Missão termina sem mudar cenário socioeconômico do Haiti
RICARDO SEITENFUS
Treze anos após sua implementação, a Missão das Nações
Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah) encerra suas atividades com um
balanço contraditório.
Em seu ápice, chegou a contar com 12 mil militares e
2.400 policiais. Conservando ao longo de toda a operação seu comando militar, o
Brasil foi seu maior contribuinte. Assim, em um rodízio semestral, participaram
37.500 militares (80% do Exército, 19% da Marinha e 1% da Aeronáutica).
A Minustah sofreu 186 baixas, sendo mais da metade por
ocasião do terrível terremoto de 12 de janeiro de 2010. A maioria das demais
baixas foi provocada por acidentes, suicídios e enfermidades, sendo raros os
soldados mortos em combate. Assim, das 27 vítimas brasileiras, nenhuma o foi em
ação. Como explicar esta situação?
Por uma razão singela: ao contrário das demais Operações
de Paz patrocinadas pelas Nações Unidas, no Haiti não havia e não há guerra.
Excetuando-se as gangues de Bel-Air e Cité Soleil —liquidadas em 2006—, durante
os 11 anos restantes, os militares da Minustah não enfrentaram inimigos.
Assim se explica também o ceticismo do primeiro
comandante da Minustah (julho de 2004 a setembro de 2005), general Augusto
Heleno Ribeiro Pereira, ao declarar em 2010 que, "como exercício militar,
a Minustah é excelente; no entanto, como operação de paz, ela não tem mais
sentido".
Entre 1993 e 2004, a ONU enviou, sem muito sucesso, seis
missões militares, policiais e civis ao Haiti, com um custo direto total de US$
417 milhões.
Por sua vez, o engajamento da Minustah, embora com
escasso sentido, consumiu a astronômica soma de US$ 7,2 bilhões. Além desses
custos diretos, é necessário adicionar os gastos não cobertos pela ONU e os
diferentes programas financiados graças à presença da Minustah. No que diz
respeito somente ao Brasil, alcançam R$ 2,5 bilhões.
Quando agregamos a suposta transferência de recursos
financeiros pós-terremoto (US$ 5 bilhões), em nome do Haiti foram gastos, no
período da vigência do mandato da Minustah (2004-2017), aproximadamente US$ 15
bilhões de dólares, o que faz da ex-pérola das Antilhas o maior receptáculo de
ajuda per capita do mundo.
Os resultados são pífios, pois a atual situação
socioeconômica do povo haitiano é catastrófica, ainda pior daquela em que se
encontrava em 2004.
A falência das ações da comunidade internacional durante
este período explica o impressionante fluxo de emigrantes em direção aos países
de acolhida tradicional (México, Estados Unidos e Canadá) e, novidade, em
direção à América do Sul, especialmente Brasil e Chile.
No início de 2010, estávamos preparando uma "saída
de crise". Logo, ocorre o terremoto. Em outubro do mesmo ano, militares do
Nepal a serviço da Minustah trazem o vibrião da cólera, vitimando mais de 10
mil pessoas e infectando 800 mil outras.
No fim de novembro, desencadeia-se uma crise
político-eleitoral provocada pela Minustah. Esta perde o rumo, e o Brasil e
seus aliados latino-americanos deixam de ser protagonistas. Logo o destino do
Haiti retorna ao seu leito histórico, sob total influência dos Estados Unidos,
Canadá e França.
Para sua desgraça, o Haiti é membro cativo da agenda do
Conselho de Segurança da ONU. Não conseguirá deixar de sê-lo, pois é anunciada
uma nova missão em substituição à Minustah.
Trata-se da Missão das Nações Unidas para o apoio à
Justiça no Haiti (Minujusth), composta por civis e unidades de polícia.
Portanto, uma vez mais, os verdadeiros desafios socioeconômicos não serão
enfrentados. Prelúdio a novas crises e futuras intervenções militares.
RICARDO SEITENFUS foi representante especial da OEA no
Haiti (2006-2011) e autor do livro "Haiti: Dilemas e Fracassos
Internacionais" (editora da Unijuí, 2014)
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