Aprovado recentemente na Câmara dos Deputados como PL nº 6.229/2005, o projeto de lei foi renumerado ao chegar ao Senado Federal, onde passou a ser chamado PL nº 4458/2020.
As maiores inovações são: as possibilidades de financiamento na fase de recuperação judicial, ampliação do parcelamento das dívidas tributárias federais e apresentação do plano de recuperação pelos credores.
O texto também reforça os mecanismos de solução consensual entre as partes, como a recuperação extrajudicial e a mediação; prevê o parcelamento em até sete anos das dívidas com a Fazenda Pública; amplia a permissão para que produtores rurais possam entrar em recuperação; e cria mecanismo para que o empresário que decretar falência possa voltar ao mercado com mais rapidez após liquidar sua empresa (fresh start).
Adriana Campos Conrado Zamponi, sócia de Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados, lembra que o projeto vem sendo debatido por juristas, empresários e políticos desde 2016. "Em 2020, diante da brusca alteração do cenário econômico causada pelo coronavírus, aumentou a necessidade das empresas afetadas pela pandemia de obtenção de instrumentos de recuperação financeira e retomada de atividades, o que impulsionou a tramitação do PL nas Casas Legislativas. O PL sugere propostas para a redução da burocracia do processo de falência e de recuperação judicial, superação de dificuldades de acesso a financiamento pela empresa em recuperação e de se equacionar créditos fiscais, prevendo, inclusive, condições de parcelamento das dívidas tributárias com a União", avalia. "De um modo geral, o projeto objetiva a modernização do sistema recuperacional, de forma a torná-lo mais transparente e com melhoraria nas recuperações de crédito, o que, obviamente trará impactos positivos sobre a economia".
A advogada Simone Zaize de Oliveira, sócia da Keppler Advogados Associados, considera que "o projeto, definitivamente, pouco contribui para a recuperação das empresas". Segundo ela, a proposta "despreza os esforços de construção jurisprudencial dos últimos anos, cria problemas que não existiam, como na sistemática de alienação de UPI, torna mais dificultosa a obtenção de novos recursos financeiros, impedindo a alienação de bens que não compõem o ativo circulante, dota o Fisco de um protagonismo desenfreado, bem como, não cuida de problemas antigos".
O exemplo usado por ela é o do privilégio que goza o crédito bancário e a falta de estímulo ao fomento de empresas em dificuldade, tornando inócuo, mais burocrático e pouco efetivo o sistema de proteção para a empresa em dificuldade, mesmo que essa seja viável, contribuindo diametralmente para a destruição do emprego e renda". Ela diz esperar que o projeto não prospere.
Para Domingos Fernando Refinetti, sócio da área de Recuperação Judicial do WZ Advogados, o projeto é abrangente. "Cabe ressaltar o tratamento dado (i) ao exercício da atividade rural e (ii) à incidência do imposto sobre a renda e a contribuição social sobre o lucro líquido incidentes sobre o ganho de capital resultante da alienação de bens ou de direitos pela pessoa jurídica em recuperação judicial, (iii) à possibilidade de apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores, (iv) à ampliação da natureza das obrigações que estarão livres de sucessão em caso de alienação de bens na recuperação judicial, (v) à ordem de preferência de pagamento dos credores em caso de falência, (vi) à declaração da extinção das obrigações do falido (fresh start), (vii) à recuperação extrajudicial, (viii) às conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, (ix) ao financiamento do devedor e do grupo devedor durante a recuperação judicial (DIP loans), (x) à assim chamadas consolidações substanciais e processuais, (xi) à insolvência transnacional e (xii) ao pagamento dos débitos para com a Fazenda Nacional pelo empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial". Segundo ele, "são tópicos relevantes e sobre os quais vale a pena que os operadores do direito se debrucem com atenção e afinco, com o intuito de levar ao Congresso Nacional contribuições que permitam aprimorar esse importante marco regulatório das atividades empresariais no Brasil".
Recuperação Judicial do produtor rural
Para o advogado Roberto Keppler, sócio da Keppler Advogados, a proposta de regulamentação da recuperação judicial do produtor rural seria louvável se contribuísse para a proteção do mesmo. "O que se extrai do projeto é a tentativa de esvaziamento das alternativas existentes hoje, que muito foram construídas por meio da jurisprudência, ou seja, por meio do esforço dos profissionais que militam sobre o tema". Ele diz que "o sentimento é que o projeto desprezou a problemática vital de regulamentação da utilização do socorro judicial pelo produtor rural e tratou de cuidar da proteção ao crédito bancário, eis que pretende tornar extraconcursal o crédito oriundo da Cédula de Produtor Rural - CPR, responsável por grande parte da forma de financiamento do agro, ou seja, aquilo que deveria ser pensado para estimular a proteção e fomento da atividade agropecuária de nosso país, em realidade irá contribuir para sua desmobilização e destruição".
Já para o advogado Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados, a proposta "incluiu finalmente a possibilidade expressa do produtor rural requerer a sua recuperação judicial".
Pela proposta, o produtor, para obter o benefício deve comprovar que exerce atividade por no mínimo 2 (dois) anos, por meio da apresentação da Escrituração Contábil Fiscal - ECF, se pessoa jurídica, pela apresentação de Livro Caixa Digital do Produtor Rural - LCDPR, ou documento similar. Ainda, dispões sobre a possibilidade deste optar pelo plano de recuperação especial similar ao destinado aos microempresários individuais, mas desde que o saldo devedor não ultrapasse o valor de R$ 4,8 milhões.
"Porém, nem tudo são flores. Isso porque o mesmo projeto visa a alteração da Lei n° 8.929/94 quanto a não sujeição da CPR -Física aos efeitos da recuperação judicial. Na emissão da CPR Física, o agricultor recebe dinheiro do investidor e garante pagar de volta com o produto (soja, milho, etc). A medida pode fazer sentido para o agente financiador, mas pode gerar desconforto ao produtor, pois como cumprirá a obrigação em caso da perda de safra? A proposta até tenta trazer algum alento porque discorre que em caso de força maior é possível obter a suspensão da obrigação, porém determina que caberá ao MAPA definir o que será hipótese de caso fortuito e de força maior. Isto é, a norma tal como está acaba gerando uma insegurança jurídica, porque, por mero ato administrativo (portaria) poderão ser alterados os critérios legais, o que não faz muito sentido, ainda mais quando esse órgão está sujeito a pressões políticas. Melhor seria se a lei trouxesse rol com critérios objetivos e razoáveis, ainda que caráter exemplificativo", explica.
Mas, segundo ele, isso nem de longe é o pior. "O projeto discorre ainda que o crédito rural (Lei n. 4.829/65) também não se sujeitará aos efeitos da medida. Esse fato torna a recuperação do pequeno produtor inviável, já que boa parcela dos recursos obtidos vem dessa forma de financiamento. Esperamos que no Senado tais questões sejam revistas porque, nos moldes atuais, a lei será para poucos", conclui.