Calibrar a torneira do cofre vai doer!
HELDER CALDEIRA, Escritor.
www.heldercaldeira.com.br – helder@heldercaldeira.com.br
*Autor dos livros “Águas Turvas”, “O Eco”, “Pareidolia
Política”, entre outras obras.
A aprovação da PEC que cria um teto de gastos para o
orçamento público nos próximos 20 anos é importantíssima. Ao longo do tempo
ficarão defasados os orçamentos da Educação, da Saúde, da Assistência Social,
da Cultura e congêneres? Sim, é um fato. Mas, o “freio de arrumação” tornou-se
indispensável para os saqueados cofres dos pagadores de impostos. Afinal,
dinheiro não brota do chão e não atende ao onírico fenômeno da multiplicação
sem que lhe seja dedicada uma ação real e efetiva.
Em princípio, e para bem do argumento, é fundamental
esclarecer: reduzir salários de deputados, de governadores, de ministros, de
procuradores, o número de cargos comissionados, de mordomias e regalias, não
causa grande impacto nas contas de um Município, de um Estado ou do País. É
apenas o “bom exemplo” que se espera dos gestores públicos, o “gesto positivo”,
a “ação afirmativa” de imenso valor neste nosso tempo de miséria deflagrada. E
só. Não vai além do símbolo, infelizmente. Dói ler isso, não é?! Também dói
escrever. Mas, é uma verdade matemática.
O real dilema das contas públicas brasileiras é o enorme
peso que o Estado tem na vida da sociedade. O impacto do aporte de recursos
governamentais na economia deste país é algo insólito. A expressiva maioria das
ditas “grandes empresas brasileiras” só sobrevive a expensas de dinheiro
estatal. É bizarro!
Observe o caso das empreiteiras. Geram centenas de
milhares de empregos, executam obras de enorme envergadura e movimentam bilhões
de Reais anualmente. No entanto, flagrante delito, quando a fonte estatal ficou
rala por conta das investigações da Operação Lava-Jato e seus “filhotes”, todas
as grandes empreiteiras assistiram ao fluxo de caixa tornar-se um mar vermelho,
ou foram obrigadas a pedir recuperação judicial, ou literalmente declararam
falência. Noutras palavras, sem dinheiro dos cofres públicos não são capazes de
sobreviver à luz do dia.
Em mesma lógica beócia, no último século (e especialmente
na última década), o Estado tratou de fomentar a criação dos “campeões
nacionais”, formado pelo seleto grupo de “amigos do rei”, com acesso
indiscriminado ao Tesouro Nacional e ampla disposição para eliminar do mercado
seus concorrentes e divergentes. Basta observar o que aconteceu na indústria da
carne. Pequenos e médios frigoríficos foram à bancarrota após a “glória” de um
grupo embrenhado no universo político. Com sucessivos — e confidenciais —
empréstimos do BNDES, via Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, o grupo
aniquilou seus concorrentes, comprou a maioria dos frigoríficos menores no
interior do país e dominou o mercado. Alguns anos depois da eliminação da
concorrência, o preço da carne disparou. Coincidência? Óbvio que não!
Dinâmica idêntica é vista na indústria calçadista, nos
cartéis de postos de combustíveis, no mercado automotivo, na produção de
eletrodomésticos, na proliferação de instituições privadas de ensino, nos
veículos de comunicação e na Cultura. Vide as famigeradas “Leis de Incentivo”.
Se por um lado elas estimulam o crescimento de determinados setores e são
essenciais para quem delas faz bom uso, por outro lado fecham a tampa da
panela, não são transparentes, desvirtuam objetivos legítimos (tornando-os
duvidosos) e, no limite, findam por não atender às crescentes demandas de um
Brasil com dimensões continentais propositalmente não avistadas.
Estabelecer um limite de gastos, calibrar a vazão da
torneira, não será exercício fácil. Cumpre reiterar: serão duas décadas
dolorosas. Espera-se, ao menos, que sejam didáticas. Sabe aquela velha lição de
fechar a torneira enquanto estiver escovando os dentes? É basicamente isso:
fechemos as torneiras dos cofres públicos enquanto a Lava-Jato tenta limpar a
imundice deixada pelas fenomenais estrelas da pilantragem nacional.
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