Os dois Brasis que dominam o debate sobre 2018

Por Fernando Abrucio, doutor em ciênias políticas pela USP

O dia seguinte das eleições de 2018 pode consagrar a polarização atual e aumentar o fosso entre as visões sobre o Brasil, ou pode ser um momento de busca de um novo ponto de equilíbrio entre concepções legítimas, capazes de explicar questões estratégicas para o futuro do país. O fato é que estamos diante de dois modos de diagnosticar nossa situação, ambas com parte da verdade, e sem a reconciliação entre elas o próximo presidente terá dificuldades de governar bem e manter o apoio popular.

O debate atual pode ser compreendido como um tipo específico de explicação dualista da realidade. Cabe lembrar que o uso do dualismo para entender o Brasil é uma marca do pensamento social e político produzido sobre o país. "Os dois Brasis" de Jacques Lambert falava sobre a contraposição entre o moderno e o arcaico, algo que já aparecera antes na obra de Sérgio Buarque de Holanda, em "Raízes do Brasil". Edmar Bacha retomou essa lógica quando cunhou o termo "Belíndia", mistura de Bélgica com Índia, para mostrar a natureza de nossa desigualdade. Outros autores importantes seguiram essa trilha, seja para mostrar a incompatibilidade entre os dois polos, seja para mostrar o quanto um "contaminava" o outro - na visão mais hegemônica, isso significava o quanto o atraso sempre conviveu e influenciou o modo de modernização.

O dualismo que se coloca hoje diante de nós é de outra natureza. De um lado, há o predomínio do argumento de que é necessário ajustar o modelo de Estado, principalmente seu padrão de gastos, e, em menor medida (ou de uma forma menos elaborada), seu modelo de funcionamento. De outro, há os que ressaltam mais os sérios problemas sociais do país, que se agravaram desde 2013, e a urgência de melhorar e atuar mais em áreas como educação, saúde, segurança pública, combate à pobreza e à desigualdade, moradia e transporte público.

Seria melhor ao país se aquilo que se apresenta como um embate fosse visto como uma complementariedade de preocupações. Mas não é assim que o debate está posto. Aqueles que se concentram mais na questão fiscal e na preocupação com a viabilidade financeira do Estado são muitas vezes tachados como neoliberais ou qualquer outro termo que expresse um sentimento de xingamento. Para os que têm se concentrado mais na necessidade de priorizar as políticas sociais como o ponto central da agenda do país, regularmente se utiliza a denominação populistas ou qualquer adjetivação que os coloque no grupo dos irresponsáveis frente ao futuro do Brasil.

Para mudar essa rota sem diálogo que nos levará a algum tipo de precipício, é preciso, antes de mais nada, constatar as verdades de cada parte. Se o Brasil não reestruturar suas finanças públicas, de um modo a tornar o Estado solvente e garantir maior igualdade e eficiência no gasto, nenhum presidente conseguirá governar o país daqui para diante. Todos os adultos do recinto da política sabem disso, embora a maioria ainda não expresse isso aos eleitores. A prova disso é que uma reforma previdenciária concentrada na questão da idade mínima e na paridade entre os regimes público e privado provavelmente não será votada pelo atual Congresso, pois não existe contingente suficiente para aprovar tal mudança.

Sem algum tipo de reforma previdenciária o país não terá como gastar mais com quem mais precisa, e nem o Estado poderá ter instrumentos para induzir o desenvolvimento, com gastos, por exemplo, em infraestrutura. Claro que se pode sempre encontrar formatos distintos e negociados de reformas, mas é igualmente fundamental apresentar as contas que porventura embasem uma nova proposta.

Também é essencial repensar os créditos e subsídios federais às empresas. Grande parte do dinheiro gasto pelo BNDES durante o lulismo não serviu para combater a desigualdade ou gerar um novo padrão de desenvolvimento, como propugnavam seus defensores. Muitos dos campeões nacionais ganharam o campeonato sozinho e levaram o troféu para suas casas - em outras palavras, geraram benefícios com dinheiro público apenas a eles mesmos, e não ao povo brasileiro. Mais uma vez, pode-se dizer que o BNDES pode ter um papel estratégico e ser um ativo para melhorar a competitividade da economia brasileira, de modo que não se pode simplesmente acabar com ele. A questão é definir como isso será feito para o benefício da maioria, com uma indução governamental mais meritocrática do que patrimonialista, com resultados efetivamente cobrados, numa dinâmica que gere, ao longo do tempo, menos dependência (e não mais) do Estado.

