Este material é do Brazil Journal e é assinado por Paulo Machado.
Uber, Tesla e Google investiram bilhões em veículos
autônomos (VAS) nos últimos anos.
As montadoras tradicionais, seus fornecedores e outros
startups (dentro e fora do Vale do Silício), também.
Mas por que será que mais de US$ 80 bilhões foram
injetados nessa corrida? Qual é o futuro do carro autônomo e como ele afetará a
vida das cidades e das pessoas?
Quem acabará ganhando esse jogo?
São vários os benefícios que os VAs podem trazer para a
sociedade. Primeiro, há o argumento da segurança. De acordo com a Organização
Mundial de Saúde, mais de 1,3 milhões de pessoas morrem por ano em acidentes de
trânsito. Mais de 90% dessas mortes se devem ao erro humano, e uma outra
porcentagem significativa, a dirigir alcoolizado.
Ao eliminar o componente humano, os VAs podem reduzir o
rico de acidentes e melhorar a segurança nas estradas. Isso supondo que os
engenheiros consigam de fato resolver todos os desafios de implementação dos
VAs.
O segundo é o argumento de que os VAs podem melhorar
muito a mobilidade, seja facilitando a vida das pessoas fisicamente incapazes
de dirigir, ou acelerando a adoção de serviços como o Uber e o Lyft. Segundo
algumas estimativas, os custos de uma corrida podem cair de 70% a 80% se o
motorista for excluído da equação.
Em última análise, essas tendências vão mudar quem compra
carros – e até a aparência deles.
Um mundo em que os Ubers da vida operassem em escala
teria inúmeros efeitos secundários.
O ato de estacionar, por exemplo, vai mudar para sempre.
Hoje, os veículos ficam estacionados mais de 90% do
tempo, e a ocupação média (quando o veículo está sendo usado) é de pouco mais
de um passageiro por veículo. Se a maioria das pessoas não tiver mais carros e
se os carros não ficarem ociosos, as cidades e o comércio sofreriam uma
revolução.
O que acontecerá com o trânsito em geral – vai melhorar
ou piorar? Será que migraremos do transporte público de volta para os carros se
as estradas estiverem mais vazias? O que acontecerá com os varejistas e os
preços dos imóveis se não precisarmos mais construir estacionamentos
subterrâneos? Será que os prêmios de seguro diminuirão, à medida que os acidentes
também diminuírem? As pessoas poderiam optar por viver mais longe das grandes
cidades se não tiverem que dirigir horas? O que acontecerá com os empregos dos
motoristas de carro e caminhão?
Mas onde está a indústria de VAs no momento, e quanto
falta para atingirmos a autonomia completa?
Há cinco níveis de autonomia e, para fins comerciais,
estamos apenas no nível 2. O nível 2 significa que o software atual consegue
apenas acelerar e desacelerar o carro e mantê-lo na pista, mas o motorista
ainda precisa ter as mãos no volante. No nível n3, o software vai dirigir por
você, mas o motorista ainda terá que estar pronto para assumir o controle. O
nível quatro irá dirigir para você em certas situações, mas não em outras.
Finalmente, o nível cinco não precisará de motorista
humano – e o carro sequer terá volante.
Os especialistas do setor ainda não chegaram a um
consenso quanto ao nível 5 se tornar realidade. Os mais otimistas acreditam que
nos próximos cinco anos a autonomia completa estará pronta para ser implantada
em escala em certas áreas dos EUA. A média das pessoas na indústria acredita
que levará 10 anos ou mais até que o nível 5 chegue ás grandes cidades. Já os
céticos estão confiantes de que o futuro dos VAs será o mesmo dos carros
voadores.
O Google começou a pesquisar os VAs há 10 anos e ainda
lidera a corrida.
Em dezembro, a empresa disponibilizou o seu Waymo One (um
serviço de táxi autônomo) a um seleto grupo de moradores de Phoenyx, no
Arizona. A maior parte desses táxis opera com um motorista de segurança no
volante – pronto para retomar o comando quando necessário, reforçando a
percepção de que o nível 5 de autonomia ainda está longe de se tornar realidade
comercial.
O Google já tem mais de 10 milhões de milhas percorridas
em seus VAs, enquanto o Uber, em segundo lugar na corrida, tem apenas uma
fração.
