O ex-presidente se diz convencido de que a sociedade
frearia uma deriva antidemocrática do novo Governo. Para ele, ser conservador
não implica ser cego. “O Brasil continua sendo um país com muita desigualdade”
Carla Jiménez, Xosé Hermida | El País, 12 /11 2018
MADRI - -O tsunami político que tomou o Brasil destruiu
lideranças tradicionais e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se inclui
entre elas. “Cada um tem seu momento, agora a nova [liderança] tem que
aprender”, diz o presidente de honra do PSDB, em clara alusão ao novo Governo
liderado por Jair Bolsonaro.
Apesar de toda a retórica que assusta quem não votou no
presidente eleito, Fernando Henrique prefere o benefício da dúvida. Depois de
eleito, as ações de Bolsonaro vão desmentir ou confirmar os temores que
desperta hoje. A vitória de um político de extrema direita, analisa o
ex-presidente, é fruto de novos tempos que embaralharam valores, diante de
eleitores mais emocionais que formam suas opiniões de olho na tela do celular.
De passagem por Madri na semana passada para assistir ao
Foro Iberoamérica, o ex-presidente que durante seu mandato (1994-2002)
conseguiu tirar o país da hiperinflação, defendeu sua controversa decisão de
ter se mantido neutro nas últimas eleições. Seria contraditório, segundo ele,
uma vez que o PT não se aproximou em termos políticos do PSDB, mas apenas pela
eleição. “Quando as pessoas estão morrendo afogadas, pedem a mão para te puxar
e morrer junto.”
Pergunta. A democracia está em perigo no Brasil?
Resposta. A democracia esta em perigo em todas partes.
Mas o Brasil tem instituições fortes, a sociedade é livre, a mídia é livre, a
justiça é independente e o povo gosta da liberdade. Então eu acho que é preciso
tomar cuidado. Está em perigo? Está mudando, está em perigo por todos lados,
mas não há um perigo específico do Brasil. Não acho que a eleição do Bolsonaro
ponha em perigo [a democracia], até porque ele ganhou pelo voto.
P. Mas o presidente eleito e as pessoas que trabalham com
ele falaram nos últimos meses de coisas como a possibilidade de um autogolpe,
de um assalto ao STF... O senhor não leva a sério essas falas?
R. Não é que eu não leve a sério, eu acho que qualquer
coisa dita por uma pessoa que tem importância política diz tem que tomar
cuidado. Mas acho que isso não é suficiente para se sobrepor a nossa
institucionalidade, a nossa vontade de manter a democracia. Mesmo que um ou
outro tenha o impulso não democrático e as frases que foram ditas – que não são
boas, e eu critiquei no meu Twitter – sejam contrárias ao espírito da
democracia. Mas entre você falar e fazer tem uma diferença. Eu não estou
dizendo que alguém não expresse atitudes antidemocráticas. Pode ser, existe
isso no Brasil. Mas a despeito disso, nós temos forças democráticas que vão se
contrapor a eventuais palavras e mesmo atos que sejam contrários à Constituição,
à democracia e às leis.
P. Quando o senhor criticou essas palavras no seu Twitter
falou de fascismo inclusive.
R. Eu sou muito cuidadoso quando falo. Eu disse que havia
um certo cheiro de fascismo. Porque o fascismo supõe uma doutrina, uma
organização, uma visão autoritária da sociedade. Eu não creio que eles tenham
isso. Eles têm expressões autoritárias. O fascismo é uma coisa mais orgânica e
não acho que no Brasil tenha algum partido com uma doutrina propriamente
fascista. E se tiver, eu espero que perca. Eu serei contra.
P. Mas o senhor não acha possível que a democracia fique
deturpada, em uma situação como uma espécie de Venezuela de direita?
R. Um autor americano, Levitsky [Steven] tem um livro
interessante sobre como as democracias morrem. E hoje em dia elas morrem dessa
maneira, não é preciso um golpe, mas que você deturpe as instituições. Eu tenho
repetido uma frase que atribuo ao Sérgio Buarque de Hollanda, ainda que não sei
bem se era dele: a democracia é uma planta tenra que precisa ser regada todo
dia. A democracia não é dada para sempre. Agora está em perigo porque as
sociedades e as formas de relação entre as pessoas mudaram muito. Você tem que
prestar atenção, pode acontecer uma mudança antidemocrática, mas nós devemos
lutar para que isso não ocorra.
