Se o PT sempre
foi uma máquina produtora de versões, a prisão de seu Líder máximo apenas
confirma este fato. Sempre atento à formação da opinião pública, é-lhe capital
manter o seu protagonismo político. Sair de cena, significaria uma batida em
retirada de difícil retorno.
Acontece que
Lula e vários de seus dirigentes foram condenados e, alguns, estão cumprindo
penas em prisões. O comprometimento do partido com o crime tornou-se uma outra
marca sua, com o mensalão e o petrolão sendo suas expressões mais visíveis. O
partido da ética na política tornou-se o da criminalização da política, em uma
equação em que salta aos olhos a contradição.
Imagens
contraditórias atormentam o partido. Como conviver com elas veio a ser uma
questão maior. Várias alternativas fizeram-se presentes. Uma delas, a de uma
verdadeira autocrítica e uma mudança de rumos propriamente socialdemocrata, foi
das primeiras a ser descartada. Seu lugar foi ocupado por uma denegação de
todos os crimes cometidos, acompanhada por um discurso de tipo revolucionário,
em que abundam as radicalizações, com seus dirigentes abertamente defendendo o
Foro de São Paulo em Cuba e a sanguinária ditadura de Maduro na Venezuela.
O discurso do
“golpe”, da “perseguição política” e contra a “direita e os conservadores” faz
parte da estruturação desta narrativa. Lula preso tornou-se um ativo de
preservação do próprio partido, em sua busca desenfreada por manter uma imagem
pública palatável aos seus crentes e simpatizantes.
Neste quadro,
a prisão do ex-presidente é um fato propriamente político da maior importância.
O aparente quebra-cabeças de seus advogados faz parte do jogo, visando a manter
o apenado em cena. Não se trata de uma defesa jurídica, mas propriamente
política. Os argumentos digamos “jurídicos” são apenas uma aparência que faz
parte de uma lógica mais geral. Não se bate em juízes e promotores um dia sim e
outro também se há verdadeira intenção de libertar o condenado. A estratégia
seria outra.
Alguns chegam
a enxergar nestas atitudes aparentemente paradoxais uma espécie de “suicídio”
do PT, vitimado que seria por suas contradições. Contudo, se adotarmos uma
outra perspectiva, poderíamos ver a lógica do que surge como ilógico. E se o
objetivo maior do partido fosse precisamente a sua própria conservação sob a
ótica do longo prazo?
Uma abordagem
possível consistiria em considerar um posicionamento partidário voltado para o
período pós-eleitoral, cujo relógio começaria a contar a partir do dia primeiro
de janeiro de 2019. Eis o cenário para
qual o PT está se preparando.
O partido já
sabe que Lula não poderá ser candidato em 2018 por razões legais evidentes. A
Lei da Ficha Limpa é clara a respeito. Até um estudante de primeiro ano de
direito sabe disto. Não é necessária a contratação de nenhum grande advogado.
Contudo, o discurso da “perseguição política” e de cerceamento de seus direitos
eleitorais faz parte de um processo mais amplo de deslegitimação das próximas
eleições. O partido está amealhando capital político.
As chances de
um poste escolhido no último momento são exíguas, apesar de alguns acreditarem
ainda sinceramente nesta possibilidade. Em todo caso, tal crença contribui para
que o partido continue coeso, algo que é da máxima relevância neste momento.
Aparentemente, o PT está preocupado em ganhar esta eleição, quando na verdade
visa a se posicionar enquanto oposição ao novo governo, dentro de um cenário
institucional degradado. Cenário esse que lhe é de valia também em função do
discurso revolucionário que está adotando. Regressa às suas origens.
Neste cenário,
não lhe interessa qualquer aliança que lhe dê substância eleitoral para
outubro. Por exemplo, compor com o ex-governador Ciro Gomes não lhe convém,
pela simples razão de que esse, eleito, seria por demais igual ao PT, vindo a
aniquilar o próprio partido. O programa do candidato apresenta semelhanças
profundas com o que foi defendido pelos governos Dilma e Lula II. Seria lógico
apoiá-lo. Eleitoralmente faria sentido, partidariamente não. O fundamental para
o partido reside em manter a sua hegemonia.
Para o PT, faz
muito mais sentido a eleição de Jair Bolsonaro. Isto por que sempre poderia
dizer que o processo eleitoral não possui nenhuma legitimidade, na medida em
que Lula não teria podido participar da eleição. Teria sido impedido graças a
uma “perseguição política”, a um ato de “arbítrio” perpetrado por juízes e
promotores apoiados pela “grande mídia”.
Teria, ainda,
do ponto de vista de sua narrativa, no interior de um quadro apresentado como
institucionalmente degradado, o “benefício” de colocar-se como de oposição a um
governo “militar”. Caso eleito, Bolsonaro não seria considerado como resultado
de um processo constitucional, mas como produto de um conjunto de
arbitrariedades da toga e dos meios de comunicação que teria propiciado a volta
dos militares ao Poder.
O
comprometimento do partido com a verdade é nulo. Importa-lhe exclusivamente a
sua versão, contanto que essa lhe seja útil na perspectiva da conquista do
Poder. Não há nada ilógico no que o partido vem fazendo. A aparente desordem
nas orientações partidárias segue também um método próprio de ordenação, tendo
como eixo a estrutura partidária e a coesão de sua ideologia, por mais falsa e
dissociada que seja da realidade.
O PT nunca
prezou tampouco a democracia. Essa lhe foi útil, sobretudo no período
pós-regime militar, apresentando-se como uma nova alternativa de participação
política. Discursos de uma suposta “democracia direta” abundaram naquele
período. Entretanto, o que importava
para o partido era o uso que poderia fazer das instituições democráticas para a
apropriar-se do Poder. Tratava-se do mero uso instrumental da democracia.
Agora, o seu aviltamento veio a ser o seu complemento.