PARECER JURÍDICO Nº 18.915
SUBSÍDIO MENSAL VITALÍCIO ASSEGURADO A EX-GOVERNADORES A TÍTULO DE REPRESENTAÇÃO. LEI Nº 7.285/1979. REVOGAÇÃO TOTAL PELA LEI Nº 15.678/21. EFEITOS JURÍDICOS. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. ULTRATIVIDADE NORMATIVA.
1. A Lei nº 15.678/21 dispõe unicamente sobre a revogação da Lei nº 7.285/1979, a qual assegurava um subsídio mensal vitalício aos ex-governadores que houvessem exercido o cargo, em caráter permanente, antes da vigência da alteração operada pela Lei nº 14.800/15, ou seja, antes de 1º de janeiro de 2019, bem como assegurava um subsídio mensal, por quatro anos, em valor proporcional ao tempo de efetivo exercício, aos exgovernadores que houvessem ocupado o cargo, em caráter permanente, após 1º de janeiro de 2019.
2. Inexistindo comando na Lei nº 15.678/21 para cessação dos pagamentos dos subsídios mensais vitalícios já concedidos a ex-governadores e seus dependentes que tenham preenchido os requisitos para a sua percepção durante a vigência da norma revogada, a Administração Pública não está autorizada a proceder à determinação de cessação dos referidos pagamentos, ainda que posteriores à revogação, dada a ultratividade normativa quanto aos atos jurídicos perfectibilizados durante a vigência da lei revogada, sob pena de violação ao disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República.
3. O controle de constitucionalidade do plexo normativo revogado pela Lei nº 15.678/21 está pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 745 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.556, não tendo a lei revogadora o alcance de regular os efeitos concretos e diferidos ao longo de vários anos decorrentes da Lei nº 7.285/1979 e suas alterações. 4. Da revogação do art. 2º da Lei nº 7.285/1979, operada pela Lei nº 14.800/15, decorre que não mais fazem jus à concessão de subsídio mensal os dependentes de ex-governadores falecidos após 1º de janeiro de 2019.
5. Dos efeitos da Lei nº 15.678/21, decorre que não mais fazem jus à concessão de subsídio mensal, após o término do mandato, os governadores que vierem a exercer o cargo, em caráter definitivo, após 14 de agosto de 2021.
6. Na sistemática estabelecida pela Lei nº 14.800/15, o direito à percepção de subsídio mensal por quatro anos é adquirido integralmente com o exercício, por qualquer tempo, em caráter permanente, do cargo de governador, sendo o valor calculado de acordo com a proporcionalidade temporal de efetivo exercício, considerando-se que o cumprimento do tempo integral do mandato corresponde a 100% (cem por cento) do valor do subsídio de Desembargador do Tribunal de Justiça. 7. Dos efeitos da Lei nº 15.678/21, decorre que não poderá ser computado o tempo de efetivo exercício do cargo após 14 de agosto de 2021 para fins de cálculo da proporcionalidade do valor de que trata o caput do art. 1º da Lei nº 7.285/1979, com a redação dada pela Lei nº 14.800/15, combinado com o seu § 2º.
8. O direito adquirido na vigência da Lei 14.800/15 corresponde à percepção de subsídio mensal, por quatro anos, imediatamente após o término do mandato, em valor proporcional ao tempo de efetivo exercício, limitadamente ao período de vigência da norma.
Trata-se de analisar as consequências jurídicas decorrentes da Lei nº 15.678/21, que dispõe sobre a revogação da Lei nº 7.285/1979, a qual assegurava um subsídio mensal vitalício aos ex-governadores que houvessem exercido o cargo, em caráter permanente, antes da vigência da alteração operada pela Lei nº 14.800/15, ou seja, antes de 1º de janeiro de 2019, bem como assegurava um subsídio mensal, por quatro anos, em valor proporcional ao tempo de efetivo exercício, aos ex-governadores que houvessem ocupado o cargo, em caráter permanente, após 1º de janeiro de 2019.
É o brevíssimo relato.
1. DO HISTÓRICO NORMATIVO.
A Lei nº 15.678, de 13 de agosto de 2021, tem a seguinte
redação:
Art. 1º Fica revogada a Lei nº 7.285, de 23 de julho de 1979.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Por sua vez, a Lei nº 7.285, de 23 de julho de 1979, ora revogada,
tinha a seguinte redação original:
Art. 1º - Ao ex-Governador do Estado, que haja exercido o cargo em caráter permanente, fica assegurado um subsídio, mensal e vitalício, a título de representação, igual ao vencimento do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado.
Parágrafo único - O exercício de cargo ou função pública, assim como emprego em sociedade de economia mista, empresas públicas ou entidades com participação majoritária da União, dos Estados ou dos Municípios, é causa impeditiva ou suspensiva da percepção do subsídio.
Art. 2º - Falecendo o ex-Governador, o direito à percepção do subsídio transferir-se-á aos beneficiários legais, definida essa condição segundo a lei que regular, em casos análogos, a situação dos dependentes de segurado perante o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul.