O ângulo fiscal é essencial, mas insuficiente, para repensar o Estado brasileiro. Mesmo o tema da gestão e sua capacidade de produzir melhor desempenho não ganhou tanta atenção dos defensores dessa agenda. Evidentemente que houve ganhos na governança das estatais, mas o espaço para discutir, apresentar propostas e aperfeiçoar a administração pública brasileira ainda está para ser devidamente ocupado. Pior do que isso, o governo Temer e muitos dos que defendem o predomínio da visão fiscalista não têm levado em conta as necessidades de se debater e repensar o restante das políticas públicas, sobretudo as da área social.

O desempenho do governo Temer em políticas como saúde, segurança pública, redução de desigualdades regionais, mobilidade e pobreza urbanas, entre os principais, tem sido pífio. Isso se soma à sensação de participação ativa na corrupção, e tem um peso maior do que imagina o núcleo político e tecnocrático do governo na enorme impopularidade do presidente. Mesmo uma política onde houve ações mais efetivas como a educação tem sofrido com a visão excessivamente fiscalista. A PEC dos gastos representa bem isso, quando não se deu à área educacional a prioridade necessária a um país que quer se desenvolver e pegar o trem-bala do século XXI.

Afinal, do que adianta arrumar a casa, por anos, se não mudarmos a qualidade da educação e aumentarmos a equidade na sua provisão? Não se pode pensar o Brasil por etapas, isto é, adotar uma lógica em que é preciso fazer todas as reformas econômicas para depois se pensar em como resolver as políticas sociais. Se isso for feito, o país virará cada vez mais um caldeirão - sem trocadilhos, evidentemente -, prestes a explodir. Não haverá país a governar de forma minimamente racional e democrática. Esse tipo de raciocínio, que ainda impera entre economistas, é o primeiro passo para que nos próximos anos seja eleito alguém ao estilo Erdogan ou Putin.

É verdade que há certos arroubos populistas contaminando o debate atual. As propostas de Bolsonaro para a segurança pública são desastrosas e poderiam, se implementadas, piorar o ambiente social do país, abrindo a porta para soluções, no mínimo, pouco democráticas. Bolsonaro é mais parecido com o atual presidente filipino e seu modus operandi racharia o país de vez. O PT, por sua vez, tem negado o que falou e tentou implementar no governo Dilma no caso da reforma da Previdência. A vitória de um petista o levaria, imediatamente, a ter de fazer mudanças previdenciárias, e dizer uma coisa na eleição e praticar outra no governo é um passo para o desastre - e espero que os apoiadores de Dilma tenham aprendido com essa lição da história recente.

Mas não se pode, em nome de uma racionalidade econômica virtuosa e insulada do restante do mundo, ignorar a urgência social do país. Temos de pensar soluções urgentes para saúde, segurança, educação, combate às desigualdades e políticas urbanas. Temos de gastar mais e melhor com saúde, segurança, educação, combate às desigualdades e políticas urbanas. Temos de colocar essa agenda no topo das preferências do próximo presidente. Com Temer, o social foi escanteado e o resultado, segundo as pesquisas de opinião, é que quem estiver ao lado dele, não será eleito presidente do país. Pode até melhorar um pouco o desempenho econômico ao longo do ano, mas o bem-estar social é a variável-chave para definir a disputa presidencial de 2018.

Por essa razão, o debate sobre as outras políticas públicas para além da macroeconomia e das finanças públicas - mas não aquém --teria de ser priorizado nos próximos meses. O Brasil deveria olhar um pouco mais para a experiência internacional, onde há muitas inovações na área social, e para os estudos dos especialistas brasileiros.

