Os números da Lava Jato mostram que é justificado o
incômodo que pessoas acostumadas à impunidade, incluídas algumas muito
influentes e poderosas, sentem com relação à operação desde seu início.
Antes, eram raros os casos de corrupção em que se
recuperavam mais de R$ 10 milhões. A corrupção compensava. Há alguns dias a
força-tarefa da Lava Jato em Curitiba anunciou com a Controladoria-Geral da
União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Departamento de Justiça dos
EUA a recuperação de R$ 819 milhões para os cofres públicos brasileiros. O
valor será pago à Petrobrás por uma empresa estrangeira a título de multa e
ressarcimento de prejuízos causados pela corrupção. Outro anúncio da força-tarefa,
em maio, foi sobre a devolução de R$ 750 milhões por uma concessionária de
pedágios. É possível que a Lava Jato recupere neste ano mais de R$ 2 bilhões.
Ao todo já são cerca de R$ 14 bilhões recuperados e R$ 24 bilhões em créditos
tributários gerados.
Somente em 2019 oferecemos 11 denúncias contra 45
pessoas, incluindo um ex-governador do PSDB, além de um ex-senador e atual
presidente do MDB. Em maio, obtivemos bloqueios de R$ 800 milhões e R$ 2
bilhões em relação ao MDB e ao PSB. Em Curitiba, 435 pessoas já foram acusadas
por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Dessas,
159 foram condenadas a 2.249 anos de prisão.
São assustadores o número de investigados e também o
poder. A Lava Jato e seus desdobramentos acusaram quatro ex-presidentes. Dois
ex-presidentes da Câmara, dois ex-chefes da Casa Civil e vários
ex-parlamentares foram presos, bem como um senador e um governador no exercício
do mandato. Poderosos empresários foram responsabilizados às dúzias.
Por decisão do Supremo Tribunal Federal, as investigações
alcançaram quase todos os Estados da Federação e, por causa do foro
privilegiado, diferentes instâncias judiciais. A Lava Jato chegou a pelo menos
12 países, envolvendo 14 presidentes ou ex-presidentes da República.
Esses resultados foram obtidos pelo trabalho de centenas
de agentes públicos. Só em Curitiba somos 15 procuradores e mais de 30
servidores na força-tarefa do MPF. Somam-se a nós outras forças-tarefas do MP e
dezenas de servidores da PF e da Receita, integrantes do núcleo central das
investigações. CGU, TCU, AGU, COAF, MJ, MP/PR e CADE também desempenham papel
de extrema importância.
O trabalho feito em Curitiba foi submetido à Justiça, que
testou e aprovou a regularidade da operação em incontáveis decisões – mesmo que
haja entendimentos jurídicos divergentes, o que é natural. Além dos juízes da
13.ª e da 23.ª Vara, atuaram nos casos mais de 13 julgadores em três
instâncias, que, além de decidir sobre casos com foro privilegiado, revisaram
os atos e decisões da primeira instância. O Conselho Nacional do Ministério
Público também teve a oportunidade de analisar a conduta da força-tarefa.
A finalidade da luta contra a corrupção não é encarcerar
pessoas. É reduzir a morte, a miséria e o sofrimento humano causados pela
corrupção. É promover a integridade e melhorar o ambiente de negócios. É
construir um Brasil melhor. Esse foi o propósito que nos motivou a superar
desafios e resistências e a defender reformas legislativas necessárias para
tornar mais efetivo o combate à corrupção.
Não se espera que esse trabalho incômodo deixe de ser
atacado. Uma ofensiva recente contra a Lava Jato foi a onda de crimes cibernéticos
contra autoridades, integrantes do MPF incluídos.
Identificada a invasão, sem conhecer sua extensão, os
procuradores da força-tarefa de Curitiba desativaram suas contas num aplicativo
de mensagens, excluindo o histórico de seus celulares e da nuvem, em
atendimento às recomendações de segurança da PF e da PGR, para proteger dados
de investigações em curso e a segurança da equipe.
Esse tipo de ataque não é comparável à atuação de um
whistleblower (reportante do bem), que tem acesso legítimo a conversas e decide
repassá-las a autoridades. O ocorrido foi semelhante à invasão de uma
residência por um criminoso que procura ouvir suas conversas e roubar seu
celular, computador e qualquer outro pertence. Se isso for admitido, não se
pode descartar que organizações criminosas passem a pagar para que residências
e computadores de jornalistas, juízes e promotores sejam invadidos
sistematicamente.
Esse ataque suscita várias questões: por que o hacker
concentrou seus ataques em agentes da lei? Por que o material supostamente
obtido não foi entregue a autoridades para aferição de sua integridade e
autenticidade? Por que os supostos diálogos são revelados em pílulas, sem
aferição dos contextos? A quem interessa tudo isso?
Não temos receio das conversas que tivemos em dezenas de
grupos nos últimos cinco anos. Nossos atos são públicos e sempre tivemos por
norte a lei e a ética. Prestamos e prestaremos contas de todos os procedimentos
da força-tarefa.
Receamos, no entanto, fraudes, edições já reconhecidas,
descontextualizações claras e distorções de supostas conversas, que são
incoerentes com fatos e procedimentos. Nas mensagens supostamente obtidas pela
atividade criminosa do hacker, é impossível recordar ou reconstituir o que é
fato e o que é montagem em milhares de mensagens trocadas durante anos. A
edição de uma palavra, a inserção de um “não” ou a construção de textos com
frases esparsas podem alterar profundamente o sentido de supostas conversas.
Não reconhecemos as mensagens divulgadas. As acusações são falsas e as
narrativas criadas não retratam a realidade.
Há ainda muito trabalho a ser feito na Lava Jato. Dezenas
de criminosos poderão ser responsabilizados e bilhões de reais, recuperados.
Seguiremos cumprindo a função do MP com eficiência e respeito à Constituição e
às leis, de modo coerente com nossa história.
* DELTAN DALLAGNOL, PAULO GALVÃO E ANTÔNIO CARLOS WELTER
SÃO PROCURADORES DO MPF, INTEGRAM A FORÇA-TAREFA DA LAVA JATO EM CURITIBA