TITO GUARNIERE
CONVICÇÃO E RESPONSABILIDADE
É preciso um irrefreável facciosismo para ver culpa no
presidente Michel Temer (PMDB) no episódio meio escabroso, em que um ministro
dá uma de coronel do sertão baiano e pressiona um colega de ministério, a
respeito de um problema de interesse pessoal. Está mais do que claro: o
presidente intervém com o objetivo claro de arbitrar a desavença, visando
acomodar os ânimos, e propondo levar a pendência a uma outra (e pertinente)
instância, a Advocacia Geral da União.
Os dois volumes já publicados de “Os Diários da
Presidência”, de Fernando Henrique Cardoso, relatam casos e casos de diferenças
entre ministros e auxiliares. Os governantes têm horror a essas disputas - às
vezes só de “beleza” - porque brigas internas sugerem falta de comando, de
coesão e unidade do governo, desgastam-no e, no limite, degeneram em crise. Por
isso os governantes param tudo para desfazer (ou esconder) uma encrenca
interna. Nenhum governante - nem mesmo se Diogo Mainardi fosse presidente -
demitiria Geddel ao primeiro impacto da notícia que gerou o evento.
Geddel avançou o sinal desde o começo, e foi ao ponto
insólito de levar ao presidente uma demanda de caráter pessoal. Temer tinha
bons motivos para se esquivar do assunto incômodo. Mas definitivamente não é o
seu estilo. Amigo de Geddel há mais de 20 anos, adepto das soluções mediadas,
avesso a gestos bruscos, achou que resolveria a parada com uma boa conversa. Se
deu mal, sobrou para ele.
Esse rapaz, Marcelo Calero, que é diplomata de carreira,
também deu vexame. Faltou-lhe equilíbrio emocional e habilidade para afastar a
pressão de Geddel. Havia meia dúzia de formas de fazê-lo sem traumas. Não tinha
estofo para ser ministro – embora, neste caso, a conta deva ser apresentada a
Temer, que o nomeou. Mas como prever que um caso tão reles pudesse balançar o
governo?
Estamos diante da velha questão que contrapõe a ética da
convicção à ética da responsabilidade, como em Maquiavel e Weber. Calero agiu
ao impulso da ética da convicção - foi às últimas consequências diante do que
lhe pareceu um incontornável ato ilícito. (Embora gravar o presidente tenha
sido um ato vil até para o mais obsessivo adepto da ética da convicção). Mas
foi completamente infantil no que se refere à ética da responsabilidade.
Temer, de sua vez, foi complacente com a ética da
convicção. Mas fez o certo no domínio da ética da responsabilidade: há matérias
mais importantes em jogo, de interesse do País, do que conflitos mal resolvidos
entre dois auxiliares. O governo precisa tomar decisões, aprovar a PEC do Teto
dos Gastos, ir em frente.
E Geddel, o ministro sem noção, esse atropelou a ética da
convicção e a ética da responsabilidade. Melhorou um pouco no fim, quando disse
à saída: “se eu for o problema (e era!), então está resolvido”.
Mas não há que falar em impeachment, como querem alguns
apressadinhos, diante do episódio vulgar. Inclusive porque não se consumou a
bandalheira e porque tudo terminou com a renúncia do ministro sem noção. Como
disse uma vez Talleyrand: “mais do que um crime, foi um erro”.
titoguarniere@tyerra.com.br
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