Dora Kramer: O abuso das autoridades
Abuso de autoridade pronto e acabado ocorreu no
Congresso. Ou não é um abuso inverter o espírito das propostas de combate à
corrupção?
Por: Augusto Nunes 04/12/2016 às 19:01
Publicado no Estadão
Diante da inversão de valores perpetrada pela Câmara na
retaliação da proposta das medidas de combate à corrupção e da tentativa do réu
que preside o Senado de votá-la de afogadilho na Casa revisora, é de se
perguntar qual é a parte do repúdio social a manobras espúrias que Suas
Excelências ainda não entenderam.
Hoje estão marcados protestos cuja motivação mais forte
reside nas recentes atitudes do Congresso. A pauta é dispersa, embora o recado
da sociedade seja claro: “Não me enganem, porque definitiva e claramente eu não
gosto”. Retrato disso foi o contraste entre a animosidade latente contra o juiz
Sérgio Moro na Mesa Diretora e a calorosa recepção dada a ele por parte de
funcionários do Senado quando do debate, no plenário, sobre a Lei de Abuso de
Autoridade.
Na rua, ocorre do mesmo modo. Só que lá o juiz (para além
da figura de Moro) é tratado também com apreço e os políticos com menosprezo. O
paradoxo é estes dependem de votos para seguir na carreira, mas são aqueles
(magistrados, promotores, procuradores e policiais) os que falam o idioma da
legalidade, valor finalmente em alta na sociedade brasileira.
Em baixa na opinião do público o Congresso está faz
tempo. O dado novo é a manifestação coletiva da condenação aos atos cometidos
no ambiente legislativo, justamente o que abriga representantes da população,
cujo dever de ofício deveria ser o de zelar pelos interesses dos brasileiros,
senhores de seus mandatos.
A Câmara e o Senado vêm de um processo legal e legítimo
de impeachment presidencial, mas em nenhuma das duas Casas prepondera a
compreensão de que a convergência com a posição da maioria expressa nos
protestos contra os governos do PT e confirmada pelas pesquisas de opinião não
dá ao Parlamento um salvo-conduto para atuar ao seu bel-prazer sem ser importunado.
Ao contrário: o conjunto de razões pelas quais deputados
e senadores afastaram do poder o grupo liderado de direito por Dilma Rousseff e
de fato por Luiz Inácio da Silva, os obriga a seguir o padrão de exigência
aplicado para sustentar o afastamento. O grupo que assumiu o governo, aí
incluídos os congressistas aliados, não pode dar-se ao desfrute de adotar o
lema “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. O mesmo aplica-se ao PT
que agora de volta à oposição atua como se nada tivesse a ver com o poço fundo
em que jogou o País.
Suas Excelências abusaram e se lambuzaram. Aqueles
recentemente apeados do poder, no assalto ao Estado. Seus substitutos, na
agressão à paciência e à capacidade de discernimento dos cidadãos. À exceção de
um e outro exagero – imediatamente apontados ou corrigidos – os responsáveis
pelas investigações e condenações em curso até agora se mantiveram nos padrões
da lei, conforme atesta o aval dos tribunais superiores à quase totalidade das
ações.
Abuso de autoridade pronto e acabado ocorreu no Congresso
e, em vários momentos, no Executivo. Ou não é um abuso inverter o espírito das
propostas de combate à corrupção para aprovar medidas em defesa de corruptos e
de ataque aos encarregados de investigá-los? Ou não se configura um abuso da
investidura do cargo o réu que preside o Senado comandar manobra para aprovar a
lambança tal como saiu da Câmara de maneira açodada a fim de dar o fato como
consumado?
Congressistas falaram de corda em casa de
enforcado, acabaram por enrolar os respectivos pescoços ao atiçar a população e
alimentar a motivação aos protestos marcados para hoje e tornarem-se alvo
principal das manifestações. A depender da amplitude e densidade da grita
geral, nossas autoridades legislativas terão dado tiros que saíram pela culatra
para se alojar no coração do Parlamento
Nenhum comentário:
Postar um comentário