Está se tornando incômoda a facilidade com que os juízes
brasileiros têm autorizado as chamadas conduções coercitivas e prisões
provisórias. Como, em geral, esses atos são tomados contra gestores públicos,
políticos e empresários, também não falta quem, na mídia e nas redes sociais,
apoie essas medidas com entusiasmo, em nome da cruzada contra a corrupção.
Mas é preciso ir devagar com o andor. Tanto a condução
coercitiva quanto a prisão provisória podem se constituir em violência do
Estado. É comum agora: para preservar certos valores, como o patrimônio
público, acaba-se violando direitos fundamentais do cidadão. O ato
discricionário da condução ou da prisão provisória, que só o Estado pode
praticar, se torna arbítrio, se não houver a proporção adequada, se não houver
o diálogo entre a medida, o contexto em que as coisas acontecem e os valores do
Estado de Direito e da civilização, como a presunção de inocência.
No episódio do suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier
de Olivo, vai ficando cada vez mais claro que a prisão temporária, no caso, foi
um exagero, uma desproporção, que acabou em tragédia. Tratava-se de uma
investigação sobre supostos desvios em um programa da UFSC, ocorridos antes da
posse de Cancellier. Para a Polícia Federal, o Ministério Público e a juíza do
caso, entretanto, o reitor estaria obstruindo a Justiça.
Obstrução de justiça, em investigação ou sindicância
ainda na esfera administrativa e ainda inconclusa?
Está certo - e ainda bem - que nem todas as prisões
temporárias terminem em tragédia, como essa que ceifou a vida do reitor
catarinense. Mas a lição a tirar é uma só: delegados, procuradores, juízes,
quando decidem pela prisão temporária, ou condução coercitiva, precisam
calibrar melhor as suas decisões. Cancellier morreu pela vergonha do que não
fez, porque sentiu na pele e no âmago da alma, o peso da infâmia, do opróbio,
da injustiça.
Atenção: pedir mais cuidado e reflexão e menos pressa a
autoridades do Estado, quando se trata da liberdade e da reputação dos
concidadãos não é proteger os corruptos, não é negar o combate da corrupção.
Vejam a condução coercitiva. A medida é justificável se o
indiciado ou testemunha se recusarem a comparecer ao depoimento. Porém se
comparecerem, eles podem silenciar e invocar o direito de não responder a
nenhuma pergunta. "A conduta coercitiva é um ato violentíssimo e
ilegal", afirma não um desses advogados que ficaram ricos com o Petrolão,
a Lava Jato e as delações premiadas, mas a Desembargadora Federal Simone
Schreiber, do TRF2.
Ela declara corajosamente: "A condução coercitiva só
tem razão de ser por sua dimensão de espetáculo. Espetáculo de humilhação da
pessoa investigada. Não serve para rigorosamente mais nada, só para a polícia
federal fazer sua propaganda institucional, mostrando sua "eficiência
"no combate ao crime".
A desembargadora convida seus pares a refletir sobre os
"nossos atos", e conclui dizendo que "nem o suicídio do Reitor
Cancellier serviu para fazermos uma autocrítica".
titoguarniere@terra.com.br