P. O mundo está se perguntando como o Brasil, depois de
mais de três décadas de democracia, pôde votar em um político como Bolsonaro,
com o seu histórico de homofobia, de apologista da tortura e da ditadura...
R. Olha, como foi possível alguém votar no presidente
Trump ? O que aconteceu no Brasil e em algumas sociedades, isso que é perigoso
porque pode até distorcer a democracia. No Brasil estamos saindo de uma
recessão que durou muito tempo, com o desemprego aumentando. Além disso, você tem
uma política de definição de "nós" e "eles". E isso veio
também do PT, que separou assim o mundo, um pouco retoricamente, porque não
houve nunca no PT um movimento concreto contra a democracia nesse sentido, mas
sim esse sentimento. Mais ainda, o Brasil tem o crime organizado, violência nas
ruas. Então a sociedade ficou um pouco atemorizada. E quando as pessoas têm
medo, às vezes têm raiva também. O voto no Bolsonaro não expressa um sentimento
diretamente antidemocrático. Expressa a ilusão de que alguém que vem impor a
ordem, seja como for, vai melhorar a situação. Não apostaram em alguém
considerado, por quem votou nele, como antidemocrático, mas como alguém capaz
de por fim a essa situação de desorganização. Esse é o fenômeno. Pode derivar
em alguma coisa contra a democracia? Sempre pode. Vai derivar? Se depender de
mim ou de outros que pensam como eu, não.
P. Muitas pessoas esperavam do senhor um aceno para a
candidatura do Haddad, ou mesmo que a apoiasse, apesar de suas diferenças, como
defesa da democracia frente ao autoritarismo. Por que o senhor não o fez?
R. Isso foi o que o PT disse, que o que estava em risco
era a democracia. Se eu achasse que havia realmente esse risco, até entenderia.
Mas o PT sempre fez isso. Por exemplo, sempre me chamou de neoliberal, nunca
aceitou que o equilíbrio fiscal é necessidade de bom governo. E o PT sempre se
aliou com todo tipo de pessoas e partidos de direita, mas não por ser de
direita, por serem fisiológicos, ostentados pelas benesses do poder. Eu não
concordo com isso nem tampouco com o programa econômico proposto, que era uma
repetição dos vícios que levaram a esta situação [atual da economia] com a
presidente Rousseff. Por que eu estou obrigado no segundo turno a escolher
entre dois caminhos com os quais eu não estou de acordo, se eu não estou
achando que um deles, o do Bolsonaro, vai nos levar necessariamente para um
regime não democrático? Eu expressei claramente, diversas vezes, que eu não
votaria no Bolsonaro. Eu votei no candidato de meu partido. Perdeu a eleição,
por diversas razões, algumas são de responsabilidade do próprio PSDB. Mas isso
não me levou a pensar que, já que nós perdemos, a única salvação era... Por que
a única salvação? A democracia tem rotatividade. Se for evitar a rotatividade,
impedir eleição ou tomar medidas contrárias ao sentimento democrático, eu vou
me opor. Os militares? Seguem na Constituição. Alguns se candidataram, mas
pediram o voto, não puxaram a espada. Eu não achei que fosse o caso de que,
porque houvesse um candidato contra o qual eu sou, apostar no outro, com o qual
eu também não concordo. Se fosse escolher pessoas, não teria problema para mim.
Eu tenho relações pessoais boas com o Haddad. Não é isso. É o que representa.
Representa uma visão da economia e da sociedade que tampouco coincide com o que
eu penso.
P. Além dessas diferenças o senhor não acha que o PT é um
partido democrático e com o Bolsonaro, no mínimo, há dúvidas?
R. O Bolsonaro não tem partido e no momento isso impede
que ele possa se transformar em um autoritarismo organizado...
P. Mas tem 52 deputados, a segunda bancada.
R. O que é que são 52 deputados? 11% da Câmara, nada.
Esse é um dos problemas que nós temos. A Câmara tem hoje, eu não sei
exatamente, mais de 25 partidos...
P. ...Trinta.
R. Trinta, imagina!. Pobre de quem for presidente. Não
existem 30 posições políticas e ideológicas no mundo. Infelizmente quase todos
os partidos foram se transformando em corporações, grupos de deputados que se
juntam para ter acesso aos fundos públicos, para financiar as campanhas, ter
tempo de televisão e negociar posições no governo. Eu não sei o que significam
essas três letrinhas: P,S, L. Social liberal não sei o que quer dizer. É nada,
são letras. Essa sopa de letras é dramática.