O exemplo que mais aparece como presságio do que pode ser o nosso futuro é a situação do Rio de Janeiro. De fato, só se chegou 

Álvaro Dias: um azarão do Sul no caminho do centro

Quando o senador Álvaro Dias (PR) filiou-se ao Podemos em julho do ano passado para disputar a Presidência da República, seus conselheiros mais próximos lhe deram uma recomendação: ignorar a região Nordeste e concentrar toda a sua agenda de pré-campanha no Sul.
A sugestão tem uma explicação numérica. Na mais recente pesquisa Datafolha divulgada em abril, o senador chega a 11% das intenções de voto na região Sul, quase o dobro de seu ex-companheiro de partido, o ex-governador Geraldo Alckmin (6%).

"A estratégia deles era pescar onde tem mais peixe. Mas não segui os conselhos. Vou onde sou convidado", disse ele ao Estado. No plano nacional, o mesmo levantamento coloca o senador com 4% das intenções de voto em seu melhor cenário, marca suficiente para ser cortejado por adversários que antes davam os ombros para a sua pretensão eleitoral. "A princípio eu era ignorado como candidato. Hoje não mais", disse Dias durante tour pelo Vale dos Sinos e Serra Gaúcha.
Na quarta-feira passada, ao chegar em Novo Hamburgo, Dias foi saudado pelo presidente da Associação Comercial e Empresarial da cidade, Marcelo Lauxen, como "o candidato que pode unir o centro". O senador o respondeu dizendo que existem duas opções na mesa: "Eu sou a ruptura". Em seguida, desfiou críticas à gestão Michel Temer. "Todo governo envolvido em corrupção deve levar nota zero."
Em sua fala, Dias criticou as "ditaduras boquirrotas" da América Latina, prometeu privatizar estatais e ironizou a febre dos candidatos "outsiders". "O povo brasileiro desmentiu a teoria que o eleitor quer um outsider. O Brasil não é brinquedo para ser entregue a uma aventura."
Experiência na política não lhe falta. Ex-governador do Paraná e no quarto mandado como senador, Dias, aos 73 anos, virou uma das alternativas a candidaturas ligadas ao PSDB e MDB. Semana passada, ele foi procurado por outro presidenciável: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) ofereceu um almoço a ele na residência oficial, em Brasília.
Durante a refeição, discutiram a possibilidade de uma aliança para se contrapor a uma eventual frente formada por tucanos e emedebistas. A tese também pautou uma conversa reservada de Dias com Flávio Rocha, do PRB, após um evento do setor de supermercados em São Paulo. Coligações com PROS, PMN, Rede, PSB e Patriotas também não estão descartadas. Mas uma pergunta recorrente por onde Dias passa é sobre a possibilidade de uma aliança com o PSDB. "Tenho uma relação cordial com Alckmin, mas minha briga é com o sistema. E o PSDB é sustentáculo do atual sistema."
Presidente nacional do Podemos, a deputada federal Renata Abreu considera "impossível" Dias ser vice de Alckmin. "Mas podemos fazer uma coalizão de centro com o DEM e PRB. O candidato pode ser aquele que tiver melhor nas pesquisas, em nome de um projeto maior de combater os extremos. A ideia é construir uma segunda chapa de centro, mais limpa e programática". "A Renata Abreu faz as conversas. Fico na retaguarda", disse Dias.
