Alon FeuerwerkerA resistência a Bolsonaro está destreinada para o reset ideológico
- O autor é da FSB Inteligência.
Problema da oposição não está no Congresso
Está na guerra entre narrativas ideológicas
‘Frente ampla democrática’ fracassou
Colapso ocorreu no 2º turno das eleições
"O colapso dessa narrativa se revelou quando
fracassou em grande estilo a política petista de 'frente ampla democrática' no
2º turno presidencial, escreve Alon. Na foto, protesto contra o então candidato
a presidente Jair Bolsonaro, em BrasíliaSérgio Lima/Poder360 - 29.set.2018
Todo início de governo forte (FHC 1995, Lula 2003,
Bolsonaro 2019) apresenta dificuldades redobradas para a oposição. Governos
novos e fortes no Brasil tendem a conseguir rapidamente maioria esmagadora no
parlamento. Desde que saibam – e possam – usar os mecanismos tradicionais de
cooptação. Aqui as maiorias não se consolidam na eleição, mas nos primeiros
meses de atividade no Congresso. Governo que faz a leitura certa do jogo não
tem problemas.
Ficar por aí falando mal da oposição de agora, por
exemplo por vir sendo largamente derrotada na reforma da previdência, embute
uma dose de oportunismo político. Não que oportunismos sejam proibidos na
política, mas fica aqui o registro necessário. O andamento da previdência até
que vem sendo razoável, graças também ao desejo do presidente da Câmara de
mostrar alguma autonomia. E no Legislativo a oposição vem mostrando
flexibilidade tática, com resultados.
O problema da oposição não está no parlamento, onde o
chamado centrão oferece margem de manobra pontual ao antigovernismo. Está num
terreno antes dominado pela esquerda e pela “social-democracia” à brasileira
nos últimos pelo menos quarenta anos, se não mais. A luta ideológica, a guerra
entre narrativas, a batalha das ideias, a disputa pela visão de futuro. Que
necessariamente depende de como se vê o passado. Bolsonaro propõe um reset
nisso aí.
Ao longo das últimas quatro décadas o debate
político-ideológico estava organizado mais ou menos assim. O golpe de 1964
tinha sido ruim, por suprimir a democracia. As diretas já e Tancredo-Sarney,
bem como a Constituinte, foram bons, por fazer retornar a democracia. Os
militares não darem palpite na política era bom. Bons também eram os movimentos
sociais e as organizações da chamada “sociedade civil”, por injetarem
participação social no poder.
O colapso dessa narrativa se revelou finalmente e pôde
ser medido em números quando fracassou em grande estilo a política petista de
“frente ampla democrática” no segundo turno presidencial. Se não tivesse sido
abandonada na reta final da campanha, provavelmente Jair Bolsonaro teria
colocado não dez, mas uns vinte pontos de vantagem sobre Fernando Haddad. Era o
que diziam as boas pesquisas quinze dias antes da decisão.
Esse colapso tem raízes objetivas, incluído aí o
desaparecimento do que em tempos imemoriais se chamou “burguesia nacional”. Um
segmento terminado de finalizar pela LavaJato. E subjetivas, incluído o pânico
instalado nos mecanismos de reprodução social ideológica pela possibilidade de
perenização do PT no poder. Bolsonaro sintetiza de um jeito algo primitivo,
quando diz “ter salvo o Brasil do comunismo”. No fundo, o antibolsonarismo de
salão concorda.
A recente artilharia verbal do presidente acabou por
confirmar o viés lisérgico das análises que supuseram ele ter se enfraquecido
com a vitória esmagadora da previdência na Câmara. Ultrapassada a primeira
cancela das dúvidas sobre a principal medida econômica, Bolsonaro voltou-se
para o objetivo principal: a instalação ou reinstalação da hegemonia
operacional sobre o aparelho de Estado, e da hegemonia político-cultural. Que
precisam sempre andar juntas.
A artilharia verbal do presidente abre caminho para o
avanço da infantaria na máquina estatal e para o acirramento das batalhas na
nova “rua”: as redes sociais. Enfrenta, claro, a resistência crescente de
ex-parceiros institucionais e sociais que agora percebem não haver lugar para
eles no assim chamado projeto. É uma resistência prevista. Mas o combustível
bolsonarista também é bom: a rejeição absoluta ao passado recente.
Na ofensiva ideológica do bolsonarismo, esse passado
produziu apenas estagnação e recessão econômicas, não reduziu
significativamente a desigualdade, disseminou e entranhou a corrupção e colocou
em risco a liberdade individual. A resistência, ao evocar a apenas a velha
política da Nova República, e a Constituição de 1988, realimenta o discurso de
que Bolsonaro é o “novo” que veio dar um jeito nas degraças produzidas pelo
cada vez mais distante ancien regime.
Até porque a narrativa bolsonarista trata de
alguns problemas reais. E enquanto seu discurso for recebido como simples
enfileirar de bizarrices ele não enfrentará resistência digna do nome