P. O Haddad conversou com o senhor, pediu seu apoio?
R. Eu conheço o Haddad há alguns anos. Em vários momentos
em que havia tensão grande entre o PT e o PSDB eu fui visitá-lo, fomos juntos
uma vez a um teatro para mostrar que, de meu ponto de vista, democracia não
implica que você fica inimigo de quem está no governo. Quando ele passou para o
segundo turno ele teve uma conversa correta comigo. Mas naquele momento o PSDB
tinha candidatos aos governos de São Paulo e do Rio Grande do Sul. E uma coisa
é você como cidadão ou como intelectual gostar ou não gostar, apoiar ou não, e
outra coisa é um líder político. Um líder político está discutindo o poder: o
que é que você dá ao meu partido se eu der apoio ao seu? Isso nunca foi nem
colocado. O PT nunca tentou se aproximar do PSDB em termos políticos, só em
termos de ganhar a eleição.
P. O que teria sido uma negociação adequada dos pontos em
comum do PT e do PSDB?
R. O PT disse o tempo todo que o PSDB era um partido de
direita, neoliberal, que estava vendendo o patrimônio nacional a custe de
banana... a vida inteira. Quando as pessoas estão morrendo afogadas, pedem a
mão para te puxar e morrer junto.
P. O senhor acha que se tivesse emprestado seu capital
político nesse momento, o Haddad teria chance?
R. As pessoas estão tomando as decisões por conta
própria, a palavra dos líderes vale pouco. Essa é a grande mudança que está
ocorrendo na sociedade contemporânea. Agora,com o celular, cada um se comunica
com o outro e forma sua opinião. A capacidade que a liderança tem de influir na
opinião é pequena. Quando a liderança coincide com um sentimento que se
espalha, aí parece que a liderança liderou. Não liderou, é uma onda que se
forma. O Bolsonaro veio no âmbito de uma onda, como se fosse uma folha seca no
ar que vai com o vento. Não é porque a folha existiu que houve o apoio a ele,
foi uma reação contra o que está havendo no Brasil que, por acaso, pegaram A, B
ou C. Essa é uma questão que nós temos que pensar com profundidade. Como é que
vamos manter a liberdade, as regras do jogo, respeito à lei, em uma sociedade
em que as pessoas se conectam umas com as outras. As instituições políticas
foram formadas em uma época diferente a esta. E não sabemos muito bem o que
fazer. As pessoas dizem: "ah, se você falar...". Se eu falar, não
acontece nada, ou muito pouco.
P. O senhor escreveu em um artigo que este é um momento
em que é preciso restabelecer a verdade [ele fala em restabelecer a confiança,
e os fios que conectam as instituições políticas com a sociedade]. O que é que
o senhor enxerga como restabelecer a verdade, agora com esta avalanche de
notícias falsas?
R. Se eu soubesse disso, eu ia patentear e ia ficar
milionário. Ninguém sabe. Esse é o desafio da democracia. Com tanta informação
que circula tão rapidamente, falsa ou verdadeira, como é que você faz? Alguns
falam de impor a ordem. Como? Só com ditadura, proibindo a comunicação. As
pessoas vão ter que aprender com o tempo a discernir, a ver as várias versões.
Eu não sou dos que acham que a imprensa e os livros não têm mais importância.
Têm. O que é preciso é ter quadros de referência. Vai levar um tempo para as
pessoas aprenderem a usar melhor essa informação fragmentada que chega pelo
celular. Mas a verdade não existe. Eu nunca disse assim essa expressão,
restabelecer a verdade. Eu acho que você pode ter várias versões e se aproximar
mais do que aconteceu. Estamos mudando de era, é uma coisa forte, e ainda não
sabemos lidar com a comunicação imediata e instantânea de todos com todos. A
chave para mim é ganhar a confiança. No Brasil houve uma quebra de confiança
porque a Lava Jato mostrou as bases do poder, que eram podres. E as pessoas
perderam a confiança, estão tentando se agarrar a uma tábua de salvação.
P. A gente está vivendo algumas coisas um pouco
assustadoras que o próprio presidente estimula, como filmar professores, a
escola sem partido. Isso já está acontecendo.
R. Eu sei, sou contra.
P. O senhor acha que a sociedade brasileira é forte
suficiente para rechaçar isso?