Ex-tucano
A relação do senador com os tucanos foi turbulenta e deixou lembranças ruins. Dias conta que em 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foi alvo de um processo de expulsão da sigla movido pelo então presidente do PSDB, José Aníbal. "O Álvaro e o irmão dele, Osmar, assinaram um pedido de CPI pedindo o impeachment de FHC. Como presidente nacional do PSDB, os procurei e disse que essa era uma iniciativa do PT. Era inaceitável que parlamentares do PSDB assinassem apoiamento à sua realização", afirmou Aníbal.
O senador paranaense foi então para o PDT, mas voltou a ser tucano em 2002, após a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - preso e condenado na Operação Lava Jato. Em 2010, teve outro revés. Chegou a ser anunciado como candidato a vice do senador José Serra. Foi a eventos com ele nessa condição, nos quais foi anunciado no microfone como "futuro vice-presidente". Na véspera da convenção partidária, porém, soube pela imprensa que o deputado Índio da Costa (DEM-RJ) fora escolhido após uma reunião de caciques durante a madrugada.
Quatro anos depois, em 2014, viu novamente seu nome ser colocado no centro da articulação. Ele foi procurado em seu gabinete por deputados e senadores do DEM que teriam feito um convite para que ele entrasse no partido e disputasse a Presidência.
A articulação contou com o aval de Maia, mas teria sido abortada pelo senador José Agripino (RN), que tinha pretensão de ser o vice de Aécio Neves na disputa. "Ele se dispunha a se filiar ao DEM, mas com a condição ser candidato. Eu fui um dos que disse como se aceita isso passando por cima de outros que já estavam na fila?", disse Agripino ao Estado. Quando questionado se há a possibilidade de uma nova aliança entre PSDB e DEM, Dias repete o que ouviu de Maia no encontro. "A insatisfação do DEM com o PSDB é antiga."
Solitário
Na quarta-feira passada, Dias estava sozinho no saguão de um hotel de Porto Alegre quando recebeu o Estado para acompanhá-lo pelo Sul. Chegou na noite anterior em um voo de carreira vindo do Rio de Janeiro. O senador respirou aliviado quando soube que, dessa vez, a secretaria do Podemos escolheu um hotel confortável. "Da última vez que estive aqui me colocaram em um hotel que não tinha cortina 'blackout'. A porta do frigobar não fechava. Reclamei!".
A última parada na viagem pelo Sul foi em Gramado, onde participou na quinta-feira do debate que reuniu pela primeira vez no mesmo palco, além dele, quatro pré-candidatos: Manuela Dávila (PCdoB), Henrique Meirelles (MDB), Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL). Sentiu-se à vontade ao fazer coro as críticas ao governo Temer ao lado de Ciro, Boulos e Manuela. "O debate ideológico no Brasil é esquizofrênico. Fica difícil carimbar alguém como esquerda, direita ou centro, já que a anarquia partidária é complexa", disse o senador que segue uma campanha sem compromissos e também fala em unificar o vasto espectro político