Mas se o futuro é tão incerto, por que há tanto capital
sendo investido nos VAs no que parece ser uma corrida contra o tempo?[] Os
especialistas da indústria acreditam que dois cenários mutuamente excludentes
devem ser o resultado mais provável desta disputa.
Num cenário, as montadoras poderão adquirir um “pacote”
de tecnologia autônoma de um OEM (original equipament manufacture), semelhante
ao que é feito hoje quando a Volkswagem compra um injetor de combustível da
Bosch. No outro Google e Uber serão os únicos fornecedores dessa tecnologia;
este duopólio ditaria as regras do jogo e captaria uma parcela desproporcional
de valor na indústria automobilística. Detroit poderia acabar de novo (de
novo).
O potencial de captura de valor é substancialmente maior
se os VAs substituírem totalmente os motoristas. Os vencedores roubariam o
almoço dos taxistas e caminhoneiros ao vender assinaturas de “planos de
serviços de mobilidade” (mobility as a service) para indivíduos que não têm
mais carros, e que preferem usar seu tempo de deslocamento de uma forma mais
eficiente. O UBS estima que a indústria de AVs chegará a US$ 2,3 trilhões até
2030. Já a Intel estima US$ 7 trilhões até 2050.
Há pouca dúvida de que a hegemonia de mercado não virá do
hardware e dos sensores, porque eles oferecem (apenas) escala de manufatura,
mas não efeitos de rede.
Mais uma vez, o que vai decidir o jogo será o acesso aos
dados.
A mina de ouro na cadeia de valor estará em controlar o
software e os dados de mapeamento e condução, que andam de mãos dadas.
Quanto mais data points de georeferência e mapas uma
empresa tiver, mais precisas serão as informações transmitidas ao carro
autônomo, o que se traduzirá em mais segurança. Portanto, quanto mais milhas-dirigidas
(ou simuladas) forem acumuladas, mais atualizado e preciso será o sistema.
Além disso, depois de entender o máximo de dados, o mais
rapidamente possível, é o segredo para desenvolver fortes efeitos de rede e
criar uma barreira de entrada que os concorrentes não conseguirão superar.
Embora este argumento faça sentido, e, em grande parte,
explique a corrida contra o tempo, ele pode conter uma falácia. E essa falácia
acabaria por fazer com que o pêndulo se movesse em direção ao cenário no qual vários
OEM’s poderiam fornecer um “pacote de veículo autônomo”.
Primeiro, há a questão de quem é o dono dos dados. Os
fabricantes de automóveis têm argumentado que eles são o vendedor final do
veículo e que, portanto, devem ter a posse dos dados. Se esta visão prevalecer,
em vez de apenas o Google e Uber controlarem os dados, a posse ficaria
fragmentada, reduzindo os efeitos de rede.
Em segundo lugar, o valor dos dados não é linear. Pode
haver um ponto em que adicionar mais dados ao algoritmo não gera nenhuma
melhoria incremental. Este é um tópico comum em machine learning e, conforme os
engenheiros continuam a desenvolver este campo, pode ser que a quantidade de
dados necessária para se ter um sistema de VAs seguro diminua substancialmente.
A questão passa a ser, portanto, quantas pessoas podem obter essa quantidade de
dados. Se a resposta for “várias”, o argumento para se investir bulhões em
pesquisa e desenvolvimento (na tentativa de ser o único vencedor) desmonta.
Ainda é muito cedo na indústria de VAs e as respostas
para a maioria destas questões ainda permanecem abertas. O ritmo de
desenvolvimento dependerá da rapidez com que os problemas da ciência da
computação serão resolvidos, e ainda pode demorar décadas até que os VAs entrem
na frota global de mais de 1 bilhão de carros.
A autonomia também assumirá formas diferentes, dependendo
da complexidade. São Francisco, Manhattan, São Paulo, Beijing e Bangkok terão
suas próprias necessidades e peculiaridades, gerando um modelo único em cada
lugar.
Apesar de todas essas incertezas, sabemos de uma coisa: o
resultado da corrida de VAs terá consequências muito profundas. Esse jogo não
mudará apenas a dinâmica de poder em uma das maiores indústrias do mundo.
Mudará a maneira como interagimos com nossas cidades – e nossas vidas.