Às vésperas do incêndio
Ricardo Noblat
Fica combinado assim: anistia-se quem cometeu crime de
caixa dois – a doação e o uso de dinheiro não declarado à Receita e à Justiça
para financiar campanhas eleitorais.
Anistia-se também quem cometeu o crime de lavagem de
dinheiro. E para que não reste brecha, anistia-se quem cometeu crime de
corrupção. Que tal?
É isso o que a Câmara dos Deputados ameaça aprovar, se
possível, ainda esta semana.
Lamentam os que desejam anistia para seus crimes que ela
não tenha sido aprovada na semana passada. Teria provocado a ira da opinião
pública? Certamente.
Mas nada que não pudesse ser aplacado em seguida pela
onda de satisfação que se levantou no país com a prisão num período de 24 horas
de dois ex-governadores do Rio de Janeiro - Sérgio Cabral e Garotinho, acusados
de corrupção.
Admitamos: nunca antes na história do Brasil, dois
ex-governadores do segundo mais importante Estado do país foram postos no xilindró
e submetidos às mesmas regras que ditam a vida dos demais presos.
É verdade que Garotinho acabou enviado a um hospital por
causa de uma artéria entupida. Mas se ficar bem, poderá mais adiante ir para
Bangu 8, o mesmo destino de Cabral.
A observar no caso da prisão dos dois, o esculacho ao
qual sempre estão sujeitos os mais notáveis suspeitos ou condenados por crimes
em geral.
O transporte de Garotinho para o presídio foi filmado em
seus mais dramáticos detalhes. Mal Cabral deu entrada ali, fotos dele com a
cabeça raspada já circulavam nas redes sociais.
A privacidade é um direito assegurado a todos por lei,
até mesmo a bandidos.
Às favas todas as leis que obriguem os políticos a se por
de acordo com o Novo Estado esboçado pela Lava-Jato com amplo apoio popular. É
o que eles desejam.
Chamo de Novo Estado para não remeter ao Estado Novo de
Getúlio Vargas, de tristes e de tão amargas lembranças. A sociedade de junho de
2013, das gigantescas manifestações de ruas pelo impeachment, só tem feito
avançar.
Deixou para trás empresários e políticos do Estado em
ruína, do capitalismo de laços que resiste a sair de cena para dar lugar a um
Estado capitalista baseado na livre competição.
A corrupção não deixará de existir uma vez que se faça
tal passagem. Mas ela será menor se comparada ao seu tamanho atual. Os
empresários e políticos do regime ancião estão na contramão da História.
O governo Michel Temer é um paradoxo. Ao mesmo tempo em
que se oferece como “uma ponte para o futuro” é formado por legítimos representantes
de um passado que pretende apagar.
Se não apagar por impossível, relegar a um plano
subalterno onde poderia ser estudado pelos interessados em pesquisar e
compreender melhor os vários estágios da evolução de um povo.
Estabelecer um teto para gastos públicos; resgatar a lei
de responsabilidade fiscal; reformar a Previdência, a legislação trabalhista e
a Política; com tudo isso e mais alguma coisa acena o governo de Temer, refém
do estilo excessivamente conciliador do seu titular, das angústias que o fazem
hesitar ou retroceder muitas vezes, e de um sistema político apodrecido.
Neste mesmo governo, um ministro vai às compras, faz
advocacia administrativa a favor de um empreendimento imobiliário, é denunciado
por outro ministro que se demite, e vira alvo de investigações no Congresso.
Temer, o Senhor Prudência, brinca com fogo às vésperas de
novas revelações que poderão incendiar boa parte da República.
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