Em entrevista a Christiane Amanpour, da CNN, o presidente Lula afirmou em Washington que “todas as forças que deveriam cuidar da segurança de Brasília estavam comprometidas com o golpe”. Passados 37 dias do 8 de janeiro, ainda persistem dúvidas sobre a atuação do governador afastado de Brasília, Ibaneis Rocha, e seu secretário de segurança demitido, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está preso; sobre as reações do ministro da Justiça Flávio Dino e do chefe da Segurança Institucional da Presidência da República, general G. Dias; sobre a atuação de integrantes da PM do Distrito Federal; sobre a abertura de portas do Palácio; sobre os alertas das agências de informações; sobre a saída antecipada de Bolsonaro do país; sobre quem realmente entrou nas sedes dos três poderes e sobre quem exatamente destruiu patrimônio público nas invasões; e, finalmente, sobre quem está preso e por quê.
A Advocacia da União entrou na vara cível com pedido de indenização de R$ 20,7 milhões por danos ao patrimônio da União, contra 54 pessoas, três empresas, uma associação e um sindicato. Supõe-se que haja indícios suficientes para demonstrar que destruíram ou contribuíram para destruir bens públicos. Apurar tudo isso é uma necessidade histórica, em nome da legalidade e da Justiça. Por algum motivo, o Poder Executivo, desde o início, faz campanha contra CPI entre os representantes do povo brasileiro. Mas não é possível que um acontecimento com impacto mundial, não seja objeto de uma investigação ampla por parte do Congresso Nacional, o primeiro dos poderes, não apenas sobre as consequências, mas também sobre as causas, e com acusações graves, como essa do chefe de Estado do Brasil, numa entrevista na capital dos Estados Unidos. Apurar as causas é buscar lições na História, para que o episódio não se repita.
O Congresso Nacional precisa investigar por que aconteceram as invasões; quais suas causas remotas e imediatas. Há muito que investigar, pela recuperação das garantias e liberdades, para reforçar o estado de direito. Entre as causas remotas, certamente, terá que examinar atos do Judiciário sem amparo no devido processo legal; prisões arbitrárias, desrespeito à inviolabilidade dos mandatos de congressistas, mau funcionamento do equilíbrio entre os três poderes; a transparência das apurações eleitorais; a própria atuação do Congresso Nacional ante o enfraquecimento das garantias individuais; o comportamento do chefe do Executivo e muitas outras questões que contribuíram para o desfecho em 8 de janeiro.
E há as prisões em massa, em que os que acampavam em frente ao QG do Exército apelando por intervenção militar foram embarcados indiscriminadamente em ônibus e estão presos desde 10 de janeiro. Assim como já conhecemos quem jogou o relógio no chão, queremos ver a cara de quem fez seis furos com pedra portuguesa na tela As Mulatas, de Di Cavalcanti. O Ministério Público já ofereceu denúncia contra 835 pessoas. Dessas, 189 por invasão e depredação em sedes dos poderes. A maioria, no entanto, por uma genérica incitação ao crime e associação criminosa. No presídio para mulheres, 360 presas, quase todas longe de suas casas e suas famílias. Ontem começou uma CPI na Assembleia do DF, mas o tamanho dos fatos exige que o Congresso entenda a sua responsabilidade no momento em que o ato antidemocrático de invasões e vandalismo pode ser visto como oportunidade para buscar no foro próprio, que é o Parlamento, os erros das instituições e promover mudanças que tornem real no Brasil a democracia, que é o governo do povo para o povo. Estará o Congresso à altura da gravidade de todos esses acontecimentos?