Corajoso discurso de Miguel de Unamuno em defesa da
autonomia da Universidade em plena Guerra Civil Espanhola.
Acredito que
este texto seja oportuno no atual momento do Brasil, em que as universidades e
suas autoridades estão longe de desempenhar o papel que delas e deles se
esperava, em razão de suas relações de alinhamento político com o governo
federal.O texto relata o último discurso de Miguel de Unamuno, então reitor da
Universidade de Salamanca (Espanha) numa sessão comemorativa realizada no salão
nobre.
Salamanca se
encontrava em territóriodominado pelos nacionalistas de Franco e,para aquela
sessão universitária, um público formadopor falangistas havia sido organizado
para impedir o sucesso do evento.
Era 12 de
Outubro de 1936, comemorava-se a descoberta da América por Colombo como o “dia
da raça”.
Encontravam-se no grande hall da
universidade várias autoridades e intelectuais.Lá estavam o bispo de Salamanca
e o famoso general nacionalista MillánAstray, criador e comandante da Legião
Estrangeira da Espanha, que se distinguira nas colônias africanas e depois na
Espanha, por sua sanguinária crueldade com a população civil.
MillánAstray,
cujo próprio nome despertava medo, era cego de um olho usava um tapa-olho,
tinha apenas um braço e o outro terminava com uma mão mutilada nos dedos.
Havia uma tensão quase elétrica na solenidade. O reitor
da Universidade, Miguel de Unamuno, o grande filósofo basco, símbolo da geração
de 1898, conservador e humanista cristão faria o discurso principal, frente
a MillánAstray, o general que há pouco abrira mão de competir pelo comando das
forças nacionalistas em favor de Franco.
Foi ali,
naquele 12 de outubro de 1936, que o histórico confronto entre o intelectual,
reitor, humanista e o selvagem general, que criara para seu regimento o
execrável grito de guerra“Viva la muerte”, ocorreu.
Começada a
cerimônia, os oradores atacaram os republicanos, o nacionalismo Basco e Catalão
e, com entusiasmo, saudaram o fascismo que, segundo eles iria exterminar a
ambos os nacionalismos anti falangistas.
No fundo do
salão um homem gritou o lema da Legião “Viva la muerte”. A seguir MillánAstray
berrou “Espanha” e a resposta se fez ouvir “Uma”; Millán gritou novamente
“Espanha” e seus simpatizantes gritaram “Grande”; por fim Millán
novamente gritou “Espanha” e veio a resposta “Livre”.
Vários
falangistas (franquistas) em suas camisas azuis fizeram então o gesto da
saudação fascista para o retrato de Franco, que estava pendurado na parede.
Unamuno então
se ergueu para encerrar a sessão dizendo:
“Todos vocês estão aguardando minhas palavras. Vocês me
conhecem e sabem que eu sou incapaz de permanecer em silêncio. Há momentos em
que ficar em silêncio é mentir. Pois o silêncio pode ser interpretado como
aquiescência.
Eu quero então
comentar o discurso – se é que pode assim ser chamado – do Prof. Maldonado.
Deixemos de lado a afronta pessoal expressa na súbita explosão de vitupérios
contra Bascos e Catalãos. Eu mesmo nasci em Bilbao; o bispo (Unamuno apontou
para o prelado que tremia, sentado ao seu lado) queira ele ou não, é um Catalão
de Barcelona.”
Millán-Astray
- que odiava Unamuno - começou a gritar: «Posso falar? Posso falar?». E, em
altos brados, reforçou: «A Catalunha e o País Basco são dois cânceres no corpo
da nação! O fascismo, remédio da Espanha, vem para exterminá-los cortando na
carne viva como um frio bisturi!». Alguém do público tornou a gritar «Viva a
morte!»
Unamuno fez
uma longa pausa. Caíra um silêncio apavorado. Ninguém ousara até então a fazer
um discurso como este em pleno território da Espanha nacionalista.Menos ainda
na presença de um general da fama de MillánAstray.
O que o reitor
diria a seguir?
“Agora mesmo ouvi um grito necrófilo e insensato, ‘Viva a
morte’. Eu devo dizer-lhes que considero este esdrúxulo paradoxo repelente. O
General Astray é um aleijado, que isso seja dito sem nenhum sentido pejorativo.
Ele é um inválido de guerra. Cervantes também era. Infelizmente há demasiados
aleijados na Espanha agora. Entristece-me pensar que o general Millán Astray
venha ditar o padrão da psicologia de massas. Um aleijado que não possui a
grandeza espiritual de um Cervantes acostuma-se a buscar alívio produzindo
mutilados em volta dele.”
Neste momento
Millán era incapaz de conter-se por mais tempo: “Mueranlosintelectuales; Viva
lamuerte” gritou para o aplauso dos falangistas. Unamuno continuou:
“Estamos no templo do intelecto. E nele eu sou o sumo
sacerdote. São vocês que profanam esses espaços sagrados. Vocês vão vencer, por
que têm mais que o necessário de força bruta. Mas vocês não convencerão. Pois
para convencer é preciso persuadir. E para persuadir vocês necessitarão o que
não têm: razão e justiça na luta. Eu considero fútil exortá-los para que pensem
na Espanha. Eu o fiz.”
Unamuno é um
símbolo do que se espera de um reitor desta sagrada instituição milenar – a
Universidade. É lamentável que, não tendo meios para se defender, a
Universidade dependa de suas autoridades internas para protegê-las, as quais,
não poucas vezes as entregam aos poderosos de plantão.
O final da
história faz justiça a Unamuno e sua visão de universidade. Terminado o
discurso, os falangistas e franquistas se aproximaram da plataforma aos gritos
e fazendo ameaças.
O segurança de
MillánAstray apontou sua metralhadora para Unamuno. Dona Carmen de Polo Franco,
esposa de Franco, aproximou-sede Unamuno e insistiu que o reitor lhe desse o
braço. Ele o fez e os dois lentamentese afastaram.
Foi o último
discurso de Unamuno. À noite foi jantar no clube de Salamanca de que era
presidente. Os membros do clube ‘seus amigos’ começaram a gritar “Fora”,
“traidor”. Um dos membros, falando supõe-se em nome dos demais lhe disse: “Você
não devia ter vindo aqui Don Miguel. Nós lamentamos o que aconteceu hoje na
Universidade, mas assim mesmo você não devia ter vindo.”
Unamuno
afastou-se com seu filho. Passados alguns dias o Senado da Universidade
‘solicitou’ seu pedido de renúncia como reitor.
No último dia
de 1936, dois meses depois do discurso, Miguel de Unamuno morre.
Emocionante e oportuna lembrança, diante da universidade barsileira tomada pela esquerda neocomunista.
ResponderExcluirParabéns professor Ferraz!
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