Por força da Lei nº 10.548/1995, o artigo 1º da Lei nº 7.285/79
passou a ter a seguinte redação:
Art. 1º - Ao ex-governador do Estado, que haja exercido o cargo em caráter permanente, fica assegurado um subsídio, mensal e vitalício, a título de representação, igual ao vencimento do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, de acordo com a proporcionalidade temporal em que exerceu efetivamente o cargo. (Redação dada pela Lei n.º 10.548/95)
§ 1º - A percepção de remuneração referente a exercício de cargo ou função pública, assim como de emprego em sociedade de economia mista, empresas públicas ou entidades com participação majoritária da União, dos Estados ou municípios e ainda, relativa a proventos ou aposentadoria, destes decorrentes, não é cumulável com o direito assegurado no "caput", facultada a opção. (Redação dada pela Lei n.º
10.548/95)
§ 2º - Para efeitos deste artigo considerar-se-á que o cumprimento do tempo integral do mandato corresponde a 100% (cem por cento) da remuneração a que se refere. (Redação dada pela Lei n.º 10.548/95)
A disciplina legislativa foi mais uma vez alterada pela Lei nº 14.800/2015. Prevendo expressamente a produção de efeitos a partir de 1º de janeiro de 2019, essa lei revogou o artigo 2º e deu nova redação ao caput do artigo 1º da Lei nº 7.285/1979, sem, entretanto, revogar os seus §§ 1º e 2º, passando a dispor o seguinte:
Art. 1.º Ao ex-Governador do Estado, que haja exercido o cargo em caráter permanente, fica assegurado um subsídio, mensal, a título de representação, igual ao vencimento de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, limitado ao período de 4 (quatro) anos, imediatamente posterior ao término do mandato, de acordo com a proporcionalidade temporal em que exerceu efetivamente o cargo. (Redação dada pela Lei n.º 14.800/15) (Vide art. 2.º da Lei n.º 14.800/15)
Inicialmente, para que se possa bem extrair as consequências
jurídicas da lei que determina a revogação total de norma que assegura direito à percepção de subsídio mensal e vitalício a ex-governadores, sem que nela haja determinação expressa de cessação do seu pagamento pela Administração Pública, mister se faz compreender o alcance normativo da lei revogada.
Nesse sentido, tem-se que a lei revogada, entre a vigência da sua
redação original e a alteração promovida pela Lei nº 14.800/15, cujos efeitos foram expressamente previstos para vigorar a partir de 1º de janeiro de 2019, estabelecia o direito à percepção, a título de representação, de um subsídio, mensal e vitalício, igual ao vencimento do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, ao exGovernador do Estado que houvesse exercido o cargo em caráter permanente.
A partir de 1º de janeiro de 2019, a Lei nº 14.800/15 passou a
estabelecer que “ao ex-Governador do Estado, que haja exercido o cargo em caráter permanente, fica assegurado um subsídio, mensal, a título de representação, igual ao vencimento de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, limitado ao período de 4 (quatro) anos, imediatamente posterior ao término do mandato, de acordo com a proporcionalidade temporal em que exerceu efetivamente o cargo”.
Tal diploma implicou substancial alteração normativa, visto que,
além de revogar a disposição que permitia a percepção do benefício pelos dependentes legais do ex-governador quando de seu falecimento, determinou que a percepção do subsídio mensal não mais seria vitalícia, mas, sim, pelo prazo de 4 (quatro) anos, em valor proporcional ao período de efetivo exercício do cargo.
Diante disso, considerando a necessidade de orientar a Administração Pública, destacam-se, inicialmente, para análise das consequências jurídicas, seis situações possíveis e seus eventuais desdobramentos:
1 - governadores que tenham exercido o cargo, em caráter
permanente, durante a vigência da Lei nº 7.285/1979 e antes da vigência da Lei nº
10.548/1995;
2 - governadores que tenham exercido o cargo, em caráter
permanente, durante a vigência da Lei nº 7.285/1979, com a redação dada pela Lei nº 10.548/1995, antes, porém, da vigência da Lei 14.800/15, ou seja, entre 27 de setembro de 1995 e 31 de dezembro de 2018;
3 - dependentes de ex-governadores falecidos durante a vigência
da Lei nº 7.285/1979 e suas alterações, antes, porém, da vigência da Lei nº 14.800/15, ou seja, antes de 1º de janeiro de 2019;
4 - governadores que tenham exercido o cargo na vigência da Lei
nº 14.800/15, ou seja, entre 1º de janeiro de 2019 e 13 de agosto de 2021;
5 - governadores que venham a exercer o cargo após a vigência
da Lei nº 15.678/21, que revogou integralmente a Lei nº 7.285/1979 e suas alterações, inclusive a promovida pela Lei nº 14.800/15, ou seja, após 14 de agosto de 2021;
6 - dependentes de ex-governadores falecidos após a vigência da Lei nº 14.800/15, ou seja, após 1º de janeiro de 2019.
