Como o dono do gaúcho M.Grupo se vinculou à imagem da
varejista Magazine Luiza para vender imóveis — endividado, deixou clientes e
investidores na mão
Por Maria Luíza Filgueiras
O empresário Lorival Rodrigues queria transformar o
mercado imobiliário de Porto Alegre. Em 2010, começou a levantar recursos e a
buscar clientes para projetos ousados. O plano era construir shoppings, hotéis,
prédios residenciais e comerciais, incluindo o maior do Rio Grande do Sul, com
42 andares de escritórios. Para concretizar os projetos, Rodrigues criou uma
empresa e a batizou de Magazine Incorporações. Ele havia trabalhado durante
quase uma década na varejista Magazine Luiza — trabalhava na área de consórcios
da varejista, na Região Sul do país. Mas, segundo clientes e investidores, o
empresário fazia questão de ressaltar, em reuniões, a “proximidade” com a
família Trajano, fundadora e maior acionista do Magazine Luiza. Contava que era
sobrinho de dona Luiza Trajano. E arrematava dizendo que tinha ações da
varejista (EXAME apurou que ele é sobrinho do marido de dona Luiza e não fazia
parte do bloco de acionistas).
Não demorou para que a Magazine Incorporações ficasse
conhecida na região metropolitana de Porto Alegre como o braço imobiliário do
Magazine Luiza. Rodrigues nunca disse isso claramente, mas também não desmentiu
os boatos — que faziam um bem danado às vendas. A história se espalhou a ponto
de o Magazine Luiza pedir ao empresário que publicasse um comunicado num jornal
gaúcho esclarecendo que não havia nenhuma relação entre as empresas. Ainda
assim, os negócios de Rodrigues prosperaram. Em três anos, além de lançar
diversos empreendimentos imobiliários, ele comprou uma companhia de táxi aéreo
e abriu uma empresa de marketing. Para abarcar todas as atividades, criou o
M.Grupo. “ ‘M’ de ‘Magazine’ ”, diziam Lorival e seu filho e sócio, Cyro
Rodrigues, aos clientes. Se ninguém perguntasse “qual Magazine?”, melhor.
Em setembro, a Justiça de Porto Alegre decretou a
falência da Magazine dos Rodrigues, a Magazine Incorporações. A empresa não
entregou um complexo imobiliário formado por prédios residenciais e comerciais,
além de dois hotéis, que deveriam estar prontos desde 2014, e começou a ser
executada em ações judiciais movidas por compradores. Com a falência, os
credores e o administrador judicial da Magazine Incorporações começaram a
analisar os números da empresa e a buscar patrimônio para tentar cobrir pelo
menos parte do prejuízo. EXAME apurou que foi aí que os mais desavisados
descobriram que a empresa dos Rodrigues nada tinha a ver com o Magazine Luiza.
Por e-mail, Rodrigues afirmou que toda a história é um mal-entendido. “As
empresas de que faço parte não têm e não tiveram ligação com o Magazine Luiza.
A única ligação é o elo familiar, a admiração e o reconhecimento pelo árduo
trabalho, exemplo da determinação da minha família.”
Lorival Rodrigues: parente distante da família Trajano |
Avener Prado/Folhapress
O nome da empresa é o menor dos problemas dos Rodrigues
hoje. João Medeiros, administrador judicial da falência da Magazine
Incorporações, pediu o bloqueio de bens do M.Grupo com uma liminar, já que os
sócios não compareceram às audiências nem prestaram informações sobre patrimônio,
garantias e até mesmo sobre o total da dívida (que é estimada por advogados e
investidores em quase 700 milhões de reais). Uma das associações de clientes
pede à Justiça a desconsideração da personalidade jurídica, para conseguir
atingir bens pessoais dos sócios e das outras empresas do M.Grupo.
“Nessa busca de patrimônio, não achamos mais de 200 000
reais em dinheiro. É muito pouco para o patrimônio que tinham”, diz João
Medeiros. “Já identificamos, em alguns casos, que a empresa vendeu um imóvel e
deu esse mesmo imóvel em garantia em outra operação. Pode ser um indício de
fraude”, completa.
Diante disso, duas associações de clientes, que somam 655
pessoas que compraram apartamentos e flats e não receberam, acionaram o
Ministério Público Estadual e fizeram uma queixa-crime na Polícia Civil, que
abriu inquérito para investigar o caso, segundo o advogado Flávio Luz, sócio do
escritório FLZ, que representa parte desses clientes. Outro advogado, Rafael
Nunes, que representa a Associação dos Adquirentes do Jardins do -Shopping,
condomínio residencial lançado pela Magazine Incorporações, afirma que é
possível comprovar o pagamento dos futuros moradores e que há planilhas
mostrando que os recursos não foram transferidos para o Banco do Brasil, que,
apesar disso, continuou financiando a obra. Nunes entrou com uma ação de
reparação contra o banco (o BB não comentou). Lorival Rodrigues nega que tenha
havido irregularidades e diz que está colaborando para o processo.
