* ZANDER NAVARRO, O Estado de S.Paulo 24 Outubro
2018 | 05h00
Peço licença ao candidato Eymael para utilizar o seu
bordão no título acima. Ele, Cabo Daciolo e Vera Lúcia, do PSTU, formaram o
time simpático do pleito. Certamente porque foram minúsculos os seus tempos de
exposição. Foi impossível não sorrir ao vê-los na propaganda, pois
representaram a face sonhadora da disputa. Pareciam sinceros, talvez porque sem
terem a chance de maiores explicações. Quem não se divertiu ao ouvir Vera Lúcia
afirmar que iria estatizar as cem maiores empresas do País? Somos gratos ao trio,
eles suavizaram com suas utopias a hipocrisia de quase todo o processo
eleitoral, banhado em promessas absurdas, bravatas e inúmeras falsidades, à
direita e à esquerda.
Uma eleição extraordinária, quase espetacular, um
definitivo divisor de águas em nossa História. E sua marca principal é
alvissareira, pois introduz, finalmente, os sinais de algum amadurecimento
político dos eleitores. Esse otimismo tem explicação concreta e não se
relaciona diretamente às escolhas realizadas, mas aos movimentos ocorridos. Nos
anos deste século, um silencioso processo vem mudando a amplitude das
informações disponíveis e, assim, a capacidade dos eleitores de escaparem das
armadilhas e da manipulação dos partidos. É o espantoso fenômeno das “redes
sociais”, a grande mudança nos vetores da interação e da ação social, incluindo
as preferências dos cidadãos. Some-se o fato à crescente escolarização e
estaria dada a receita que explica, ao menos em parte, a essência da disputa
eleitoral.
A eleição parece ter sepultado o papel da propaganda
obrigatória na televisão. Esta teria tido reduzida influência nos resultados e
não condicionou a decisão na boca da urna. Tudo se passou nas redes sociais, na
grande conversa mantida entre os eleitores, em seus diferentes e amplíssimos espaços
de convivência virtual. E em tempo real, permitindo decisões rapidíssimas. São
espaços ainda animados por invencionices, é verdade, contudo a educação
política, gradualmente, vai aperfeiçoar esses ambientes de diálogos sociais e,
com o tempo, a capacidade de difundir mentiras acabará por diminuir
drasticamente.
A eleição, uma vez decantada pelos analistas, vai
apresentar outros fortes sinais, respondendo às inúmeras perguntas que estão
surgindo. Por exemplo: a fragmentação dos partidos é o resultado de quais
fatores? Seria porque os partidos são apenas um negócio ou porque, também, há
um processo generalizado de desideologização em curso e, portanto, as
diferenças entre programas partidários vêm desaparecendo, gerando os partidos
dedicados a focos minimalistas? Se a hipótese for verdadeira, uma boa parte da
crise da esquerda se explicaria, pois as grandes narrativas transformadoras
deixaram de seduzir a maioria do eleitorado. Contrariamente, é o imediatismo,
cada vez mais, o condutor do imaginário coletivo.
Ancorados nessa vasta teia de conversações, os eleitores
resolveram usar a racionalidade da punição. Não obstante a monumental crise
econômica que nos aflige, decidiram castigar aqueles que viram como sendo os
responsáveis: a política em geral, os partidos e os caciques conhecidos,
notadamente os citados na Lava Jato. Poucos escaparam da metódica vingança dos
cidadãos. Se o clã dos Calheiros sobreviveu, em Alagoas, no Maranhão a família
Sarney foi dizimada, assim como os donos do MDB em muitos Estados, sendo
igualmente revelador que os três candidatos a senador da elite petista
fracassaram no Sudeste.
24/10/2018 Sinais, fortes sinais! - Opinião - Estadão
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,sinais-fortes-sinais,70002560561
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Quase tudo foi virado do avesso, ampliando a fragmentação
partidária e o inesperado aparecimento de novos personagens, modestos no
início, para depois subirem aos céus vertiginosamente. Em síntese, os eleitores
deixaram o recado claro: “Basta!”. E para assim decidirem, precisavam estar
informados sobre a vida política e seus atores. Portanto, talvez pela primeira
vez, os cidadãos agiram com irrepreensível lucidez política, lembrando a famosa
eleição de senadores em 1974, quando o antigo MDB se vitoriou em 16 dos 22
Estados, abalando a ditadura militar.
Ante tais escolhas, os méritos de Bolsonaro são
limitadíssimos, sendo mais o personagem que, para sua sorte, estava no lugar
certo e no momento apropriado. A relação direta entre os resultados e o
candidato tem baixa correlação e a inteligência política, de fato, está nas
mãos dos milhões que decidiram, nas urnas, gritar a plenos pulmões que não é
mais possível aceitar a continuidade do descalabro que rege o nosso cotidiano.
Seja a violência desmedida ou o desempenho pífio da economia, sejam as tantas
iniciativas fortemente controvertidas que vêm caracterizando o Brasil,
especialmente após a chegada do campo petista ao poder. Sobretudo, a sensação
de sufocamento causada pela corrupção. O Brasil transformou-se numa bizarra
sociedade, de um presidente que recebe escroques a altas horas à maluquice da
narrativa do “golpe” que nunca existiu, não deixando de citar a alta Corte de
Justiça, que age movida pelo narcisismo de seus membros.
Algum dia haveria uma reação. As eleições trouxeram esse
reposicionamento, culminando a fermentação que fora iniciada em 2013. Não é uma
onda conservadora e, menos ainda, autoritária, mas apenas a afirmação do
conjunto de valores sociais que são dominantes entre nós, os quais encontraram
um momento específico e definido de manifestação.
Por esse ângulo, os partidos mais tradicionais e que
julgavam defender um ideário mais consistente, como o PT e o PSDB, foram os
grandes derrotados. Os demais foram menos afetados, pois nenhum tem algum
programa conhecido. E o período adiante nos reservará um reordenamento
partidário monumental. Surgirão novos partidos e definharão alguns outros. E
mudarão fortemente as caras visíveis da política.
São sinais promissores, pois o eleitorado parece ter
acordado de um torpor de cinco séculos. Acautelemse os políticos!
* SOCIÓLOGO E PESQUISADOR EM CIÊNCIAS SOCIAIS. E-MAIL:
Z.NAVARRO@UOL.COM.BR