67 dias e 67 noites de uma delação
Dezessete de maio de 2017, aniversário de 12 anos de um
dos meus filhos -que deixaria a escola e sairia do país a meu pedido-, foi
também o dia do meu renascimento. Senti-me um novo ser humano, com valores,
entendimento e coragem para romper com elos inimagináveis da corrupção
praticada pelas maiores autoridades do nosso país.
Em vez de comemorar seu aniversário, minha filha
juntou-se a milhões de brasileiros que tomavam conhecimento de episódios de
embrulhar o estômago. Naquele dia vazou para a imprensa o conteúdo do acordo de
colaboração premiada que havíamos assinado com a Procuradoria-Geral da
República. Confesso que minha reação foi de medo, preocupação e angústia.
Afinal, uma semana antes estivera em audiência no Supremo
Tribunal Federal para cumprir os ritos necessários à homologação do acordo. Era
essa a notícia que eu estava ansiosamente aguardando, não a do súbito
vazamento.
Desde então, vivo num turbilhão para o qual são
arrastadas minha família, meus amigos e funcionários.
Imagens minhas e da minha família embarcando num avião,
tiradas do circuito interno do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foram
exibidas na TV, como se estivéssemos fugindo. Um completo absurdo.
Políticos, que até então se beneficiavam dos recursos da
J&F para suas campanhas eleitorais, passaram a me criticar, lançando mão de
mentiras. Disseram, por exemplo, que, depois da delação, eu estaria flanando
livre e solto pela Quinta Avenida, quando, na verdade, nem em Nova York eu
estava.
Para proteger a integridade física da minha família,
decidi ir para uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos, longe da
curiosidade alheia. Nessa altura, porém, eu já havia sido transformado no
inimigo público número um, e nada do que eu falasse mereceria crédito.
Minha exata localização nem seria assim tão relevante, a
não ser por revelar uma estrutura armada com o objetivo de transformar a realidade
complexa, plena de nuances, num maniqueísmo primário, em que eu deveria ser o
mal para que outros pudessem ser o bem.
Mentiras foram alardeadas em série. Mentiram que durante
esse período eu teria jantado no luxuoso restaurante Nello, em Nova York;
mentiram que eu teria viajado para Mônaco a fim de assistir ao GP de Fórmula 1;
mentiram que eu teria fugido com meu barco.
A lista das inverdades não parou por aí. Mentiram que eu
estaria protegendo o ex-presidente Lula; mentiram que eu seria o responsável
pelo vazamento do áudio para imprensa para ganhar milhões com especulações
financeiras; mentiram que eu teria editado as gravações.
Por fim, a maior das mistificações: eu teria estragado a
recuperação da economia brasileira, como se ela fosse frágil a ponto de ter que
baixar a cabeça para políticos corruptos.
De uma hora para outra, passei de maior produtor de
proteína animal do mundo, de presidente do maior grupo empresarial privado
brasileiro, a "notório falastrão", "bandido confesso",
"sujeito bisonho" e tantas outras expressões desrespeitosas.
Venderam uma imagem perfeita: "Empresário
irresponsável e aproveitador toca fogo no país, rouba milhões e vai curtir a
vida no exterior".
A única verdade que sei é que, desde aquele 17 de maio,
estou focado na segurança de minha família e na saúde financeira das empresas,
para continuar garantindo os 270 mil empregos que elas geram.
Por isso, demos início a um agressivo plano de
desinvestimento que tem tido considerável êxito, o que demonstra a qualidade da
equipe e das empresas que administramos.
De volta a São Paulo, onde moro com minha mulher e meus
filhos, vejo na imprensa políticos me achincalhando no mesmo discurso em que
tentam barrar o que chamam de "abuso de autoridade".
Eles estão em modo de negação. Não os julgo. Sei o que é
isso. Antes de me decidir pela colaboração premiada, eu também fazia o mesmo.
Achava que estava convencendo os outros, mas na realidade enganava a mim mesmo,
traía a minha história, não honrava o passado de trabalho da minha família.
Poucos mencionam a multa de R$ 10,3 bilhões que pagaremos,
como resultante do nosso acordo de leniência. Essa obrigação servirá para que
nossas próximas gerações jamais se esqueçam dessa lição do que não fazer.
Não tenho dúvida de que esse acordo pagará com sobra
possíveis danos à sociedade brasileira.
Hoje, depois de 67 dias e 67 noites da divulgação da
delação, resolvi escrever este artigo, não para me vitimar -o que jamais fiz-,
mas para acabar com mentiras e folclores e dizer que sou feito de carne e osso.
E entregar ao tempo a missão de revelar a razão.
JOESLEY MENDONÇA BATISTA, empresário, é dono do grupo
J&F
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