Inicialmente, tem-se que aos ex-governadores que exerceram o
cargo, em caráter permanente, até 31 de dezembro de 2018, houve a concessão de subsídio mensal e vitalício, seja a partir da disciplina original da Lei nº 7.285/1979, seja em atenção aos contornos jurídicos do instituto estabelecidos pela Lei nº 10.548/1995.
2. DAS AÇÕES DE CONTROLE CONCENTRADO.
Inicialmente, cumpre destacar que a Lei nº 7.285/1979 e suas
alterações está sub judice em sede de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 745 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.556.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.556/RS, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB postula a declaração de inconstitucionalidade material do artigo 1º da Lei Estadual nº 10.548/1995 e, sucessivamente, do artigo 1º da Lei Estadual nº 7.285/1979, em sua redação originária, e, ainda, por arrastamento, a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Estadual nº 7.285/1979.
Em decisão proferida em 16 de fevereiro de 2011, o Ministro Ricardo Lewandowski, Relator da ação, adotou o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei nº 9.868/1999, sem, contudo, deferir a medida cautelar postulada.
Após a publicação da Lei Estadual nº 14.800/2015, em 04 de abril
de 2018, sobreveio decisão monocrática julgando prejudicada a ADI 4.556/RS, o que ensejou a interposição de Agravo Regimental pelo proponente, o CFOAB, visando ao aditamento da petição inicial e à continuidade do processamento da ação direta.
Em decisão datada de 31 de maio de 2021, o Ministro Relator deu
provimento ao Agravo Regimental e reconsiderou a decisão agravada, acolhendo o pedido de aditamento.
Após nova manifestação da Procuradoria-Geral da República, os
autos foram conclusos ao Ministro Relator em 02 de agosto de 2021, situação que permanece inalterada até a presente data.
Também em controle concentrado de constitucionalidade, a Procuradoria-Geral da República levou ao Supremo Tribunal Federal o debate sobre a constitucionalidade das normas estaduais acima citadas por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 745, na qual há pedido de medida cautelar.
Nessa ação, o proponente busca a declaração de invalidade de
atos dos poderes públicos estaduais que concedam, tenham concedido ou determinem o pagamento de pensões, aposentadorias especiais e benefícios similares a ex-Governadores em todo o Brasil, tão somente em decorrência do exercício de cargo eletivo e/ou à margem do regime geral de previdência social, respeitadas as situações consolidadas antes da Constituição Federal de 1988 e as decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado.
A Procuradoria-Geral da República argumentou que atos
comissivos e omissivos dos poderes públicos que concedem, ou se abstêm de sustar, pensões, aposentadorias especiais e benefícios pagos pelos cofres públicos a exGovernadores, tão somente em decorrência do mero exercício de mandato eletivo e/ou à margem do regime geral de previdência social, contrariam a Constituição Federal, em especial o princípio republicano (artigo 1º) e os princípios da igualdade (artigo 5º, caput), da moralidade e da impessoalidade (artigo 37, caput); a competência da União para dispor sobre normas gerais em matéria de previdência social (artigo 24, XII, § 1º, c/c artigo 25, § 1º) e, ainda, o artigo 37, XIII, que veda a vinculação de quaisquer espécies remuneratórias entre si, bem como o artigo 40, § 13, que submete ao regime geral de previdência social os ocupantes de cargos temporários ou em comissão.
Após analisar os termos da petição inicial, a Ministra Cármen Lúcia, Relatora da ADPF 745, adotou o rito do artigo 10 da Lei nº 9.868/1999, em decisão proferida em 21 de setembro de 2020. A ação foi incluída na Pauta nº 83/2021, para julgamento pelo Plenário Virtual a ser realizado entre 11 e 18 de junho de 2021. Entretanto, foi retirada de pauta em 10 de junho de 2021, sem que tenha sido designada nova data para julgamento até este momento.
Analisado o histórico da ADI 4.556/RS e da ADPF 745, é possível
verificar que não foram deferidos os pedidos de medida cautelar formulados em ambas as ações, as quais aguardam julgamento de mérito pelo Supremo Tribunal Federal, a quem competirá decidir sobre a compatibilidade das normas estaduais impugnadas e dos atos que as tenham como fundamento legal com a Constituição Federal.
Considerando que as normas revogadas pela Lei nº 15.678/21
produziram efeitos concretos e diferidos ao longo de vários anos, que estão sob análise direta do Supremo Tribunal Federal nas ações de controle concentrado acima referidas e que a na Lei nº 15.678/21 inexiste comando para cessação dos pagamentos dos subsídios mensais vitalícios já concedidos a ex-governadores e seus dependentes que tenham preenchido os requisitos para a sua percepção durante a vigência da norma revogada, a Administração Pública não está autorizada a proceder à determinação de cessação dos referidos pagamentos, ainda que posteriores à revogação, dada a ultratividade normativa quanto aos atos jurídicos perfectibilizados durante a vigência da lei revogada, sob pena de violação ao disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, devendo-se aguardar as decisões de mérito a serem proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive eventuais modulações de efeitos, as quais terão eficácia vinculante e erga omnes.
