Aprovada no Senado, Reforma Tributária deve ter o IVA mais alto do mundo

De acordo com a advogada tributária, Mary Elbe Queiroz, quem pagará a conta dessa alta carga tributária é o setor de serviços e a classe média

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019, que institui a Reforma Tributária no Brasil, foi aprovada na semana passada (08/11), em dois turnos, no Plenário do Senado Federal. O texto volta agora à Câmara dos Deputados para análise das mudanças feitas pelos senadores.

Para conseguir que a PEC fosse aprovada, o relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), acatou algumas emendas que ampliaram as exceções ao novo regime tributário. Por exemplo, Braga incluiu o setor de eventos na alíquota reduzida e inseriu os segmentos de reciclagem e minigeração de energia elétrica nos regimes diferenciados.

A advogada tributarista, Mary Elbe Queiroz, afirma que a permissão de que cada vez mais empresas sejam contempladas com os descontos de 60% com relação a alíquota padrão do novo Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) só piora a situação dos setores que não serão beneficiados e faz com que o IVA brasileiro seja o mais alto do mundo.

Mary Elbe destaca que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, promete uma alíquota de referência de 27,5%, que já seria a mais alta do mundo, mas, de fato, o número pode ser bem maior. Fazendo um cálculo aproximado, para que o Governo Federal, os estados e os municípios arrecadem a mesma quantia que hoje arrecadam com IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS, os novos impostos CBS, ICMS e IBS deveriam ter, somados, uma alíquota de referência de 32,5%, inclusive, já existe um estudo do GT Reforma Tributária do Município de São Paulo que a estimativa da alíquota de referência poderá chegar a 36,4%.

Mas de fato, afirma a advogada tributarista, a alíquota pode ser ainda maior. Conforme Mary Elbe, a alíquota de 27,5% projetada por Haddad não leva em conta mais setores beneficiados com redução de carga, como de serviços de saneamento, bares e restaurantes, o cashback de energia elétrica e gás líquido e a desoneração de bens de capital. Se assim o fizer, afirma a advogada tributarista, a alíquota de referência poderá variar entre 34,2% e 36,4%.

A advogada tributarista alerta também para o efeito nefasto que a reforma terá sobre o setor de serviços, o que mais emprega no Brasil. Por exemplo, os setores segurança e limpeza, que hoje pagam uma alíquota efetiva de 5,65%, somando ISS, PIS e COFINS, passaria a pagar, com a aprovação da reforma, *uma alíquota de 25% ou 30%.

Profissionais que prestam serviços de forma pessoal, os chamados uniprofissionais, tais como médicos, advogados, engenheiros, contadores, economistas, conseguiram uma redução de 30% da alíquota, porém, mesmo assim haverá um brutal aumento para estas atividades. As empresas prestadoras de serviço em geral, serão as mais prejudicadas com a reforma, afirma Mary Elbe. Hoje, somando ISS, PIS e COFINS, pagam uma alíquota efetiva entre 5,65% e 8,65%. Com o advento do IBS e CBS, passariam a pagar uma alíquota, dependendo da alíquota geral de 25%, 17,5%, 30% ou até 36%, o que resultaria em elevação de mais de mais de 300%.

Em suma, criada com o objetivo de simplificar o sistema de tributação brasileiro, a reforma não cumprirá o que promete, segundo advogada tributarista. “Isto porque ela eliminará cinco tributos (IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS), para, de fato, colocar outros cinco tributos no lugar: CBS (Federal), IBS (Estadual e Municipal), Imposto Seletivo, CIDE Importação, e Imposto sobre Mineração”, diz.

Além disso, destaca Mary Elbe, durante 8 anos, que é o prazo da transição para que as mudanças da reforma sejam completamente aplicadas, o contribuinte terá que conviver com ainda mais tributos do que convive hoje, pois serão os cinco já existentes, mais os cinco que serão criados.

Mas, talvez, o ponto da Reforma que mais cause incômodo seja aquele relativo à instituição de um Comitê Gestor para gerir os recursos oriundos da arrecadação do IBS. Segundo a advogada tributarista, ele coloca em risco a federação brasileira ao retirar de governadores e prefeitos a autonomia de fazer política fiscal. Isto ficaria à cargo do comitê, cabendo aos estados e municípios apenas aguardar as decisões do órgão e ficar de “pires na mão” aguardando a distribuição dos recursos que hoje são arrecadados diretamente por eles.

Mary Elbe relembra que, desde que o texto da reforma chegou ao Senado, o item referente à criação do então conselhão, despertou preocupação nos senadores, em razão do excesso de poder que se concentrava nas mãos do órgão. Mas, na prática, ressalta a advogada tributarista, o relatório mudou muito pouco as atribuições do órgão. “Basicamente, ele alterou o nome do conselho, que passou a se chamar Comitê Gestor do IBS e retirou seu poder de propor leis. A composição do comitê, que deve ter 54 membros, continua absolutamente confusa”, diz.