Artigo, Juremir Machado, Correio do Povo - Queremos Lula ?

Artigo, Juremir Machado, Correio do Povo - Queremos Lula ?


Getúlio Vargas foi deposto no fim da Segunda Guerra, tinha realizado uma gestão industrializante e favorável ao trabalhador, numa outra época e noutro contexto. Ele  nunca tinha roubado ninguém, nem organizado grupos mafiosos obscuros, e era admirado tanto por empresários como trabalhadores. Não tinha uma Justiça inteira contra ele por ações penais. Não tinha apenas 30% do eleitorado de devotos alucinados, fanáticos, idiotizados pela ideologia atrasada do comunismo mais torpe. A tentativa deste jornalista do Correio do Povo, de estabelecer conexão entre um bandido político, preso como corrupto, e a figura de estadista representada por Vargas, é grotesca e patética.

Leia o artigo completo de Juremir Machado:

Queremos Lula?

A história do Brasil parece se repetir sem cerimônia. Em 1945, o país conheceu o movimento “queremista”. Retumbava o “queremos Getúlio”. Defendia-se uma constituinte com Vargas antes das eleições presidenciais. Não rolou. Getúlio foi derrubado. Continuou extremamente popular. Estamos vivendo hoje um retorno do queremismo? Getúlio refletiu no seu isolamento e, contrariando suas convicções, resolveu influenciar o resultado das eleições. Depois de receber, em São Borja, uma visita do seu correligionário Hugo Borghi, deixou escapar o conselho que se tornaria o slogan vitorioso: “Votai em Dutra”. Os eleitores obedeceram.
Getúlio considerava Eurico Gaspar Dutra um golpista. O militar dera aval à queda do seu benfeitor. A mensagem de apoio ao traidor só chegaria meia hora antes de terminar o último comício de Dutra. “O candidato do PSD, em repetidos discursos, e ainda agora, em suas últimas declarações, colocou-se dentro das ideias do programa trabalhista. Ele merece, portanto os nossos sufrágios!” Vargas, porém, reservou-se um direito posterior de oposição: “Estarei ao vosso lado e acompanhar-vos-ei até a vitória. Após esta, estarei ainda ao lado do povo contra o Presidente, se não forem cumpridas as promessas do candidato”.
O conselho de voto de Getúlio vinha de uma profunda reflexão: “Agredido, injuriado, traumatizado pelo choque dos ódios e das paixões políticas venho dizer-vos que esqueci tudo e encontrei no amor pela minha pátria forças para me renovar. Estou presente e venho cumprir a minha palavra”. O que fará Lula? Sairá da prisão para ser candidato? Emergirá da sua cela como um Getúlio do século XXI superando as agressões, as injúrias, os traumas, os choques de ódio e as paixões políticas para, renovado, recomendar, por amor à pátria, o voto no candidato possível? Getúlio sustentou sua posição com pragmatismo: “A abstenção é um erro. Não se vence sem luta, nem se participa da vitória ficando neutro. Fora do governo, meu espírito sofreu a decantação de quaisquer ressentimentos por injustiças sofridas”. Lula fará o mesmo?
Leitores dirão que é absurdo comparar Getúlio e Lula. Vargas, sobre a realização das eleições, garantiu: “Nunca pretendi outra cousa senão cumprir a lei”. Sobre a sua queda, conciliou: “As ocorrências de 29 de outubro foram o resultado de erros e confusões das quais nos devemos dar quitações mútuas”. O impeachment de Dilma Rousseff será o resultado de erros e confusões mútuas? Impossibilitado de concorrer à presidência, mas não a outros cargos, Getúlio ponderou: “O momento não é de homens, mas de programas e de princípios”. Depois de mandar “cerrar fileiras” atrás do programa do PTB, decidiu apostar no candidato do PSD, seu ex-ministro. Fará Lula o mesmo na última hora? Quem será o Borghi a convencer Lula? Quem será o Dutra de Lula? O governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, defende apoio a Ciro Gomes.
Com Haddad na vice?
Ou com Manuela? Os dias passam. O que pensa Lula na solidão? Quando virá o seu “ele disse”? Na sua mensagem, Getúlio observou: “As forças armadas do Brasil devem estar acima das suspeitas facciosas e não podem ser consideradas em causa em lutas partidárias”.
Ele disse muito.



Rolf Kunz, Estadão - Para afundar o Brasil dispensa choque externo


Diante de um Congresso indiferente aos grandes problemas, os perigos externos ficam muito menos assustadores

A maior ameaça à economia brasileira, como quase sempre, é tão nacional quanto o pato no tucupi. Se for para o brejo a recuperação econômica, hoje um tanto cambaleante, mas ainda inegável, a causa principal será certamente made in Brazil. Na escassa e rala discussão sobre planos de governo têm surgido bobagens do tipo “crise fiscal se resolve com crescimento”, ao lado de propostas quase incríveis, como a de retorno do chamado imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Diante de um Congresso indiferente aos grandes problemas, de um debate eleitoral indigente e de um cenário institucional confuso, os perigos externos ficam muito menos assustadores do que devem parecer aos cidadãos de outros países. Não há como desconhecer, é claro, a truculência do presidente Donald Trump e seus efeitos sobre o comércio internacional, o preço do dólar e o mercado do petróleo. É indispensável seguir o jogo no Oriente Médio. É essencial acompanhar a inflação nos Estados Unidos e o ritmo de elevação dos juros pelo Federal Reserve, o banco central americano. Esses juros têm potencial para mexer em todo o mercado financeiro. Tudo isso pode afetar o Brasil, mas o Brasil pode perfeitamente afundar sozinho, sem depender de choques externos.

Choques podem vir, naturalmente, e seu efeito será tanto pior quanto mais desarranjado estiver o País. O risco de contágio da crise argentina pode ser muito limitado neste momento, mas o sinal de alerta é claro. Com reservas em torno de US$ 380 bilhões, superávit comercial de US$ 20 bilhões em quatro meses, uma boa safra para exportar e a inflação bem abaixo da meta anual de 4,5%, o Brasil parece pouco vulnerável, pelo menos neste ano. Essa avaliação pode ser hoje correta, mas o mundo continuará, muito provavelmente, girando em torno do Sol depois do próximo réveillon.