3. DOS EFEITOS DA LEI Nº 15.678/21 QUANTO AOS EX-GOVERNADORES E SEUS DEPENDENTES QUE PERCEBAM SUBSÍDIO NA FORMA DA LEI Nº
7.285/79 ANTES DA ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI Nº 14.800/15.
Até a alteração promovida pela Lei nº 14.800/2015, a Lei nº 7.285/1979 assegurava o pagamento de um subsídio vitalício aos ex-governadores, transmissível aos seus dependentes.
As alterações promovidas pela Lei nº 10.548/1995, embora
relevantes para a definição do montante do benefício - notadamente em virtude da inserção de regras de proporcionalidade com o tempo de efetivo exercício do cargo -, não trazem implicações jurídicas no que diz respeito ao tema ora abordado, relativo à configuração do direito adquirido de ex-governadores. Isso porque todos os mandatos exercidos até a vigência da Lei nº 14.800/2015 possuem a idêntica condição de já estarem encerrados, circunstância que enseja, em comum a todos os casos, a plena produção de efeitos da lei revogada, a qual lhes assegurou subsídio mensal e vitalício. Do mesmo modo, há comunhão de disciplina jurídica em relação aos dependentes de ex-governadores falecidos até a vigência da Lei nº 14.800/2015, cumprindo salientar que a situação dos dependentes de ex-governadores vivos no aludido marco será tema de abordagem específica no presente parecer.
A Lei nº 7.285/79 empresta fundamento de validade à concessão
dos benefícios nela previstos, de modo que os atos praticados sob a sua égide permanecem hígidos, ainda que sobrevenha norma jurídica posterior que a revogue. Nesse sentido, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, concretizando o disposto no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, estabelece, em seu artigo 6º, que as leis em vigor têm efeito imediato e geral, mas assegura o respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, verbis:
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
A matéria encontra-se atualmente disciplinada no inciso XXXVI do
artigo 5º da Constituição Federal de 1988, verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
No que se refere ao direito adquirido, importante delinear o
conceito e a amplitude do instituto no direito brasileiro. Para tanto, mostra-se pertinente destacar a doutrina de Gilmar Ferreira Mendes na publicação “Curso de
Direito Constitucional”, da editora Saraiva, que, ao tratar do tema nas páginas 501 a 503, consignou:
“A discussão sobre direito intertemporal assume delicadeza ímpar entre nós, tendo em vista a disposição constante no art. 5º, XXXVI, da Constituição, que reproduz norma tradicional do Direito brasileiro. Desde 1934, e com exceção da Carta de 1937, todos os textos constitucionais brasileiros têm consagrado cláusula semelhante.
A definição de retroatividade foi objeto de duas doutrinas principais - direito adquirido e fato passado ou fato realizado - como ensina João Baptista Machado:
“a doutrina dos direitos adquiridos e doutrina do facto passado. Resumidamente, para a primeira doutrina seria retroactiva toda lei que violasse direitos já constituídos (adquiridos); para a segunda seria retroactiva toda lei que se aplicasse a factos passados antes de seu início de vigência. Para a primeira a Lei nova deveria respeitar os direitos adquiridos, sob pena de retroatividade; para a segunda a lei nova não se aplicaria (sob pena de retroatividade) a fatos passados e aos seus efeitos (só se aplicaria a factos futuros)”
A doutrina do fato passado é também chamada teoria objetiva; a teoria do direito adquirido é chamada teoria subjetiva.
Na lição de Moreira Alves, domina, na nossa tradição, a teoria subjetiva do direito adquirido.
É o que se lê na seguinte passagem do voto proferido na ADI 493:
“Por fim, há de salientar-se que as nossas Constituições, a partir de 1934, e com exceção de 1937, adotaram desenganadamente, em matéria de direito intertemporal, a teoria subjetiva dos direitos adquiridos e não a teoria objetiva da situação jurídica, que é a teoria de Roubier. Por isso mesmo, a Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942, tendo em vista que a Constituição de 1937 não continha preceito da vedação da aplicação da lei nova em prejuízo do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, modificando a anterior promulgada com o Código Civil, seguiu em parte a teoria de Roubier, e admitiu que a lei nova, desde que expressa nesse sentido, pudesse retroagir. Com efeito, o artigo 6º rezava: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral. Não atingirá, entretanto, salvo disposição expressa em contrário, as situações jurídicas definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito”. Com o retorno, na Constituição de 1946, do princípio da irretroatividade no tocante ao direito adquirido, o teto da nova Lei de Introdução se tornou parcialmente incompatível com ela, razão por que a Lei n. 3.238/57 o alterou para reintroduzir nesse artigo 6º a regra tradicional em nosso direito de que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Como as soluções, em matéria de direito intertemporal, nem sempre são coincidentes, conforme a teoria adotada, e não sendo, a que ora está vigente em nosso sistema jurídico, a teoria objetiva de Roubier, é preciso ter cuidado com a utilização indiscriminada dos critérios por estes usados para resolver as diferentes questões de direito intertemporal.”
