Tempos confusos, tempos conturbados, mudança
multidimensional e estrutural que se dá em meio à agonia e a incerteza são
expressões utilizadas pelo primeiro e talvez maior intérprete da “Sociedade em
Rede”, o sociólogo espanhol Manuel Castells, para qualificar os desafios da
ruptura de paradigma representada pela revolução produzida pela Internet e suas
redes sociais.
Como participante de uma geração “pré-Internet” sempre
acreditei que democracia era tornar cada vez mais público o que é público e
cada vez mais privado o que é da órbita individual. Mas a verdade é que
parecemos condenados a viver numa “sociedade BBB”, hiperconectada,
exibicionista, transparente além de qualquer limite e com uma concentração
absurda de informações e poder em mãos das grandes plataformas utilizadas. É
uma tendência universal e irreversível. A hiperexposição de tudo e todos têm
vantagens e desvantagens. Ainda na era analógica, o grande cronista e
teatrólogo Nelson Rodrigues cravou: “Se cada um soubesse o que o outro faz
dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”.
A evolução do mundo moderno foi marcada pelas inovações
tecnológicas que resultaram em saltos qualitativos na forma de produção e
convívio social. A Internet foi mais uma inovação disruptiva e transformou a
vida em suas dimensões econômica, social e política.
A inovação é neutra do ponto de vista moral e ético. O
uso e suas consequências dependem de quem a utiliza. A Internet pode servir
para grandes campanhas humanitárias e à difusão de conhecimento, mas também
pode ser instrumento de redes de pedofilia. Há registros de que Santos Dumont e
Einstein morreram carregados de tristeza em face do uso nas duas Grandes
Guerras do avião e da bomba atômica, filha da famosa fórmula.
A internet e as redes sociais propiciaram um enorme
aumento da produtividade e de eficiência na economia, mudaram padrões de
comportamento e relacionamento entre as pessoas possibilitando maior
aproximação em escala global e construíram uma poderosa ferramenta para o
aprofundamento da democracia participativa, propiciando maior transparência e
controle social sobre os processos de decisão.
Mas os efeitos negativos também vieram à tona. Eventos
como as interferências no plebiscito do Brexit e na última eleição americana,
assim como o vazamento de informações hackeadas de centenas de autoridades
brasileiras colocam uma série de interrogações no horizonte. Soma-se a isso o
uso de dados pessoais e o monitoramento de comportamentos individuais com
objetivos mercadológicos, sem a total consciência e controle dos usuários. O
“vício em redes” já começa a ser tratado como doença nociva à saúde.
Não é diferente o mau uso das redes sociais no Brasil,
onde a plataforma fantástica de debate democrático transformou-se em ferramenta
de fakenews, ataques violentos e abjetos a pessoas e desqualificação de
instituições fundamentais.
A Internet e as redes vieram prá ficar. Não se deve jogar
fora a criança recém-nascida junto com a água suja do banho. A regulação é
extremamente difícil. Os hackers da “Vaza Jato” estavam em Araraquara, mas
poderiam estar no Paraguai, em Miami, na Rússia ou na China.
O problema não está na ferramenta, um monumental avanço.
Mais uma vez o centro da transformação está no avanço educacional e cultural
dos seus usuários.