Orientação ideológica vem da influência do ambiente em
que eles são formados, que molda sua visão de mundo segundo antigos princípios
marxistas
Tiago Cordeiro especial
para a Gazeta do Povo [25/09/2018] [10h40]
“É preciso dizer, mais que uma escolha política, a
candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio
civilizatório primordial”.
É o que diz um manifesto que se posiciona contra o
candidato à presidência Jair Bolsonaro assinado por mais de 300 intelectuais e
artistas, incluindo Alice Braga, Caetano Veloso, Camila Pitanga, Drauzio
Varella, Miguel Reale Jr., Fernando Morais, Laerte e Maria Gadu.
O texto, apresentado neste fim de semana, conclui: “Por
isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa [da democracia] em
qualquer situação, e nos reunimos aqui no chamado para que novas vozes possam
convergir nisso. E para que possamos, na soma da nossa pluralidade e
diversidade, refazer as bases da política e cidadania compartilhadas e retomar
o curso da sociedade vibrante, plena e exitosa que precisamos e podemos
ser”.
Em reação, partidários de Bolsonaro lançaram a hastag
#RouanetNão, em referência ao uso da lei de captação de recursos públicos da
parte de artistas consagrados, e alcançou os trending topics do Twitter
nesta segunda-feira, dia 24.
Intelectuais e artistas brasileiros se manifestam com
frequência. Em janeiro, um grupo formado por artistas de TV, como Herson Capri
e Bete Mendes, criticou o julgamento de Lula. Em março, mais de 400 artistas,
juristas e intelectuais, caso de Fábio Konder Comparato, Marieta Severo,
Martinho da Vila e Dira Paes, defenderam a candidatura de Luís Inácio Lula da
Silva.
Em abril, mais de cem artistas e intelectuais assinaram
um manifesto contra a prisão de Lula. Entre os signatários estavam Andrea
Beltrão, Luiz Carlos Barreto e Laís Bondanzky. Já em julho, Chico Buarque,
Gilberto Gil e Beth Carvalho cantaram, no centro do Rio de Janeiro, a favor do
ex-presidente petista durante o Festival Lula Livre.
Mas por que isso acontece? Por que tantos intelectuais e
artistas são alinhados às pautas de esquerda?
“Corrupção intelectual”
Existem também artistas e intelectuais de direita, e
ambas as escolhas são legítimas. Nos últimos anos, alguns alcançaram um alto
grau de repercussão em suas posições — por exemplo, os músicos Lobão e Roger
Moreira e a atriz Regina Duarte. Até mesmo Jair Bolsonaro conta com apoiadores
no meio: Amado Batista, Alexandre Frota, Eduardo Costa, Danilo Gentili e Gusttavo
Lima.
Mas os artistas e intelectuais alinhados à direita ainda
são minoria. Talvez seja pelos riscos que os artistas correm quando tomam
qualquer posição. A cantora Anita, por exemplo, ficou no centro de uma
controvérsia após começar a seguir nas redes uma velha amiga que apoia
Bolsonaro. Ela apareceu num primeiro momento dizendo que não estava interessada
em dar opinião e depois — apesar da declaração inicial — aderiu à campanha
anti-Bolsonaro. É o fenômeno da patrulha ideológica: personalidades são instadas
pelos manifestantes a tomarem posições políticas, mesmo que isso aconteça
muitas vezes a contragosto.
Do Leblon à USP, passando pelos principais estúdios
musicais e distribuidoras de cinema, os adeptos da esquerda dominam o cenário.
O doutor em antropologia social e colunista da Gazeta do Povo Flavio
Gordon aborda o assunto em seu livro “A Corrupção da Inteligência -
Intelectuais e Poder no Brasil”, lançado em 2017.
Em seu livro, Gordon afirma que a adesão da
intelectualidade à esquerda é um caso claro de corrupção: “(...) é uma forma de
corrupção que — ao contrário daquela com a qual os brasileiros estamos mais que
habituados, praticada sobremaneira pela classe política e noticiada diariamente
nos jornais — é pouco discutida, ou talvez sequer notada”. E continua: “Não se
a discute de maneira franca e responsável, porque os seus agentes são,
precisamente, os que detêm o monopólio do discurso público. São eles quem,
regra geral, têm os meios e a legitimidade social para analisar, debater e, por
fim, denunciar os problemas brasileiros”.