É certo, outrossim, que a dimensão constitucional que se confere ao princípio do direito adquirido, entre nós, não permite que se excepcionem da aplicação do princípio as chamadas regras de ordem pública. Há muito Reynaldo Porchat questionava a correção desse entendimento, conforme se lê nas seguintes passagens de sua obra:
“Uma das doutrinas mais generalizadas e que de longo tempo vem conquistando foros de verdade, é a que sustenta que são retroativas as “leis de ordem pública” ou as “leis de direito público”. Esse critério é, porém, inteiramente falso, tendo sido causa das maiores confusões na solução das questões de retroatividade. Antes de tudo, cumpre ponderar que é dificílimo discriminar nitidamente aquilo que é de ordem pública e aquilo que é de ordem privada. No parágrafo referente ao estudo do direito público e do direito privado, já salientamos essa dificuldade, recordando o aforismo de Bacon - ‘jus privatum sub tutela juris publici later’. O interesse público e o interesse privado se entrelaçam de tal forma, que as mais das vezes não é possível separá-los. E seria altamente perigoso proclamar como verdade que as leis de ordem pública ou de direito público têm efeito retroativo, porque mesmo diante dessas leis aparecem algumas vezes direitos adquiridos, que a justiça não permite que sejam desconhecidos e apagados. O que convém ao aplicador de uma nova lei de ordem pública ou de direito público, é verificar se, nas relações jurídicas já existentes, há ou não direitos adquiridos. No caso afirmativo a lei não deve retroagir, porque a simples invocação de um direito de ordem pública não basta para justificar a ofensa ao direito adquirido, cuja inviolabilidade, no dizer de Gabba, é também um forte motivo de interesse público.”
Na mesma linha, é a lição de Pontes de Miranda:
“A regra jurídica de garantia é, todavia, comum ao direito privado e ao direito público. Quer se trate de direito público, quer se trate de direito privado, a lei nova não pode ter efeitos retroativos (critério objetivo), nem ferir direitos adquiridos (critério subjetivo), conforme seja o sistema adotado pelo legislador constituinte. Se não existe regra jurídica constitucional de garantia, e sim, tão-só, regra dirigida aos juízes, só a cláusula de exclusão pode conferir efeitos retroativos, ou ofensivos dos direitos adquiridos, a qualquer lei.”
Não discrepa dessa orientação Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ao enfatizar que o problema da irretroatividade é comum ao direito público e ao direito privado.
Daí concluir Moreira Alves que o princípio do direito adquirido “se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva”.
O ato jurídico praticado com fundamento na lei vigente é direito
consumado, isto é, aquele que se considera definitivamente exercido e, por essa razão, inalcançável pela lei nova, que se destina a disciplinar as situações jurídicas ocorridas posteriormente à sua vigência. Inserem-se nessa categoria de atos os praticados pelo Estado do Rio Grande do Sul em cumprimento ao previsto na Lei nº 7.285/79, por intermédio dos quais foram concedidos os benefícios às pessoas indicadas nos seus artigos 1º e 2º. De fato, tendo os beneficiários cumprido todos os requisitos exigidos pela lei então vigente para a aquisição do direito, sem que este se revestisse de qualquer nota de precariedade ou de resolutividade de acordo com aquela disciplina, é certo que a revogação da norma que lhes assegurou o benefício de caráter continuado não poderá atingir o seu patrimônio jurídico sem violação ao direito adquirido.
Desse modo, não se identifica alteração na situação jurídica dos
ex-Governadores e dependentes que atualmente sejam beneficiários do subsídio previsto na Lei nº 7.285/79 tão somente em razão da revogação da norma, uma vez que o direito que titularizam foi legitimamente adquirido, estando fundamentado na lei vigente quando da prática do ato concessivo, o qual, tendo em vista a irretroatividade da lei nova, não foi afetado pela Lei nº 15.678, de 13 de agosto de 2021.
É relevante enfatizar que a Lei nº 14.800/2015 modificou a
redação do artigo 1º da Lei nº 7.285/1979 para suprimir o caráter vitalício do subsídio, estipulando expressamente em seu artigo 2º que essa alteração produziria efeitos a partir de 1º de janeiro de 2019. Portanto, o próprio legislador, ao alterar o modelo jurídico da representação a ser paga aos ex-Governadores, atento ao disposto no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, tratou de resguardar o direito adquirido anteriormente à aludida data, não podendo a revogação da Lei nº 7.285/1979 modificar essa conformação jurídica, até mesmo porque a Lei nº 15.678, de 13 de agosto de 2021, não atingiu a preservação de direitos assegurada pelo artigo 2º da Lei nº 14.800/2015.
Não bastassem esses fundamentos, que demonstram que a Lei nº 15.678/21 não alcança os atos praticados na vigência da norma revogada, não se pode ignorar que o Direito não deve ser alheio à passagem do tempo, ou seja, a proteção do ato jurídico perfeito, decorrente dos atos administrativos concessivos de direitos que foram praticados há considerável período de tempo (alguns remontam há mais de três décadas), é elemento basilar da segurança jurídica, da proteção da confiança e da estabilidade das relações que sustentam o Estado Democrático de
Direito.