R. Nenhuma sociedade é forte o suficiente de antemão. A
Alemanha era muito forte, muito culta e avançada, e deu Hitler. A democracia
tem que ser cuidada sempre e devemos contra-atacar essas coisas. Mas de momento
ele nem tomou posse. Deixa ele tomar posse, vamos ver o que ele vai fazer, se
vai nomear gente boa... Governar é difícil. Quem nunca governou pensa que é
fácil. Eu torço pelo Brasil dar certo. A mídia está levando o presidente eleito
a dizer que ele respeita a Constituição. Isso é um mecanismo já de contenção, é
importante. Para a política não importa o que ele pensa, importa o que ele vai
fazer. As palavras só se transformam verdadeiramente em um risco quando elas viram
ato.
P. O que o senhor acha da decisão do juiz Moro de aceitar
um superministério?
R. Ele arrisca bastante. Primeiro tem que deixar de ser
juiz. Talvez a motivação dele foi dar continuidade ao que ele estava fazendo.
Se isso vai ser bom ou mau, vamos ver daqui a pouco. O PT já está dizendo que
ele jogou sempre porque queria tal coisa. Eu não faço isso, porque eu não julgo
a intenção.
P. Mas não é como a mulher do Cesar? Não só tem que ser,
tem que parecer...
R. Eu acho que sim, é importante parecer. É arriscado.
Agora, eu não quero julgar, vou supor que foi porque ele acredita que na sua
posição vai ter mais espaço para atuar do jeito que ele sempre atuou. Se ele
conseguir, eu acho que é bom continuar havendo um processo de apuração. Nunca
houve no Brasil tanta gente rica e poderosa na cadeia. Vamos ver se Moro tem a
virtude para, sem perseguir ninguém, melhorar as instituições.
P. Mas o próprio Moro, não há muito tempo, falou que ele
nunca iria para a política porque isso colocaria sob suspeita o seu trabalho na
Lava Jato. Não tem esse perigo?
R. Esse perigo tem, e o que o PT está fazendo é colocar
sob suspeita. Ele respondeu agora que não entrou para a política, que entrou
para uma função pública. É um jogo. Ele arrisca. Vamos torcer para que esse
risco seja para o melhor, não para o pior.
P. O tsunami que tomou a política no Brasil também teve
consequências para seu partido. Tem pessoas do PSDB que querem apoiar o
Bolsonaro. O governador eleito de São Paulo se atrelou imediatamente. O que é
que o senhor está enxergando para seu partido?
R. Como todos os demais partidos, o PSDB também sofreu o
tsunami, ele não está isento das críticas que outros partidos assumiram por ter
se envolvido em processos de manipulação de dinheiros públicos. Isso abala o
prestígio. Eu sou presidente de honra, mas não atuo nos níveis de decisão.
Posso ter influência, que é diferente de poder. A executiva do PSDB tomou a
decisão de manter-se neutro no segundo turno. Eu preferi uma neutralidade que
não implicasse o apoio a ninguém. Alguns governadores, por questões eleitorais,
apoiaram o Bolsonaro. Eu claramente não. Muitos no meu partido ficaram
inquietos com a minha posição, achando que isso prejudicaria a votação, o que
talvez seja verdade. Mas eu acho que o político tem que ter convicção, valores,
não acho que o importante é só ganhar.
P. O senhor acha que as pessoas no PSDB têm hoje as
convicções e os valores nos quais o senhor acredita?
R. Não. Em nenhum partido. Eu não acho que as pessoas do
PT tenham as convicções originárias do PT. Tudo está muito confuso. Nem sei se
os valores nos quais eu acredito e o PSDB foi formado são contemporâneos, a
política muda muito de pressa.
P. A política muda, mas os valores não.
R. Eles não mudam mas se adequam. O PSDB, como os demais
partidos, estão flutuando e já não representam uma posição nítida, nem são
expressão de uma camada nítida da sociedade, porque tem muita mobilidade
social, muita fragmentação das novas profissões... A polarização
esquerda-direita só é inteligível para quem tem uma certa intelectualidade, as
pessoas querem coisas mais concretas. O PSDB, como qualquer outro partido, vai
ter que se adequar a esse novo momento da história. Se não se adequar, vai
perder o controle das situações de poder. Eu sei que estou falando coisas
vagas, mas eu não tenho como saber o que vai acontecer no futuro. No Brasil
temos que procurar formas de expressão política que preservem a liberdade. As
desigualdades sociais no país são imensas e elas desapareceram da discussão
política. Os problemas de longo prazo sumiram da discussão. Tudo é: "eu
gosto, não gosto, odeio, não odeio". É um momento de exacerbação.
