Na minha adolescência - fase da vida que nós, sexagenários, chamamos de “juventude” - o saudosismo dentro de casa causava bocejos. Ouvir os mais velhos recordando causos “dos bons tempos” contrastava com a nossa ansiedade e pressa “de ficar grande”, ou seja, de nos tornarmos adultos.
Hoje com frequência me pego recordando episódios, amigos e façanhas forjadas pela parceria com companheiros de vida. Meu pai, o velho Giba, foi vereador em 1968. Foi o início de uma carreira política promissora. Quis o destino que aos 52 anos, fulminado por um infarto em Tramandaí, ele nos deixasse órfãos do seu saber.
Em pleno período eleitoral de 2024, reminiscências das campanhas eleitorais vividas na colônia afloram. Vivi intensamente os comícios em armazéns, salões de baile e bares, com liquinhos pendurados no teto. Hoje, o poder econômico é onipresente.
Não curto a ilusão de que naqueles tempos não havia desonestos, antiéticos, “falcatruas” e até eleitores que vendiam o voto por uma dentadura, um terno de camisetas. Mas a força financeira era detalhe. Gastava-se muito dinheiro, mas depois da disputa, na compra de toneladas de carne e milhões de litros de cerveja. Para comemorar ou para afogar as lágrimas.
Os tempos são outros. Não há lugar para romantismo e
fidelidade no amor e no casamento. Porque soa piegas
A vida política cobra um preço alto de seus protagonistas. Com o tempo muitos perdem a família porque os momentos para comemorar aniversários ou apenas fazer um prosaico churrasco nos finais de semana é impossível. Não raro, casamentos se desfazem, filhos se afastam, o caos se instala.
Muito políticos acabam falidos. Falta tempos para cuidar dos negócios. Por vezes são roubados pelos sócios ou veem as finanças dilapidadas. Acabam a vida na miséria ou mendigando cargos de confiança com salários irrisórios.
Outra perda previsível são os amigos. Manter confrarias, jogar futsal, pescar ou caçar ou apenas reencontrar os parceiros com frequência é impossível. Se o político privilegiar família, negócios ou amigos, é taxado de político “copa do mundo”, o cara que só aparece “nas bases” a cada quatro anos para pedir votos.
O profissionalismo das campanhas políticas, onde as redes sociais prevalecem sobre o corpo-a-corpo, tirou muito do tempero humano. O que se vê, hoje, é “leilão por apoio”. Um deputado, que se tornou amigo, dizia:
- A gente passa três anos e meio ajudando, dando apoio, conseguindo verbas e auxílios, mas basta outro candidato aparecer e oferecer 100 reais a mais que o cara “se vende”.
Os tempos são outros. Não há lugar para romantismo e fidelidade – no amor e na política – soa piegas. Candidatos e eleitores têm culpa. Um tenta iludir, o outro é venal. Desculpem a crise de saudosismo. São lembranças dos “bons tempos”.