Noam Chomsky é um ícone da esquerda. Talvez ele seja o
mais duro e contumaz crítico vivo do capitalismo e dos governos americanos.
Leio alguma coisa que ele escreve ou diz, para não perder o costume. Chomsky é
ativista político, filósofo e linguista emérito. Do alto de tais atributos
incorre em declarações improváveis, em teorias exóticas e em reflexões
frívolas. Não há nele nenhum esforço de permanecer no terreno da lógica e da
sanidade.
Dias atrás, ele manifestou sua convicção de que Lula é
perseguido pelas elites e só foi condenado por causa de suas políticas
reformistas, quando esteve no governo. Isto é, Lula está preso pelo que o seu
governo fez de mais meritório. Ao mesmo tempo, sustentou que a esquerda (o PT)
deveria examinar o que deu errado e fazer uma autocrítica. A plateia ouviu em
silêncio obsequioso, como é comum nesses ambientes. Ninguém notou nem anotou a
contradição.
Ora, se Lula está preso porque fez o bem e governou em
favor dos excluídos, então o PT não tem nenhuma autocrítica a fazer. E se o PT
"sucumbiu na maldição da corrupção", segundo as palavras do próprio
Chomsky, então Lula, que era e até hoje é chefe e líder, não pode ser eximido
de culpa.
Na cruzada pró Lula, Chomsky ganhou um aliado de peso:
Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz no ano de 1980, pela sua atuação em
favor dos direitos humanos, durante a ditadura militar argentina. Ambos
defendem a candidatura de Lula ao Prêmio Nobel da Paz deste ano, pelas suas
políticas sociais de inclusão.
Do que eles dizem, do seu raciocínio acrítico e
irreflexivo, de sua memória fraca, devemos inferir que o Brasil estava bombando
em prosperidade, mas os avanços foram barrados de abrupto pelo golpe das elites
e pelo governo Temer, o qual em poucos meses destruiu as conquistas e afundou o
país na crise atual, na recessão, no desemprego em massa e no retorno às
mazelas históricas. Não cogitaram que as conquistas eram frágeis, não se
sustentavam nem tinham como perdurar. Pertenciam mais ao campo da retórica do
que da vida real.
Portanto, tudo se reduz a uma trama conspiratória, levada
a efeito pelas elites predadoras de sempre, tão cruéis e malvadas a ponto de
ficarem incomodadas com a ascensão social e a melhoria de vida dos mais pobres.
E do saco sem fundo de suas maldades tiraram o golpe de 2016, para afastar
Dilma, Lula, o PT, as esquerdas, promovendo a volta dos pobres ao andar de
baixo, de onde nunca deveriam ter saído.
O discurso não tem pé nem cabeça, são lendas urbanas em
série, bem ao gosto e estilo do imaginário esquerdista. Mas é eficaz para a
narrativa invocar personagens icônicos como Chomsky e Esquivel. Eles se prestam
ao papel e exibem suas performances de bom grado. É para isso que são
"intelectuais".
Como assinala Pinheiro da Fonseca em artigo na Folha, ao
mencionar o discurso de que Lula é perseguido por ter origem pobre: "Para
acreditar nisso é preciso ter cursado ensino superior em alguma federal ou
PUC". Ou como disse o escritor inglês George Orwell, célebre autor do
clássico "1984": "Algumas ideias são tão absurdas que só um
intelectual pode acreditar nelas".
titoguarniere@terra.com.