Entrevista - Gustavo Grisa : “Nos últimos 8 anos, deu
tudo errado para o RS”.
O editor pediu para o economista Gustavo Grisa, autor do
livro RS - Sem Medo do Futuro, analisar a repercussão da capa da Revista Veja
da última semana. Grisa é sócio da consultoria Agência Futuro, consultor de
projetos de desenvolvimento e inovação de políticas públicas em todo o
Brasil. Dentre outros destaques, alertou, em 2013, para a crise econômica que
estava se instalando no País.
P - Em 2009, o Sr. já em seu livro alertava que, em dez
anos, se um conjunto de iniciativas estratégicas não acontecessem, o Estado se
encontraria em uma situação extremamente crítica. Chegamos lá? É o fundo do
poço?
G - Infelizmente, sim. O que acontece confirma o
pior cenário que pudéssemos imaginar há cerca de uma década atrás, quando
estávamos em meados de um governo que propunha uma agenda reformista, e havia
uma cultura de que o RS poderia seguir uma agenda pragmática e efetiva para o
seu futuro.
P - Como avalia a situação do Estado? O que é causa, e o
que é consequência?
As dificuldades não são desculpa para o descompasso
estratégico. Em primeiro lugar, é possível, se pesquisarmos, encontrarmos
matérias do final da década de 1970 alertando para a “crise das finanças
gaúchas”. A palavra-chave, como já disse diversas vezes, é
procrastinação. Desde o Plano Sayad, em 1985, que planos são elaborados e
deixados para implementar amanhã, em uma preguiça que mantém os corporativismos
intocados e perpetua mediocridades.
Se some a isso um “deslocamento” crescente do eixo
cultural-econômico-estratégico do País, ao Porto Alegre não mais se configurar
em um polo regional de nível nacional. O Sul do Brasil virou multipolo. Se some
a isso uma política nacional durantes os governos Lula e Dilma que foram muito
desfavoráveis aos Estados mais industrializados.
P - Onde fica a responsabilidade dos governadores?
G - Aos que dizem que governos do Estado e a gestão
política não fazem diferença, peço para analisarem o fracasso dos três últimos
governos que passaram no Estado, inclusive o atual, e que já herdaram essa
trajetória difícil. O governo Yeda trouxe uma agenda correta, adequada
para o momento, mas falhou em implementar, construir apoios, articular um
legado - suas ações foram descontinuadas; o governo Tarso era confuso do ponto
de vista temático e de prioridades, e fazia apologia do “déficit spending”, ou
seja, de uma visão de que o Estado pode e até deve gastar mais do que arrecada.
E exerceu essa visão, agravando a situação financeira. O de Sartori é
marcado pela inércia, por um vácuo e por um antimarketing do Estado sem precedentes,
ao vir a público admitir a falência do Estado e a inexistência de uma
estratégia articulada.
P - Mas é a crise financeira que paralisa o Estado?
G - É a convivência de um grande problema de gestão,
e um grande problema econômico. E os dois são retroalimentantes, ou seja, causa
e consequência um do outro. Um exemplo claro é a nossa educação: não
conseguimos mais saltos de produtividade, e temos até uma deterioração da
consciência política devido à falta de qualidade na nossa educação, fruto claro
da falta de investimentos e sucateamento da educação pública no Estado nos
últimos 40 anos. Temos uma geração que hoje são os recursos humanos do Estado
que recebeu uma educação já muito deficiente, e atualmente, a coisa está
piorando, em vez de melhorar. Aí estouram as instituições, a segurança
pública...
P - O que é possível fazer, ou reverter?
G - Acho que devemos ser mais pragmáticos, e menos
sonhadores nesse aspecto. Estamos ainda longe de um cenário de terra arrasada
total. Se o Estado entrasse em um ciclo de um ou dois governos mais efetivos em
conseguir debelar ou reverter a crise financeira e criar maior atratividade
econômica, o RS ainda tem força de reação. É uma crise de liderança, é
uma crise de convergência, e há uma mudança geracional que ainda não aconteceu.
Ainda somos governados por quadros que advém da época da ditadura militar.
E nossa classe empresarial tradicional tem sido dizimada pela baixa
competitividade do Estado, o que leva à venda de ativos, em vez de
empresários de peso temos “famílias ricas” e um esvaziamento da inteligência e
influência do RS. Mas há como recuperar.
P- Qual o caminho?
G - Principalmente, criar melhores alternativas de
liderança, melhorar o nível dos debates, e votar melhor. Parar de compactuar
com propostas que trazem “mais do mesmo” ou mero populismo genérico, pois esse
mundo está mudando há mais de 20 anos e existem, sim, muitas
possibilidades de inovações institucionais se houver governança e qualificação
para tal. Mas precisamos parar de fugir dos remédios mais amargos e do medo de
enfrentar corporações.