No dia seguinte um novo presidente deverá ocupar a sala principal do Palácio do Planalto. Como estará o País e como será sua imagem nos mercados no começo de 2019? Por enquanto, a indústria produz mais que há um ano, apesar de alguns tropeços. No primeiro trimestre a produção foi 3,1% maior que a de janeiro a março de 2017 e o crescimento acumulado em 12 meses chegou a 2,9%. As vendas no varejo cresceram em volume 3,7% em 12 meses, sem contar o comércio de veículos, componentes e material de construção. Incluídos esses itens, o aumento bateu em 6,2% nos 12 meses terminados em março. A inflação continua abaixo de 3%. Deverá subir um pouco até o fim do ano. Se isso refletir aumento do emprego e do consumo, será um efeito bem-vindo.

Mas um Brasil mais próspero, com níveis mais altos de atividade e de consumo, ainda poderá ter inflação civilizada se as contas públicas forem arrumadas. O governo ainda poderá fechar 2018 sem romper a meta fiscal e o teto de gastos e sem descumprir a regra de ouro, a proibição de endividar o Tesouro para despesas de custeio. Mas o novo governo terá muita dificuldade para atender a esses padrões, mesmo com a economia mais ativa.

Na melhor hipótese, passará por esses obstáculos, mas ainda poderá chegar ao terceiro ou ao quarto ano de mandato sem ter contido a expansão da dívida pública. Nenhum avanço duradouro será conseguido sem a execução da pauta de ajustes e reformas. E é também preciso levar em conta as condições de financiamento, se a avaliação de risco piorar e o mercado se retrair.

O crescimento dependerá também da evolução da produtividade – tanto do governo quanto do setor privado. Será preciso, além de buscar o equilíbrio contábil das finanças públicas, elevar os padrões de administração. Será necessário mexer na composição do Orçamento, para reduzir as vinculações e aumentar a racionalidade na aplicação de recursos. Não se consertará o Orçamento, nem a economia, com aberrações como a CPMF. Tributos funcionais incidem sobre a produção de bens e serviços, a circulação, a apropriação de renda e as operações financeiras. Aquele monstrinho incide sobre a mera movimentação de dinheiro. Ao realizar um pagamento, o cidadão paga um tributo sobre o ato de pagar. Esse é um tributo de incidência múltipla, encarecedor de toda a atividade econômica, regressivo e, acima de tudo, teratológico.

Mas qualquer projeção de crescimento continuado ainda neste ano e também nos próximos tem como pressuposto um mínimo razoável de normalidade, racionalidade e confiança. As expectativas quanto ao próximo governo pesarão cada vez mais nos próximos meses. Por enquanto, o quadro eleitoral é pouco animador. Há pouca conversa séria sobre os fundamentos econômicos, sobre a agenda de reformas e sobre estratégias para tornar a economia mais eficiente e mais competitiva.

Pior que isso: nem está claro se todos os pré-candidatos à Presidência reconhecem como reais os desafios apontados no dia a dia do debate econômico mais qualificado. Sem o claro reconhecimento desses problemas, a campanha será de novo marcada por promessas tão sedutoras quanto distantes do bom senso.

Não há como desprezar o risco de um novo governo fantasiado de progressista e comprometido, de fato, com os interesses de facções empresariais e sindicais sempre famintas de benefícios fiscais, subsídios de crédito e protecionismo comercial. Foi assim no longo e desastroso período petista e assim poderá ser, mais uma vez, se esse tipo de aliança prevalecer. Nesse caso, o País estará de novo no rumo de um desastre, porque nenhum desarranjo importante será corrigido e outros serão acrescentados. No resto do cenário pré-eleitoral predomina, por enquanto, o marasmo.

O próximo governo, dizem os otimistas, será forçado a reconhecer os problemas e a cumprir as tarefas necessárias. Por enquanto, as falas e os movimentos táticos indicam a repetição de erros tão conhecidos.