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O autor vê uma diferença entre a corrupção intelectual e
a tradicional: no primeiro caso, os intelectuais não são beneficiados. Eles
“são, ao mesmo tempo, os corruptos, os corruptores e, paradoxalmente, as
primeiras vítimas do fenômeno”, defende, e prossegue: “ao contrário da
corrupção político-econômica, essa corrupção não traz benefícios (senão apenas
ilusórios) para o corrupto, mas, ao contrário, corrói aquilo que ele tem de
mais precioso: a sua inteligência, a sua razão, a sua consciência moral. A
partir daí, o dano causado pela corrupção em questão alastra-se
avassaladoramente, de maneira ondulatória, debilitando a cultura como um
todo.”
Flavio conclui: “O Mensalão e o Petrolão foram a
expressão, na política, da hegemonia que a esquerda conquistara na
cultura”.
Formação deturpada
Mas em que momento esse tipo de corrupção tomou conta do
setor? Décadas antes, o filósofo, sociólogo e cientista social francês Raymond
Aron já se debruçava sobre este assunto. É de sua autoria o clássico O
Ópio dos Intelectuais, datado de 1953, apenas dois anos depois da morte do
ditador soviético Josef Stalin.
A ditadura comunista comandada por Stalin já havia
mandado até então milhões de dissidentes e inimigos do regime aos campos de
prisioneiros na Sibéria, porém ainda havia intelectuais dispostos a defendê-la.
Um deles era o filósofo Jean-Paul Sartre, que chegou a dizer que não ficava
envergonhado com os gulags soviéticos. "Nós podemos ficar indignados
ou horrorizados diante da existência desses campos [de concentração
soviéticos]; nós podemos até ficar obcecados por eles, mas por que eles
deveriam nos constranger?” Sartre não parou por aí: “Um regime
revolucionário deve descartar um certo número de indivíduos que o ameaçam, e
não vejo outro meio para isso, a não ser a morte.”
Para Aron, num momento inicial, parece que os
intelectuais entendem tão pouco de política quanto outras categorias
profissionais. “Quando observamos as atitudes dos intelectuais em política, a
primeira impressão é a de que elas se parecem com as dos não intelectuais. A
mesma miscelânea de informações incompletas, preconceitos tradicionais
e preferências mais estéticas do que racionais se manifesta tanto nas
opiniões de professores ou escritores quanto nas de comerciantes ou
industriais.”
“O comunismo se desenvolveu a partir de uma doutrina
econômica e política, em uma época em que declinavam a vitalidade espiritual e
a autoridade das igrejas. O fervor que, em outras épocas, poderia se exprimir
em crenças propriamente religiosas tomou como objeto a ação política”, diz
Raymond Aron. “O profetismo marxista traz em si a condenação daquilo que é e
esboça uma imagem do que deve ser e será, e escolhe um indivíduo, ou um grupo,
para vencer o espaço que separa o presente indigno do futuro fulgurante”.
A visão crítica dos intelectuais ocidentais das últimas
décadas é nublada pela visão marxista de história, com seus ideais que, se
parecem perfeitos na teoria, na prática não funcionam, como tantos exemplos ao
redor do planeta comprovam. Ainda assim, seus adeptos se apegam a ela, como um
fiel a uma religião. (Existem poucas exceções, algumas notáveis, como o
escritor peruano e vencedor do prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas
Llosa, ex-comunista e ex-apoiador da ditadura cubana, hoje forte crítico de
ambos.)
Em palestra proferida em 2016, em Porto Alegre, durante o
evento Fronteiras do Pensamento, Vargas Llosa explicou o motivo de tanta
fascinação dos intelectuais e artistas com a esquerda. De acordo com o escritor
peruano, artistas buscam a perfeição estética, seja na beleza dos quadros que
pintam ou nos versos que escrevem. Politicamente e ideologicamente, o mais
próximo disso é a utopia comunista, que promete um mundo igual, sem pobreza e
desigualdade. Eis o fator de sedução do comunismo.
Evidentemente, explica Llosa, nenhuma nação que adotou o
socialismo escapou da tragédia, da fome, da perseguição política. Enquanto
o comunismo é bonito no papel, a democracia é complicada, difícil e sempre será
imperfeita — difícil para a classe artística, preocupada com a perfeição
teórica, compreender e adotar com entusiasmo. Mas, sem dúvida, o único sistema
que dá a liberdade para estes mesmos artistas e intelectuais executarem seu
trabalho e sua arte."