Jurista René Ariel Dotti, assistente de acusação pela
Petrobrás, afirma que processo mudou paradigma do judiciário criminal no
Brasil, defende delações, critica propaganda anti prisões de Gilmar Mendes e
fala sobre a bronca que deu em advogado de Lula.
Nos idos da década de 1950, René Ariel Dotti era um
estudante de Direito entusiasta da campanha “O petróleo é nosso”. Seis décadas
depois, o criminalista, jurista e professor hoje conduz a banca de assistentes
de acusação do Ministério Público Federal (MPF) nas ações da Lava Jato,
contratado pela Petrobrás. Seu papel é processar, com a força-tarefa,
corruptores e corruptos.
“(A Lava Jato) É uma revolução copérnica na criminalidade
do País”, disse Dotti ao Estado, em seu escritório, na capital paranaense.
A caminho dos 83 anos, Dotti se revela um defensor das
delações premiadas – apesar de não fazê-las –, critica o ministro Gilmar
Mendes, do Supremo, pelas declarações sobre prisões preventivas e afirma que “a
Lava Jato interrompeu um golpe de Estado do PT”.
Leia os principais trechos da entrevista ao Estadão:
O senhor representa a Petrobrás nas acusações da Lava
Jato, o que isso significa?
Eu estudei na faculdade em 1954. A grande luta era o
petróleo, o movimento do petróleo nacional. Por isso foi uma alegria muito
grande poder representar a empresa, pelo que ela fez pelo País. Nosso papel nos
processos é acompanhar as audiências de testemunhas e interrogatórios,
acompanhamos os processos, funcionamos como assistentes do Ministério Público.
Assistentes porque a figura mais importante é a do Ministério Público, e nós
colaboramos na medida em que estamos no mesmo caminho, sustentando as mesmas
teses, com o mesmo pedido.
O senhor tem 50 anos como criminalista, já deve ter visto
de tudo. Algo o surpreendeu na Lava Jato?
Claro. É uma revolução copérnica na criminalidade do
País. Porque, embora houvesse isso antes, nunca houve uma investigação desse
tipo, nunca houve um Judiciário federal com essa disposição, como o doutor
Sérgio Moro. A Lava Jato, no meu entendimento, interrompeu um golpe de Estado.
Um golpe de Estado sem violência. O PT ia fazer um golpe de Estado na medida em
que estava corrompendo grande parte do Congresso e colocando gente no Supremo
Tribunal Federal para ter uma continuidade de poder, um projeto de poder. O que
o PT fez, não a parte de corrupção, a parte de organização, foi pensando em
tomar o Estado. De que maneira? Defendendo uma doutrina que é comum ao
interesse público, que era a da ética. O PT sempre chamou os jovens. Reunia
religiosos, reunia jovens, estendia em outras camadas. O PT dominou muito bem,
e por isso teve o poder. E isso seria o golpe de Estado.
O PT vai conseguir sobreviver à Lava Jato?
Claro que pode (sobreviver). A Lava Jato pode ser o traço
de união de um novo partido político. Embora eu não seja do partido, eu não
faço política partidária, mas a Lava Jato pode ser um traço de união de uma
nova agremiação política.
O senhor gosta de citar Oscar Wilde. A vida tem
surpreendido a arte com a Lava Jato?
É o teatro do absurdo. O que é o teatro do absurdo senão
o Congresso Nacional com as propostas que eles apresentam. É teatro do absurdo
porque o texto é absurdo, o ator e a atriz são absurdos, do ponto de vista do
que representam, o diretor tem de trabalhar com o absurdo, só quem não pode
trabalhar com o absurdo é o espectador, que é a nossa condição perante o
Congresso.
E alguém tem poder para fechar as cortinas desse palco?
Quem está na plateia, que pode sair para a rua e dizer
‘esse é o teatro do absurdo, vamos ver outro tipo de peça’. É isso que a
sociedade está esperando. Porque quando saíram às ruas em 2013, era isso o que
nós víamos. As pessoas vivem uma anomia das convicções. Estão todos apáticos.
É possível uma reforma penal com o atual Congresso?
Não, com esse Congresso não dá. Porque é um Congresso de
muito fisiologismo. É um Congresso que vive não um papel de representação
popular, vive um papel de concentração de interesses pessoais.
O sr. defende a execução da pena em segunda instância,
que tem sido medida encampada pela Lava Jato e por Moro como forma de combate à
corrupção?
Não… A Justiça Federal e os tribunais federais trabalham
mais rapidamente do que os outros tipos de tribunais. A Justiça estadual é mais
demorada que a Justiça Federal. Tenho um projeto com o desembargador de São
Paulo Rui Stoco que chegou a ser aprovado na Câmara. Ele diz que todo e
qualquer condenado a pena acima de 8 anos, esteja preso ou não, tem de ter o
julgamento como se fosse de réu preso, ou seja, o julgamento prioritário.
Então, eu defendo o julgamento prioritário.
Mas funcionaria? A Justiça daria conta, as cadeias já não
estão cheias de gente que nem julgadas foram?
É um problema de gestão, não de lei. Dou um exemplo, a
Constituição prevê o salário mínimo, entre os direitos sociais. Diz que o salário
mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, é capaz de atender às suas
necessidades vitais básicas e as de sua família. O salário mínimo paga isso
tudo? Nunca. Então podemos cortar esse artigo da Constituição? Não podemos. O
que eles fizeram foi isso, fizeram cortar um artigo da Constituição que prevê a
presunção da inocência.
As prisões preventivas são duramente atacadas na Lava
Jato. O senhor é um dos críticos?
É um tipo de criminalidade absolutamente distinto, novo.
Nem é criminalidade do colarinho branco, é muito mais do que isso, é uma
criminalidade permanente. Porque continuam praticando crimes. Então a prisão
preventiva é necessária. O ministro Gilmar Mendes está completamente errado
nesse ponto (ao criticar as prisões preventivas). Uma propaganda que ele faz
contra as prisões preventivas. As prisões preventivas nesses casos são
necessárias. Continuam praticando crimes.
Há quem veja excessos nas prisões do juiz Sérgio Moro?
Não, não há.
A Lava Jato não prende para obter delações?
Não, eu considero uma generalização isso. Porque muitas
delações foram feitas sem que existissem prisões.
O senhor faz ou faria uma delação para cliente?
Clientes nossos preferiram fazer e escolheram um advogado
para isso e eu concordei. Nosso escritório não faz.
Delações e preventivas são focos de ataques de políticos
que estão reagindo à Lava Jato. O senhor acha que as investigações estão sob
risco?
Não vejo risco, porque a Lava Jato tem uma base social
muito grande. Todos apoiam essa mudança, essa revolução. A sociedade apoia,
portanto ela não vai cair.
Um dos embates de 2018 será se Lula será candidato e qual
o peso ele terá. O senhor deu um puxão de orelha na defesa do ex-presidente na
audiência em que ele afrontou o juiz Sérgio Moro…
Não faz parte da ética profissional. Tem sido comum em
alguns casos da Lava Jato. Senti, depois de duas horas de interrupções
permanentes, que o objetivo era tentar impedir que o interrogatório se
consumasse. Minha intervenção foi no sentido de que o colega não poderia se
portar com aquelas agressões pessoais.
O sr. acha que Lula será o candidato e será o fiel da
balança?
Como eu posso dizer… (risos) Não sei, não sei… Não sei
como serão os processos. Se eu disser sim, vão dizer que eu sou anti-Lula. Se
eu disser não, vão dizer que eu passei para o outro lado.