Alon Feuerwerker, FSB - O resultado político da reforma da previdência se medirá por uma função de duas variáveis


Por enquanto são só escaramuças, apimentadas pelo folclore de figuras algo exóticas em posição de visibilidade. A guerra mesmo virá quando entrarem em debate dois pontos: a reforma da previdência, de Paulo Guedes, e o pacote de Sérgio Moro. Isso, claro, se não estourar antes uma guerra de verdade na nossa fronteira norte, com o Brasil de coadjuvante dos Estados Unidos.

Mas é algo provável que a situação da Venezuela ainda fique um tempo em banho-maria, dada a tática de cerco “humanitário”. Então é também esperado que um belo dia as flores deste “recesso estendido” (pela internação do presidente) deem lugar ao debate duro sobre as aposentadorias e a segurança pública. E nos dois temas a avenida está aberta para vitórias expressivas do governo.

Aí, as impressões de que “fulano foi derrotado, sicrano não se dá com beltrano, ninguém segue a orientação do outro fulano” etc vão deixar de ser notícia, e vai sobrar a realidade crua: os líderes de fato do governo na Câmara e no Senado são os presidentes da Câmara e do Senado. E líderes de direito fracos nessa circunstância não chega a ser problema. Talvez seja solução.

E na hora do concerto os maestros vão encontrar orquestras com imensa vontade de tocar afinadas. A disputa será para ver quem é mais duro no enfrentamento dos bandidos, em certas categorias de crime. Como por exemplo a corrupção e o banditismo urbano rotineiro. E na mudança previdenciária haverá briga de rua pelo protagonismo que atraia simpatia do mercado.

Onde e quando começarão os problemas? No pacote de Moro, o céu pinta ser de brigadeiro. Também pelo ministro ter se tornado um enfant gâté da opinião pública. Mas o decisivo é não haver resistência social expressiva no horizonte para a nova ideologia dominante na área criminal. A chacina desta semana em Santa Teresa foi recebida com bocejos. É o novo normal.

Já na Previdência há um risco. Se o governo quer mesmo fazer da reforma um instrumento de justiça social precisará apontar para as camadas burocráticas privilegiadas que engolem dezenas de bilhões/ano do orçamento. Guedes está certo: a previdência social no Brasil é um mecanismo de concentração de renda. O problema dele: esses grupos estão politicamente fortalecidos.

Os velhos ameaçados pela miséria, os idosos do campo, os jovens que provavelmente vão morrer antes de se aposentar não irão ao salão verde da Câmara pressionar e ameaçar os parlamentares. A elite burocrática sim. E dirá que atacar seus privilégios é - surpresa! - enfraquecer a “luta contra a corrupção”. E na hora h será tentador para o Congresso ceder ao poder real.

Mas isso terá um custo. Os militares, por exemplo, têm dificuldade de aceitar sacrifícios maiores e ver um procurador em início de carreira ganhar mais que um general quatro estrelas. E alguém sempre poderá lembrar aos deputados e senadores que vão esfolar o povão enquanto continua dormindo numa gaveta da Câmara dos Deputados a proibição dos supersalários do Judiciário.

Alguma reforma da previdência vai passar. E a resultante política será função de duas variáveis: 1) quanto produzirá de percepção de ter promovido justiça social e 2) quanto trará de investimentos, empregos e renda. O ótimo para o governo será muito das duas. Mas muito só de uma até ajudará a justificar por que a outra não desempenhou tão bem assim.

Agora, se a resultante for pouco das duas, aí a avenida da política vai se abrir para a oposição.
________________________________________
Alon Feuerwerker (+55 61 9 8161-9394)
alon.feuerwerker@fsb.com.br
Textos anteriores em  www.alon.jor.br 

Artigo, Fábio Medina Osório, Folha de S. Paulo - Mistura de escândalos


A característica central dos processos e investigações nesta era contemporânea de comunicação em tempo real é causar desgastes políticos imediatos e irreversíveis em seus alvos. Não por outra razão, inclusive no Direito Comparado, muitos preferem acordos em detrimento ao devido processo legal, na medida em que o enfrentamento de um duro e longo embate nos tribunais já é uma derrota de proporções gigantescas, em termos de imagem.

Causa espanto que diversos criminalistas, muitos com larga experiência no trato com a mídia e os tribunais, rejeitem a possibilidade de uma autonomia privada das partes em acordos criminais, mesmo sabendo das agruras inerentes às investigações e aos processos. Um dos argumentos seria a suposta injustiça do modelo norte-americano, o que costumam invocar sem qualquer base estatística. Quem garante que há injustiças nos acordos celebrados naquele país? Como aferir se há ou não uma arbitrariedade num acordo?

O chamado "Direito Penal dos pobres", que atinge majoritariamente os negros, os excluídos e os imigrantes nos Estados Unidos, é decorrência de outros fatores associados à desigualdade.

Por certo, a criminalidade violenta nunca foi ligada diretamente aos empresários, tampouco à elite do "colarinho-branco". Não são estes que praticam latrocínios, roubos, furtos, e mesmo homicídios em larga escala. Todavia, o sistema norte-americano é emblemático ao atingir o andar de cima também e sobre isso ninguém fala. O combate à corrupção, à sonegação fiscal, e aos ilícitos do colarinho-branco é duro não apenas nos EUA, como também na Europa. 

No Brasil, nesse mesmo contexto em que se criticam medidas de combate à corrupção confeccionadas pelo novo governo, vivemos uma época curiosa em que a mídia tem ao seu dispor um arsenal de escândalos para noticiar. Pode-se agora abrir a caixa preta do BNDES, uma oportunidade única.