O ordenamento jurídico brasileiro - deve-se recordar - consagra o
postulado da segurança jurídica, expressão do Estado Democrático de Direito, que, nas palavras do Ministro Celso de Mello (AgRg no RE 646.313/PI), projeta-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público, em ordem a viabilizar a incidência desse mesmo princípio sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado, para que se preservem, desse modo, sem prejuízo ou surpresa para o administrado, situações já consolidadas no passado.
Nessa esteira, ao afirmar que o futuro não pode ser perpétuo
prisioneiro do passado, o célebre professor ALMIRO DO COUTO E SILVA reconheceu que o Estado não pode a qualquer tempo rever seus atos administrativos, não sendo admissível que seja autorizado, em todas as circunstâncias, a adotar novas providências em contradição com as que foram por ele próprio impostas (O princípio da segurança jurídica - proteção à confiança - no Direito Público Brasileiro e o direito de anular os seus próprios atos administrativos, Revista da PGE, nº 57, dezembro/2003).
Com efeito, se o Estado, por sua própria iniciativa, praticou ato
administrativo concessivo de benefício a determinados administrados - ato que já é considerado perfeito há diversas décadas em alguns casos - não pode pretender que, passado longo período de tempo, possa desconstituir tais atos, ignorando os efeitos que produziram na esfera de seus beneficiários.
Nesse sentido, no recente julgamento em sede de repercussão
geral do Tema n.º 445, o Supremo Tribunal Federal fixou tese segundo a qual, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas, consagrando o entendimento de que os atos concessivos de pensão ou aposentadoria não podem ser eternamente revistos pelo Poder Público, mesmo nos casos em que sejam constatados vícios na sua concessão.
Vale citar, ainda, trecho do voto do Ministro Fachin, no julgamento
do Recurso Extraordinário 636.553 (que originou o Tema n.º 445), conforme o qual mesmo atos que, em princípio, não se afigurariam hígidos à luz da estrita legalidade, recebem, em obediência à segurança jurídica, o manto cobertor da estabilidade.
E veja-se que nem se está aqui a enfrentar a hipótese de atos que
possuam vícios, mas, sim, a enfrentar os efeitos de uma norma meramente revogadora de outra que produziu efeitos concretos.
De fato, há uma necessidade social de estabilização das relações
jurídicas, pois, a partir delas, são geradas legítimas expectativas aos afetados, ao mesmo tempo em que novos atos são realizados tendo como pressuposto fático a realidade posta, de modo que não se deve cogitar a superveniência de ato estatal que possa vir a abalar atos jurídicos já perfectibilizados. Logo, não se sustenta tese jurídica que, em desconsideração aos princípios da confiança e da segurança jurídica, busque desconstituir atos administrativos perfeitos praticados sob a égide de lei posteriormente revogada.
4. DOS EFEITOS DA LEI Nº 15.678/21 QUANTO AOS EX-GOVERNADORES QUE EXERCERAM O CARGO DURANTE A VIGÊNCIA DA LEI Nº 14.800/15.
Com a alteração promovida pela Lei nº 14.800/2015, o caput do
artigo 1º da Lei nº 7.285/1979 passou a dispor o seguinte:
Art. 1.º Ao ex-Governador do Estado, que haja exercido o cargo em caráter permanente, fica assegurado um subsídio, mensal, a título de representação, igual ao vencimento de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, limitado ao período de 4 (quatro) anos, imediatamente posterior ao término do mandato, de acordo com a proporcionalidade temporal em que exerceu efetivamente o cargo. (Redação dada pela Lei n.º 14.800/15)
Conforme determina o artigo 2º da Lei nº 14.800/2015, seus
efeitos foram produzidos a partir de 1º de janeiro de 2019.
Não foram alterados, porém, os §§ 1º e 2º do artigo 1º da Lei nº 7.285/1979, cuja redação permaneceu a mesma dada pela Lei n.º 10.548/1995:
“Art. 1º …...
§ 1º - A percepção de remuneração referente a exercício de cargo ou função pública, assim como de emprego em sociedade de economia mista, empresas públicas ou entidades com participação majoritária da União, dos Estados ou municípios e ainda, relativa a proventos ou aposentadoria, destes decorrentes, não é cumulável com o direito assegurado no "caput", facultada a opção. (Redação dada pela Lei n.º
10.548/95)
§ 2º - Para efeitos deste artigo considerar-se-á que o cumprimento do tempo integral do mandato corresponde a 100% (cem por cento) da remuneração a que se refere. (Redação dada pela Lei n.º 10.548/95)”
Antes de avançar, é necessário reconhecer que o § 2º, dispondo a
respeito da proporção no valor do subsídio conforme o tempo de efetivo mandato, foi inserido em contexto no qual o benefício possuía caráter vitalício, harmonizando-se com a redação do caput estabelecida na mesma assentada, no qual a alusão à proporcionalidade somente poderia ser vista como relativa ao valor do subsídio. Com a Lei nº 14.800/2015, o caput do artigo 1º passou a fixar uma proporcionalidade que pode ser compreendida de duas maneiras: a) relativa ao tempo de pagamento do subsídio mensal, limitada a quatro anos; b) relativa ao montante do subsídio mensal, tal como ocorria na formatação anterior.
