Os grandes poluidores somem de cena e surge o Brasil como
culpado pelos males ambientais
O Brasil é figurante do desmatamento em nível planetário
como se os problemas do mundo estivessem concentrados na falta de controle do
desmatamento em nosso país. Segundo essa opinião, a agricultura e a pecuária
nacional são as grandes responsáveis. Grandes poluidores desaparecem de cena e
aparece o Brasil como culpado dos males ambientais. Parece a hipocrisia não ter
limites, quanto mais não seja também pelos interesses do agronegócio em outros
países, que querem prejudicar nossa competitividade.
Comecemos pelo nosso alto grau de preservação ambiental.
Toda propriedade no Brasil, ao contrário de outros países do mundo, é obrigada
a preservar a vegetação nativa, segundo a região em que estiver localizada. Na
Amazônia, por exemplo, a reserva legal é de 80% da propriedade. Na área de
Cerrado o porcentual chega a 35% e nos Campos Gerais, como no Sul, 20%. Note-se
que o direito de propriedade é relativizado em função da preservação, fazendo
os agricultores andar de mãos dadas com o meio ambiente.
Se pensarmos em termos gerais, 25,6% da área do
território nacional é preservada pelos próprios agricultores. Isso equivale a
218 milhões de hectares, o que corresponderia, para efeitos de comparação,
segundo a Embrapa Territorial, a dez países europeus, dentre os quais os
maiores, como França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Espanha. Observe-se ainda
que nenhum outro país, mormente os que mais acusam o Brasil de destruição
ambiental, tem um instituto semelhante. Por que não começar, se são tão
responsáveis ambientalmente, por introduzir a reserva legal? Poderiam iniciar
por um módico índice de 20%. Porque, muito provavelmente, a grita seria geral:
“Atentado ao direito de propriedade”, “redução da competitividade”, “mudança da
cultura rural” e assim por diante. Será que tudo isso não lhes antepõe um
problema de ordem moral? De onde vem essa arrogância, essa posição de
superioridade?
Ainda conforme a Embrapa Territorial, validada pela Nasa,
em termos de preservação ambiental, somem-se a isso 13,8% de terras indígenas,
10,4% de unidades de conservação integral, as duas ascendendo a 206 milhões de
hectares, correspondentes a 24,2% do território nacional. Ou seja, a
preservação ambiental somaria já aqui 49,8% do Brasil. Deve-se ainda
acrescentar a esse número as terras devolutas, militares e ainda não
cadastradas, chegando, então, ao impressionante número de conservação da
vegetação nativa em 66,3% do território nacional. Qual é a autoridade moral dos
que nos criticam? Os detratores do País têm algum índice equivalente? Por que
não seguem esse exemplo?
As ONGs, boa parte financiada pelos países mais
desenvolvidos, poderiam fazer um trabalho equivalente nos Estados Unidos e na
Europa, além dos países asiáticos, numa prova de sua imparcialidade e genuína
preocupação com o planeta. Se não o fazem, terminam por trazer à tona a questão
da parcialidade na sua atuação. Acabam corroborando a máxima da maior
instituição patronal americana do agronegócio: farms here, forests there! O
Brasil seria um parque ecológico, os outros países produziriam alimentos sem a
concorrência brasileira.
O pano de fundo consiste em que o País se tornou o
terceiro maior produtor de alimentos do mundo, devendo logo ocupar a segunda
posição e rumando para a primeira se as condições logísticas (estradas, portos,
navegação pluvial, entre outras) forem equacionadas. Trata-se de uma guerra
comercial travestida de luta pela preservação ambiental. Poderiam preocupar-se
em preservar lá, conforme os critérios estabelecidos aqui!
Os países mais poluidores do mundo são China, Estados
Unidos, Índia, Rússia e Japão; alguns europeus vêm logo a seguir. Suas
fábricas, seus automóveis, seu modo de vida e suas fontes de energia emitem
gases o tempo todo. Apesar de algumas promessas recentes de redução da emissão,
consubstanciadas em acordos internacionais, o progresso é lento e em alguns
desses países, praticamente inexistente. Pretendem fazer hoje o que os países
de Primeiro Mundo fizeram antes. O problema é que o planeta é finito e não
comporta uma competição desenfreada desse tipo. Agora, quererem culpar o Brasil
por aquilo que fazem não faz o menor sentido. Acontece que os países europeus e
os desenvolvidos em geral não pretendem abdicar minimamente do seu padrão de
vida - que é, sim, poluente -, preferindo transferir a outros uma
responsabilidade sua. E tudo isso sob a máscara de uma “consciência moral”.
As consequências políticas começam a aparecer. A Amazônia
já passa a ser considerada “patrimônio da humanidade”, como se não estivesse
submetida à nossa soberania. Outros falam de um parque ecológico nacional,
porém, na verdade, internacional, que seria financiado pelas maiores potências
do mundo. Quem paga, contudo, termina por decidir. Seria o início da renúncia à
soberania. O fato é que os problemas ambientais não cessam de se multiplicar,
seja pela ação dos países mais poluidores, seja pela explosão demográfica, e os
Estados evitam conter esta última por motivos religiosos e outros. Em décadas o
problema poderá ser explosivo. O lema “patrimônio da humanidade” poderia vir a
ser a justificação militar de uma intervenção em nosso país, em nome
precisamente da “humanidade”. Seria a “guerra justa”!
Por que não se pensa, inversamente, numa intervenção
militar internacional nos países mais poluidores? Por uma razão simples: eles
possuem a força militar, econômica e diplomática para se opor a quaisquer
iniciativas desse tipo. O Brasil, por sua vez, não tem uma força militar
correspondente ao seu tamanho e à sua posição no mundo. Precisará, certamente,
estar pronto para se defender. Exibir capacidade de dissuasão torna-se uma
questão central. Ela nos colocaria numa posição de negociação e respeito.
O mundo não é constituído por anjos!
O autor é professor de Filosofia da Ufrgs