A estreia da Magazine Incorporações no mercado
imobiliário foi com o lançamento de um loteamento em Santa Catarina em 2010 —
que foi entregue dentro do combinado. Depois disso, o foco mudou para o Rio
Grande do Sul. A empresa lançou, ainda em 2010, três condomínios residenciais
de alto padrão em Porto Alegre e outro em Nova Hamburgo — todos entregues como
planejado. Os projetos iniciados em 2011, porém, estão inacabados ou não saíram
do papel. O maior deles é o Majestic, o tal prédio de 42 andares. O espigão,
que teria heliponto e um restaurante giratório na cobertura, ficaria em
Gravataí, cidade com menos de 300 000 habitantes (segundo Lorival Rodrigues, o
edifício foi embargado pelo Comando Aéreo Regional, e o dinheiro teve de ser
devolvido aos compradores). Também em Gravataí a companhia lançou um complexo
com torres residenciais, shopping e flats. Ainda em 2011, mas em Porto Alegre,
anunciou que construiria um hotel e um shopping.
Toque para ampliar
Outra empresa criada pelos sócios, a M.Invest, emitiu
títulos de dívida para financiar os projetos. Na fase de euforia do mercado
imobiliário, a demanda pelos papéis era grande, e a companhia decidiu captar
recursos para fazer -aquisições. Entre 2011 e 2013, comprou shoppings de
pequeno porte nas cidades gaúchas de Bento Gonçalves, Lajeado e Santa Cruz do
Sul e um centro comercial em Capão da Canoa, também no Rio Grande do Sul. O
plano era usar os recursos captados para expandir os shoppings, mas as obras
não terminaram.
Entre 2015 e 2016, a empresa parou de pagar parte dos
credores. No início deste ano, shoppings como o de Gravataí e o de Lajeado
ficaram sem luz e tiveram dificuldade no abastecimento de água por falta de
pagamento. Lorival atribui os problemas à recessão. Por e-mail, afirmou que a
Magazine Incorporações teve de mudar sua estratégia comercial, não fazendo mais
lançamentos e tentando vender ativos e terrenos para diminuir seu
endividamento. Com isso, a receita caiu pela metade.
Sobre os shoppings, ele diz que, com a queda das vendas
no varejo, os lojistas passaram a pedir descontos nos aluguéis, o que complicou
a situação financeira. O empresário afirma que a empresa chamou os investidores
para assembleias de renegociação. Parte deles aceitou converter sua dívida em
títulos de prazo mais longo, mas a grande maioria resolveu executar as garantias.
Nas contas do advogado Rafael Nunes, a dívida total do M.Grupo é de 685 milhões
de reais. Lorival Rodrigues diz dever apenas 98 milhões de reais — ele tira do
cálculo as dívidas que contam com garantias e, segundo ele, podem ser pagas com
a venda dos ativos. A gestora Capitânia, que investiu em títulos imobiliários
do grupo, tornou-se sócia de cinco shoppings e um hotel, e vai tentar revender
as participações para cobrir o investimento de 100 milhões de reais.
A grande maioria das incorporadoras do país teve
problemas na recessão; quando a demanda por casas e apartamentos despencou,
muitos compradores de imóveis na planta passaram a devolver as unidades e o
crédito secou. Mas os problemas do M.Grupo vão além. Um levantamento do
administrador judicial da falência mostra que os Rodrigues são donos de 156
empresas. Recursos tomados em empréstimos por uma empresa já foram usados por
outra, segundo o administrador, assim como havia um intercâmbio de ativos.
Muitos dos vendedores dos shoppings, por exemplo, receberam como pagamento
unidades residenciais ou comerciais nos empreendimentos que estavam sendo
lançados ou construídos e, hoje, estão paralisados — o que os transformou em
credores da massa falida.
Rodrigues afirma que não houve sobreposição de garantias
ou de vendas, mas contratos-padrão de compra e venda de uma obra financiada.
Uma das casas da família Rodrigues, avaliada em 7,2 milhões de reais, foi
executada em setembro deste ano para pagar parte da dívida feita com o
Banrisul. Mas investidores e clientes da M.Grupo ouvidos por EXAME dizem que o
patrimônio é maior: inclui pelo menos uma casa na praia de Jurerê
Internacional, em Florianópolis, e 18 carros, entre eles quatro Hummer, duas
Lamborghini, uma Ferrari, um Rolls-Royce e dois Bentley. Os clientes têm hoje
uma versão diferente para o “M” do M.Grupo — na versão publicável, dizem que é
“Marmelada”.
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