A segunda interpretação afigura-se a mais adequada, pois decorre
da análise da evolução do instituto, bem como da necessidade de harmonização do caput do dispositivo com a redação do seu § 2º, mantida pela Lei nº 14.800/2015. Sendo assim, conclui-se que a legislação em testilha substituiu a vitaliciedade pela fruição do subsídio pelo período limitado de quatro anos, tendo por valor de referência o vencimento de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, proporcionalmente ao tempo de efetivo exercício do cargo.
Inicialmente, em atenção à redação do caput do artigo 1º da Lei nº 7.285/79, com a redação dada pela Lei nº 14.800/2015 , impende observar que, a partir de uma interpretação estritamente literal, poderia ser referida a necessidade da condição de ex-Governador para que houvesse a aquisição do direito à percepção do subsídio. Entretanto, concluir nesse sentido significaria desconsiderar que o próprio legislador previu a proporcionalidade temporal no exercício efetivo do cargo de Governador do Estado para mensurar o valor do subsídio, o qual apenas tem o seu gozo postergado, devendo coincidir com o encerramento do mandato.
Cabível observar que a proporção temporal fixada pela norma não
emprestou relevância ao momento de exercício do cargo de Governador do Estado em caráter permanente, dando o mesmo peso para todas as etapas do mandato eletivo. A menção ao “ex-Governador” como destinatário do direito decorre exclusivamente da circunstância de que o pagamento do subsídio tem início imediatamente após o término do mandato, dela não se extraindo condição de constituição do direito previsto em lei.
Para a aquisição do direito de percepção à representação,
portanto, o único requisito a ser preenchido era o exercício do cargo de Governador do Estado de forma permanente, isto é, sem caráter de transitoriedade. Nenhum dos demais elementos da norma em testilha, considerada sua redação anterior à revogação, relacionava-se aos requisitos de aquisição do direito, dizendo respeito ao valor referencial da representação (“igual ao vencimento de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado [...] de acordo com a proporcionalidade temporal em que exerceu efetivamente o cargo”), ao início da sua percepção (“Ao ex-Governador do Estado” [... ] “imediatamente posterior ao término do mandato”), ao tempo de duração do benefício (“limitado ao período de 4 (quatro) anos”).
Tanto é assim que, admitindo-se hipoteticamente que o Governador do Estado deixasse o cargo antes da vigência da Lei nº 15.678, de 13 de agosto de 2021, restar-lhe-ia assegurada a percepção proporcional do subsídio previsto no artigo 1º da Lei nº 7.285/79, o que indica de forma clara o atendimento atual e progressivo dos requisitos legais para a aquisição do direito, não se podendo confundir a situação em exame com a inexistência de direito adquirido a regime jurídico, pois de regime jurídico não se trata.
Portanto, um Governador que, conquanto eleito para um mandato
de quatro anos, viesse a se afastar do cargo antes de seu encerramento, teria adquirido o direito ao subsídio temporário em valor proporcional ao tempo de exercício do cargo, iniciando-se os pagamentos a partir do encerramento do mandato . Isso porque o direito é adquirido integralmente com a mera efetividade do exercício do cargo, sendo caracterizado pela proporcionalidade apenas no que diz respeito ao seu valor, que deverá ser modulado de acordo com o percentual do tempo de mandato efetivamente cumprido, considerando-se que o cumprimento do tempo integral do mandato corresponde a 100% (cem por cento) do valor do subsídio de
Desembargador do Tribunal de Justiça.
Considerando que é o exercício, por qualquer tempo, em caráter
permanente, do cargo de governador que assegurava, na forma do art. 1º da Lei nº 7.285/79, com a redação dada pela Lei nº 14.800/2015, a percepção, por quatro anos, após o encerramento do mandato, de subsídio, a título de representação, em valor proporcional ao tempo de efetivo exercício, todo aquele que tenha preenchido os referidos requisitos, durante a vigência da norma revogada, adquiriram o direito ao seu exercício, ainda que após a sua revogação, conforme a proteção constitucional do direito adquirido estabelecida no artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna.
Contudo, considerando que um dos requisitos legais é a
proporção temporal para cálculo do valor do subsídio, considerando-se que o cumprimento do tempo integral do mandato corresponde a 100% (cem por cento) do valor do subsídio de Desembargador do Tribunal de Justiça, tem-se que o período de efetivo exercício após a revogação operada pela Lei nº 15.678, de 13 de agosto de 2021, não mais produz nenhum efeito para o cálculo da proporção temporal, de modo que a abrangência do regime jurídico instituído pela Lei nº 14.800/15 fica restrito a 1º de janeiro de 2019 a 13 de agosto de 2021, ou seja, 31 meses de um mandato de 48 meses, devendo ser esta a proporção máxima, independentemente do período de efetivo exercício do cargo posterior a 14 de agosto de 2021.