P. E agora no próximo governo?
R. O governo tem que ter algum grau de eficácia. Como é
que você vai atuar com 30 partidos? Alguém vai ter que falar em nome -vou usar
uma palavra antiga- do interesse comum.
P. O senhor está mais no sentido de se dar o benefício da
dúvida.
R. Não é uma dúvida parada, é uma dúvida ativa. Eu tenho
lado, e o meu lado não é o do autoritarismo.
P. Mas quando o Bolsonaro tiver que lidar com esse
Congresso, se ele achar que está atrapalhando seu governo, ele não pode ficar
com a tentação de procurar algum atalho?
R. Para isso, é preciso ter apoio da sociedade e das
Forças Armadas. Eu não acho que isso seja fácil de obter no Brasil. A sociedade
se habituou com a liberdade. E as Forças Armadas mudaram muito.
P. O Brasil teve desde a redemocratização muitos mais
governos progressistas. Na véspera do segundo turno, Bolsonaro falou algo na
linha: "O Brasil somos nós, o Brasil é conservador". Qual é a
verdade? O país mudou tudo isso?
R. Mudou muita coisa mas não a necessidade de você
entender que as carências da população são muito grandes. Ser conservador não
implica você ser cego. O Brasil continua sendo um pais com muita desigualdade.
Isso não se resolve do dia para a noite...
P. ... Mas a fórmula econômica dele...
R. Qual é a fórmula econômica dele? Será que ele sabe?
P. A do Paulo Guedes.
R. Eu não conheço Paulo Guedes e não vou falar de quem
não conheço. Mas eu sei que ele nunca sentou em uma cadeira de poder, nunca
tomou decisões públicas. Eu não sei qual vai ser o conceito do ponto de vista
econômico. Ultraliberal? Olha, vai experimentar o ultraliberalismo no Brasil?
[risos] Vamos ver o que acontece?. Eu não creio que eles tenham uma ideia
consistente, concreta, a não ser valores abstratos...
P. Ele fala de privatização, reforma da Previdência...
R. Qual reforma da Previdência? O que fazer com os militares,
por exemplo? Tem que mudar, mas não dá para mudar tudo de uma vez. O que vai
privatizar, a Petrobras? Tem coisas que são privatizáveis... mas o governo vai
vender a maioria das ações? Isso vai ser apoiado pela sociedade, pelo
Congresso? Eu não sei se isso é o que ele quer. Tudo isso é muito mais
complicado que formular. O tsunami no Brasil destruiu – e eu não estou
defendendo que não destruísse – as lideranças tradicionais, me incluo nelas.
Não tem importância, cada um tem seu momento, muito bem. Mas agora a nova tem
que aprender. E não se sabe muito bem o que é que essa nova é na prática.
Como eu não sou pessimista e torço pelo Brasil, eu espero
que acertem. Eu já expressei minhas dúvidas por razões político-filosóficas.
Mas o que vou fazer? O que é que nós vamos fazer como oposição? O PT foi contra
tudo no meu governo, foi contra aumento de salário de professor. Será que a
sociedade brasileira que tem mais informação vai aceitar uma atitude totalmente
negativista? Não é a minha. Eu acho que é preciso distinguir o que é de
interesse real da população e o que é de interesse político. Talvez nesta época
a razão tenha menos importância do que o impulso, do que a emoção. Mas eu sou
de outra época, ainda procuro ser razoável, dar argumento, por que faço, por
que não faço. Talvez seja antiquado. Mas a esta altura da vida para mim
pessoalmente tanto faz como tanto fez, vou manter minha visão.
P. Viralizou um vídeo do senhor que tudo leva a crer que
votou 13 e 40.
R. Tudo leva a crer de que maneira? Eu voto em cabina
secreta. Então, adivinhando a movimentação de meus dedos? Como é que eu não
diria se votasse 13 e 40?
P. O senhor votou?
R. Votei. Eu tenho 87 anos, há muitos anos que eu não sou
obrigado a votar. Mas eu fui lá a pé e votei.
P. O senhor votou 13 e 40?
R. Pois imagina, não! Nem estou de um lado nem de outro,
como é que eu vou votar 13 e 40?
P. Era a primeira vez que votou branco?
R. Nem me lembro, votei tantas vezes na vida... Mas eu
não tenho por que não dizer, qual é a vantagem? Eu costumo dizer o que eu
penso, erro com muita frequência até porque eu falo demais.
P. Votou no Doria?
R. No Doria votei, claro.
P. Só para presidente votou nulo.
R. Você está tirando essa conclusão... você me viu votar?
[risos]