Nos últimos quatro anos parcela expressiva da grande imprensa – apoiada por grupos políticos e setores da economia que vivem agarrados às gordas glândulas mamárias do governo – vendeu a ideia de que o Brasil corria perigo e que a democracia estava ameaçada. O que impressiona é que muita gente boa comprou a discurseira furada e deu vazão a uma teoria maluca, sem pé nem cabeça. Veio a eleição de 2022, Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto e esta mesma turma respirou aliviada. Não apenas isso. Virou o disco e, além da salvação do país, fez renascer um mantra, velho e surrado: “As instituições estão funcionando”.
Nesta quarta-feira, o ministro José Antonio Dias Toffoli (que um dia já foi advogado do PT) anulou as provas dos acordos de leniência obtidas pela Lava Jato, na investigação contra a Odebrecht. Estamos falando de gente que em juízo, sem qualquer tipo de coerção ou tortura, admitiu que meteu a mão onde não devia. E, pasmem, muitos devolveram aos cofres da Petrobras ao menos parte do dinheiro obtido ilegalmente. Toffoli foi além: chamou a prisão do atual presidente da República de “armação”. Não satisfeito, determinou abertura de investigação contra integrantes da Lava Jato, como Sergio Moro e Deltan Dallagnol. Não se surpreendam se o ex-juiz e o ex-procurador terminarem na cadeia, a grana for devolvida aos investigados e não sejamos obrigados a indenizar réus confessos. Mas as instituições estão funcionando, eles dizem.
Em uma cerimônia recente, marcando o ingresso de novos policiais federais, o ministro da Justiça, o comunista Flávio Dino, disse com todas as letras: “Eu quero garantir ao senhor, presidente Lula, que essa Polícia Federal, hoje, toda ela está a serviço de uma única causa, que é a sua causa, a causa do Brasil”. Em qualquer país sério uma declaração assim derrubaria o ministro. Aqui, em Banânia, ouvimos um ruidoso silêncio. A PF existe para cumprir a lei (aquela que um dia vigorou no Brasil), não é órgão militante para atuar em causa alguma, nem da esquerda, nem da direita. Mas as instituições estão funcionando, dizem.
Aqueles que ainda debocham quando o colunista alerta sobre a censura vigente no país talvez mudem de ideia ao se depararem com a manchete: “Por piadas, Léo Lins tem redes sociais derrubadas e vira réu em processo criminal”. O humorista ainda teve R$ 300 mil bloqueados nas suas contas bancárias para pagamento de multas por descumprimento de decisão judicial. Sim, em Banânia, agora, o tacão estatal proibiu o humor. Não se viu da tão atuante, engajada e “consciente” classe artística nacional um grande levante em defesa do colega. Talvez porque as instituições estejam funcionando.
Nesta mesma semana, o STF disse que, sim, terras produtivas podem ser desapropriadas, caso não cumpram “função social” – um conceito amplo, elástico e pouco preciso, que pode variar da cabeça de um para outro juiz. Ou seja, ao produtor rural não basta mais comprar a propriedade, pagar os impostos, honrar com as obrigações ambientais e produzir alimentos (como se isso, por si só, já não configurasse a mais nobre das “funções sociais”). O mesmo Supremo, aliás, está a um passo de jogar na lata do lixo o que decidiram os constituintes, em 1988, sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O efeito imediato disso? A desvalorização das áreas rurais é um convite a produtores migrarem do Brasil rumo ao Uruguai e Paraguai, fenômeno que já ocorre e deve se acentuar. Mas, claro, o importante mesmo é que as instituições estão funcionando. E eu pergunto: funcionando para quem, cara pálida?
O Brasil liderado pela turma da “Carreta Furacão” é uma locomotiva sem freios, desfiladeiro abaixo. Peço desculpas ao leitor. Gostaria de transmitir algo mais animador neste 7 de Setembro, mas meu sentimento hoje é um só: o Brasil acabou.