dessa natureza? O que poderíamos fazer com os outros R$ 24,5 bilhões? Com certeza resolveríamos uma série de problemas. Equipamentos de ponta para as polícias civil e militar, viaturas, aeronaves, armamento, contratação de novos servidores e valorização das corporações. Chegamos numa verdadeira encruzilhada. Ou resolvemos o problema do crime organizado, da violência urbana e rural, ou sucumbiremos como sociedade. Esse ambiente hostil produz diversos reflexos em nosso tecido social. Talvez o mais visível deles seja a grande mortalidade de cidadãos inocentes. Vivemos em tempos de paz, sem guerra declarada com nenhum outro país. No entanto, as estatísticas de homicídios e latrocínios nos colocam ao lado de nações que vivem conflitos armados. Em algumas situações, superamos países onde está instalada a chamada guerra convencional, caso da Síria, por exemplo. O Brasil é o campeão em número absoluto de homicídios no mundo, com 60 mil mortes por ano. A cada 10 minutos uma pessoa é assassinada por aqui.  De acordo com estudo divulgado pelo Conselho Cidadão à Segurança Pública e à Justiça Penal, das 50 cidades mais violentas do mundo em 2016, 21 eram brasileiras. São tantos números negativos, tantas estatísticas ruins. Outro reflexo da criminalidade pode ser sentido pelo crescente aumento dos investimentos em itens de segurança patrimonial. Sejam em casas, condomínios e empresas. Nesse particular, é importante frisar que empreender no Brasil virou uma atividade de altíssimo risco. E isso gera um custo altíssimo para o nosso setor produtivo. Já não temos mais o chamado Custo Brasil apenas para deficiências de infraestrutura, como portos, estradas e ferrovias. O roubo a cargas, depósitos e a necessidade de maiores investimentos em segurança pesam cada vez mais nos processos operacionais das companhias. O setor privado e a sociedade precisam compreender a sua importância para virarmos esse jogo. Parcerias público-privadas que permitam a realização de projetos e a reaproximação das comunidades com os agentes da segurança e as instituições. Por isso, repito: precisamos de uma Copa do Mundo da Segurança Pública. Maciços e pesados investimentos em inteligência, equipamentos, estruturas prisionais de ponta e pessoal. Do contrário, seguiremos acumulando bárbaros troféus de campeões mundiais da bandidagem.

Por Tenente-Coronel Luciano Zucco 

Oficial do Exército e Especialista em Segurança