Há uma série interminável de problemas para decifrar a partir de delações que estão vindo à tona. O governo eleito já demonstrou disposição em enviar projetos anticorrupção consistentes ao Congresso e precisará de articulação política para aprová-los.  

Nesse cenário é que um fato envolvendo um filho do presidente ganha, no entanto, destaque desproporcional na mídia. A distribuição dos espaços dedicados aos eventos é objeto de escolhas discricionárias dos veículos, e deve ser tomada em consideração como parâmetro para as estratégias de cada um.

Ninguém está imune a críticas, e muito menos isento de ser alvo de uma fiscalização. É de se registrar, todavia, que o senador em questão não é membro do governo eleito, e tampouco candidato a presidir casa legislativa alguma. Em comparação com outros personagens, o senador tem recebido um tratamento intensivo dos meios de comunicação. 

Flávio Bolsonaro sofre linchamento público na mídia como se fosse postulante a cargo de alta relevância no governo. A meu ver, é vítima de um erro do STF que, de modo vacilante, vem titubeando sobre a importante garantia da prerrogativa de foro para os detentores de cargos públicos. Ou seja, atualmente, permite-se que um senador, ou um ministro, sejam mesmo investigados em primeira instância, ou instância diversa de seu foro natural.

Foi o que o STF chancelou ao decidir pelo esvaziamento dessa prerrogativa, como se fora um privilégio, e não uma garantia inerente ao cargo. Um erro jurídico e político que talvez o plenário devesse corrigir. Pela orientação vigente, será mesmo possível que ministros, deputados federais e senadores sejam investigados e até processados por autoridades de primeira instância.
Fábio Medina Osório é advogado e ex-ministro da Advocacia-Geral da União

Artigo, Joshua Benton - New York Times chega perto de se tornar uma empresa majoritariamente digital


Veículo divulgou renda de 2018. Resultado é de US$ 1,748 bilhões

O sonho de qualquer veículo que queira durar mais do que o jornalismo impresso é transformar seu modelo de negócios em digital. O New York Times está quase lá.

O Times anunciou seus resultados financeiros do 4º trimestre e do ano de 2018 na manhã de 4ª feira (6.fev.2019), e há muitas boas notícias. (Uma rápida heurística que eu gosto de usar em relatórios de lucro de empresas jornalísticas é procurar no press release qual é a proporção do uso das palavras “digital” e “impresso”. Hoje: 40 a 17.) O mais importante: o Times gerou USD$709 milhões em renda digital em 2018, aproximando-se do seu objetivo ambicioso, planejado em 2015, de atingir USD$800 milhões em receita digital até 2020. Chegarão lá com poucas dificuldades –desconsiderando-se a possibilidade de 1 colapso econômico, guerra civil, etc

Irradiando confiança, o CEO do Times, Mark Thompson, apresentou 1 novo plano: “aumentar nosso número de assinaturas para mais de 10 milhões de assinantes até 2025”. (Está mais formalizando do que anunciando o objetivo –10 milhões de assinantes tem sido uma aspiração Timesiana já há alguns anos. Eles contam com 4,3 milhões agora, contando as versões digital e impressa).

O Times faturou 1 total de USD$ 1,748 bilhões em 2018, o que significa que a receita digital representa mais de 40% do total. Pelo caminhar das tendências do digital e do impresso, não vai demorar muito para chegar a 50% –minha aposta é o 2º trimestre de 2020. (O conselho do Times projeta que a publicidade digital e a renda em circulação cresçam em números de “meia-adolescência” [15 a 17] deste ponto em diante, com renda geral crescendo somente em “dígitos singulares baixos e médios.”)

Para mostrar o progresso que o Times já fez em sua transição, eu busquei a porcentagem de sua publicidade e receita em circulação no meio digital a cada ano desde 2013, quando o veículo começou a contabilizar a renda digital separadamente. O padrão é óbvio e positivo –a cada trimestre, o Times fica menos dependente da receita que vem da edição impressa.

 Eu disse em novembro que o Times ultrapassaria US$ 600 milhões em publicidade digital e renda em circulação em 2018; este salto extra para US$ 709 milhões veio em grande parte da categoria “outras receitas” do Times, o que inclui afiliados (obrigada, Wirecutter) e alguma receita de licença digital. A “outra” receita,  no digital, somou quase USD$50 milhões em 2018.

Um objetivo comum em círculos de jornais há poucos anos atrás era de algum dia poder ganhar dinheiro suficiente com o digital para cobrir os custos da redação. Bom, atualmente, o Times poderia pagar pela redação duas vezes somente com o dinheiro do digital. O que deve explicar por que a redação continua crescendo –o Times anunciou que agora emprega 1,600 jornalistas, 1 máximo histórico.

Enquanto isso, a empresa diz ter USD$ 826 milhões em dinheiro vivo. Mesmo contando com o custo esperado de comprar de volta seu prédio neste ano, o Times tem dinheiro suficiente para considerar aquisições significativas, se encontrarem valor. Tem algum outro Wirecutter por aí que poderia se encaixar dentro dos valores do Times e diversificar o faturamento? Há algo na Europa que poderia aumentar o número de assinantes por lá? Um estúdio de podcast que poderia multiplicar o sucesso do The Daily?

Como eu aconselhei da última vez: “Pegue 98% da energia que você coloca em preocupações sobre o futuro do Times e canalize-a para preocupações sobre o seu jornal local, que está muito provavelmente aproximando-se de uma crise existencial”.

*Joshua Benton é diretor de jornalismo do Nieman Lab.