Por fim, ainda que cessado o cômputo temporal para fins de
cálculo de proporcionalidade, a percepção do subsídio, em valor proporcional, decorrente da sistemática instituída pela Lei nº 14.800/15, somente poderá ser implementada após término do mandato.
5. DOS EFEITOS DA LEI Nº 15.678/21 QUANTO AOS GOVERNADORES QUE EXERCEREM O CARGO APÓS 14 DE AGOSTO DE 2021
Conforme visto, a Lei nº 15.678, de 13 de agosto de 2021,
revogou a Lei nº 7.285, de 23 de julho de 1979, tendo entrado em vigor na data da sua publicação. Portanto, relativamente aos governadores que vierem a exercer o cargo após sua vigência, inexiste norma jurídica a amparar a aquisição, ainda que proporcional, do direito ao pagamento de subsídio.
Do mesmo modo, os dependentes de ex-governadores vivos ao
tempo do início de vigência da Lei nº 14.800/2015, isto é, em 1º de janeiro de 2019, não fazem jus ao benefício, tendo em vista a revogação do artigo 2º da Lei nº 7.285/1979 operada por aquela lei.
Relevante destacar que, na forma do artigo 2º da Lei nº 7.285/1979, extirpado do ordenamento jurídico desde 1º de janeiro de 2019, os dependentes somente adquiririam o direito ao benefício com o falecimento do exgovernador. A natureza jurídica do subsídio em tela, nos contornos vigentes até sua reestruturação pela Lei nº 14.800/2015, possuía proximidade com a pensão por morte do direito previdenciário, o que se percebe da disciplina do artigo 2º da Lei nº
7.285/79, segundo a qual a definição da condição de dependente decorreria da “lei que regular, em casos análogos, a situação dos dependentes de segurado perante o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul”. Pela proximidade entre as figuras jurídicas, incide à hipótese a diretriz aplicada ao benefício previdenciário da pensão por morte, no sentido de que a incorporação ao patrimônio jurídico dos dependentes ocorre somente a partir do falecimento do segurado.
Dessa forma, diversamente da hipótese tratada no item 4, acima,
em que a lei previu expressamente a aquisição parcial e proporcional de direito despido de natureza transitória, os dependentes de ex-governador vivo ao tempo da vigência do artigo 2º da Lei nº 7.285/1979 possuíam mera expectativa de direito, desfeita a partir de 1º de janeiro de 2019, quando entrou em vigor a Lei nº 14.800/1995.
6. CONCLUSÕES.
a) aos governadores que tenham exercido o cargo, em caráter permanente, e deixado de exercê-lo durante a vigência da Lei nº
7.285/1979 e suas alterações, antes, porém, da vigência da Lei 14.800/15, ou seja, antes de 1º de janeiro de 2019, restou assegurada a percepção de subsídio mensal e vitalício, razão pela qual a mera revogação da norma que lhes concedeu esse direito não faz cessar a sua percepção, de modo que a administração pública deve permanecer realizando os referidos pagamentos;
b) aos dependentes de ex-governadores que tenham falecido durante a vigência da Lei nº 7.285/1979 e suas alterações, antes, porém, da vigência da Lei 14.800/15, ou seja, antes de 1º de janeiro de 2019, da mesma forma restou assegurada a percepção de subsídio mensal e vitalício, razão pela qual a mera revogação da norma que lhes concedeu esse direito não faz cessar a sua percepção, de modo que a administração pública deve permanecer realizando os referidos pagamentos;
c) aos governadores que tenham exercido o cargo na vigência da Lei 14.800/15, ou seja, entre 1º de janeiro de 2019 e 13 de agosto de 2021, houve a aquisição do direito à percepção de subsídio mensal, por quatro anos, imediatamente após o término do mandato, em valor proporcional ao tempo de efetivo exercício, limitadamente ao período de vigência da norma.
d) aos governadores que vierem a exercer o cargo após a vigência da Lei nº 15.678, de 13 de agosto de 2021, ou seja, a partir de 14 de agosto de 2021, bem como aos dependentes de ex-
governadores falecidos após a vigência da Lei nº 14.800/15, isto é, a partir de 1º de janeiro de 2019, não haverá o direito à percepção de subsídio mensal de que tratava a Lei nº
7.285/1979;
É o parecer.
Por fim, encaminhe-se à Secretaria da Fazenda.
Porto Alegre, 19 de agosto de 2021.
EDUARDO CUNHA DA COSTA,
Procurador-Geral do Estado.
GUILHERME DE SOUZA FALLAVENA,
Procurador do Estado.
LUCIANO JUÁREZ RODRIGUES,
Procurador do Estado.
LOURENÇO FLORIANI ORLANDINI, Procurador do Estado. JOHN DE LIMA FRAGA JÚNIOR, Procurador do Estado.
TIAGO BONA, ALINE FRARE ARMBORST, THIAGO JOSUÉ BEN, Procurador do Estado. Procuradora do Estado. Procurador do Estado.