Precisamos falar sobre o ensino superior na era do
conhecimento científico
Sérgio Rial, O Estado de S.Paulo
O Brasil é um país de urgências. São tantas questões
inadiáveis para endereçar que esquecemos outras tantas e, com isso, deixamos de
discutir temas que transcendem uma visão mais imediatista. Tome-se como exemplo
o ensino superior. Há quem pense ser secundário discutir a qualidade da
formação universitária enquanto há crianças sem acesso à merenda no ciclo
fundamental. Não temos mais tempo a perder com esse tipo de sofisma. Precisamos
tratar de toda a formação do brasileiro, do ensino básico ao superior, sem
preconceito ou doutrinas que nortearam esse debate nos últimos anos. Muito
mudou desde o século 20 – a revolução tecnológica veio para ficar.
Essa agenda pertence tanto ao aluno quanto ao professor,
verdadeiros arquitetos e engenheiros de uma nação. Nunca na História da
humanidade a educação foi tão importante para fazer as nações avançarem em sua
base científica e se diferenciarem na criação de riqueza. Vemos algumas
sociedades presas a opiniões e conceitos do passado, sem um olhar para o
futuro, o futuro de um planeta mais algorítmico, mais competitivo, mais
integrado pela tecnologia, e não mais só pelas forças políticas. Sociedades que
prosperam com equilíbrio socioambiental e econômico têm na ciência a sua grande
mola transformadora. Países como a Índia e a própria China entenderam isso de
forma contundente.
Devemos lembrar, por exemplo, que em menos de cem anos
dobramos o nível de expectativa de vida de cada um de nós. Não me estranharia
sermos capazes de dobrar de novo neste século. A revolução que se dará no campo
biotecnológico e da nanotecnologia, como instrumento de gestão de saúde, será
transformadora, assim como aquela a que já assistimos em diversas indústrias.
Esse movimento traz consigo um furor transformacional jamais visto em séculos
passados.
Constata-se, portanto, que o capital foi substituído pelo
saber e este, quando perseguido como projeto de nação, produz saltos
qualitativos e em velocidade jamais vista. O investimento no saber, na
pluralidade do pensamento e da investigação científica, ditará as nações que
terão maior chance de permanecer na liderança socioeconômica e política do
planeta, além de atrair e formar o melhor talento. Nada melhor para um país do
que poder criar, reter e atrair os melhores do mundo.
Estudantes brasileiros estão entre os melhores em
olimpíadas internacionais de matemática por causa de escolas 100% focadas em
excelência. Ao mesmo tempo, constatamos a debilidade científica em sua formação
básica. Não é mais uma tarefa do Estado per se, mas sem ele tampouco teremos
chances duradouras. E é no desenho público x privado que poderemos encontrar
soluções. Nós, brasileiros, não nos podemos dividir num debate público x
privado. Temos de avançar num projeto de nação, calçado em ambos os ensinos,
consolidando a valorização da ciência, dos valores éticos, da pluralidade e do
respeito.
Precisamos, sim, falar da importância da universidade
pública, assim como falar de como seremos capazes de financiá-la. Falar do
nosso anseio por universidades privadas originando cientistas e profissionais
altamente desejados tanto aqui como fora do Brasil. O século 21 tem pressa!
Há avanços. Conseguimos aumentar em mais de 60% o número
de jovens matriculados no ensino superior em uma década, de acordo com os
números do Ministério da Educação. Para um contingente de 8 milhões de alunos
inscritos nos cursos, temos mais de 1 milhão de novos profissionais chegando ao
mercado de trabalho a cada ano. A qualidade dessa mão de obra, bem como a sua
capacidade de compreender a realidade que a espera e atender às necessidades da
sociedade são fatores decisivos para o desenvolvimento do nosso país. Contudo
também devemos discutir as novas profissões, que já são uma realidade nesta
sociedade pós-digital.
Neste mundo em que as ocupações repetitivas serão quase
integralmente absorvidas pela robótica e pela inteligência artificial, o
desafio de criação de emprego e geração de renda ganha contornos novos e mais
complexos. O Brasil simplesmente não pode ficar alheio a esse debate.
Há mais de 20 anos o Grupo Santander elegeu o ensino
superior como principal foco dos seus investimentos de cunho social, uma
decisão baseada em estudos que apontaram o apoio às universidades como uma das
maneiras mais efetivas de contribuir para o desenvolvimento de um país. Temos
focado esforços no apoio ao intercâmbio internacional de alunos e professores.
Enxergamos nessa vivência uma poderosa ferramenta para a inserção do País no
cenário geopolítico global, já que esses profissionais em formação trazem para
casa uma nova visão do mundo em que vivemos.
Por isso em 2014, no 3.º Encontro de Reitores Universia,
conseguimos reunir no Rio de Janeiro 1.050 dirigentes de instituições de ensino
superior de todo o mundo para discutir as tendências do ensino superior. Em
maio deste ano uma nova mobilização será feita, desta vez na cidade de
Salamanca, na Espanha. E o nosso Brasil estará representado por uma comitiva
formada por uma centena de reitores de instituições públicas e privadas, de
todos os portes e regiões.
Trata-se de uma oportunidade fantástica para as
universidades brasileiras discutirem o que há de mais contemporâneo no mundo
acadêmico. Queremos que esse seja o início de uma onda de mobilização social
pelo desenvolvimento do ensino superior e da ciência no País, um caminho para
mudanças profundas e significativas em toda a sociedade. Que construamos uma
sociedade que celebre o saber científico. Que os cidadãos aspirem a ser
estudiosos, cientistas, professores e que isso seja um sinal de um Brasil
moderno no sentido mais amplo da palavra – moderno e humanista, com projeto de
nação que vê no seu talento o seu grande diferencial.
Velocidade, amigos(as), porque o Brasil tem pressa.