Sérgio da Costa Franco: voto nulo: um protesto inútil
Historiador, procurador de Justiça aposentado
A idade avançada tem inúmeros inconvenientes que me
dispenso de enumerar, porque são conhecidos de todos. Mas também oferece a
vantagem de trazer-nos à mão uma bagagem de informações e de lembranças que faz
muita falta aos mais jovens.
Nas eleições municipais, ainda pendentes de um segundo
turno, uma corrente expressiva de opinião, assaltada pelo desencanto, optou
pela abstenção ou pelo voto nulo, na crença vã de que tal forma de protesto
político pudesse ter milagrosa eficácia. Uma velha experiência nos ensina que
as omissões e a abstenção não geram fatos nem produzem quaisquer efeitos, além
de umas manchetes na mídia e alguns comentários de colunistas com escassez de
assunto. A História, recente ou remota, está recheada de exemplos. A abstenção
da oposição venezuelana contra Chávez permitiu que este elegesse uma Assembleia
Constituinte quase unânime, que abriu caminho à degradação constitucional e à
instalação de uma tirania legislativa que até agora está oprimindo a maioria da
população.
Mas a memória me faz recuar ao Brasil de 1970, quando a
ditadura militar se tornara escancarada depois do Ato Institucional n° 5, com a
supressão dos partidos antigos e a criação de dois novos, "para inglês
ver", a fim de simular perante o mundo a sobrevivência da democracia.
Entre os que se opunham ao regime militar, o clima era de desespero: pareciam
fechados todos os caminhos para o resgate das liberdades e a restauração dos
direitos políticos. Alguns optaram pelo caminho, sem volta, da violência
armada. Outros — a grande maioria —, optaram pela paciente espera por melhores
dias e pelo uso das frestas que o autoritarismo deixara ainda abertas ou
esquecera de fechar aos seus opositores. Foi assim que o MDB, recém nascido
para exercer a oposição, teve de enfrentar as eleições legislativas de 1970.
Uma forte corrente defendia, então, o voto nulo ou branco como instrumento de
protesto, mas não alcançou senão 15% dos sufrágios. O suficiente, entretanto,
para dar a vitória, no Estado, ao partido oficial, a Arena, que levou Tarso
Dutra e Daniel Krieger ao Senado. O pífio protesto da abstenção resultou em
vitória da ditadura.