 

 

Sobre Mary Elbe Queiroz 

Advogada sócia do Escritório Queiroz Advogados Associados.

Pós–Doutoramento em Direito Tributário – Universidade de Lisboa – Portugal.

Doutora em Direito Tributário (PUC/SP).

Mestre em Direito Público (UFPE).

Especialização em Direito Tributário – Universidade de Salamanca - Espanha e Universidade Austral - Argentina.

Presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários – IPET – Recife/PE.

Presidente do Conselho de Notáveis do Instituto de Juristas Brasileiras – IJB.

Presidente no Estado de Pernambuco e Membro Titular Imortal da Academia Nacional de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais – ANE.

Ex-consultora do grupo de Reforma Tributária da Confederação Nacional do Comércio -CNC.

Membro do Conselho da Mulher da Associação Comercial de Pernambuco.

Membro do Grupo Mulheres do Brasil.

Professora.





 





Editorial do Estadão - O crime organizado se infiltra na política

 Revelada pelo Estadão, a presença da “dama do tráfico amazonense”, Luciane Barbosa Farias, mulher de um dos líderes do Comando Vermelho, em reuniões no Ministério da Justiça e Segurança Pública explicita não apenas um sério descuido na triagem de quem tem acesso à administração federal, mas desvela uma realidade ainda mais grave e perigosa: os esforços do crime organizado em se aproximar da política e interferir nela; numa palavra, em fazer política. 


Condenada em segunda instância a 10 anos de prisão – e recorrendo em liberdade –, Luciane Barbosa Farias apresentou-se em Brasília como presidente de uma associação, criada no ano passado, para defender os direitos dos presos. Segundo a Polícia Civil do Amazonas, a entidade é financiada com dinheiro do tráfico de drogas, atuando em benefício de detentos ligados ao Comando Vermelho.


O Estadão apurou que Luciane Barbosa Farias costumava circular em Brasília com Janira Rocha, ex-deputada estadual do PSOL-RJ condenada em 2021 sob a acusação de “rachadinha” e que também teria relações com o Comando Vermelho. Segundo a polícia, foram encontrados recibos de transferências financeiras da facção para Janira Rocha, realizadas dias antes da primeira reunião no Ministério da Justiça.


Tudo isso suscita especial preocupação. O atrevimento do crime organizado tem produzido não apenas ações cada vez mais aterrorizantes, como as ocorridas no Rio de Janeiro no mês passado, com a queima de 35 ônibus. À luz do dia, os criminosos estão agindo para se aproximar do poder estatal e, assim, interferirem em políticas públicas.



Trata-se de um patamar inédito de risco para a população e as instituições. Não é mais apenas o desafio de o poder público combater a criminalidade, com cada um – Estado e bandido – atuando a partir de seus respectivos papéis. Está em curso uma tentativa de inversão de funções. Os grupos criminosos querem participar de reuniões no Ministério da Justiça. Ou seja, não é “apenas” a população que é atacada e se vê exposta aos riscos da ação dos criminosos. Eles querem minar e subverter as próprias instituições que têm o dever de enfrentá-los.


Talvez nada disso seja completamente novo. A política sempre teve um pé no crime, especialmente em algumas regiões do País. No entanto, o que assusta no fenômeno atual são os novos patamares de ousadia das facções criminosas e de tolerância das autoridades. Está ficando cada vez mais difícil distinguir quem está do lado da lei e da população e quem é bandido. No governo passado, por exemplo, eram notórias as ligações de alguns de seus integrantes com milicianos.


Nesse cenário, há um dado que merece especial atenção. As facções criminosas vêm atuando politicamente sob o nome de entidades civis de fachada, em suposta defesa de causas sociais. Isso é um grave risco para o regime democrático. Sem saber, o poder público, que é o responsável por combater a criminalidade, pode estar contribuindo com os interesses de criminosos – o que seria inconstitucional e ilegal, além de evidente contrassenso. É necessário impedir que grupos criminosos se utilizem do Estado para suas ações.


Ao mesmo tempo, essa atuação das facções por meio de supostas ONGs pode colocar muitas entidades sérias sob uma nuvem de suspeita, levando a uma injusta criminalização de suas atividades. É preciso diferenciar o que é a necessária participação da sociedade na política civil e o que é atuação criminosa disfarçada de interesse social.


O problema, portanto, é muito mais sério do que eventual conivência de alguns integrantes do governo Lula com organizações criminosas, o que já seria extremamente grave e demanda investigação. As instituições republicanas estão sob ataque do poder do crime. Não só com bombas e explosivos, mas com uma arma ainda mais deletéria: as facções criminosas utilizam-se enganosamente dos caminhos democráticos de representação e de participação popular para impor suas pretensões. Não cabe tolerância com tamanha e descarada afronta à paz e à cidadania.