900 médicos fazem provas do Revalida, hoje e amanhã


"Mais de 900 médicos brasileiros e estrangeiros fazem prova do Revalida
Exame reconhece diploma de médicos que se formam fora do país e querem trabalhar no país

A segunda etapa do Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira) 2017 será feita neste fim de semana por mais de 900 médicos. A prova será aplicada neste sábado (17) e domingo (18) em Brasília, Curitiba, São Luís, Manaus e Belo Horizonte. As informações são da Agência Brasil.

O Revalida reconhece os diplomas de médicos que se formaram no exterior e querem trabalhar no Brasil. O exame é feito tanto por estrangeiros formados em medicina fora do Brasil, quanto por brasileiros que se graduaram em outro país e querem exercer a profissão em sua terra natal.

A segunda etapa do Revalida é uma prova de habilidades clínicas na qual o participante percorre 10 estações para resolução de tarefas sobre investigação de história clínica, interpretação de exames complementares, formulação de hipóteses diagnósticas, demonstração de procedimentos médicos e aconselhamento a pacientes ou familiares.

São dois dias de prova e dois turnos de aplicação em cada um. As provas do primeiro turno começam às 13h e as do segundo turno, às 17h. Os portões são fechados meia hora antes.

Os horários estão detalhados no cartão de confirmação e no edital do Revalida – segunda etapa. É obrigatória a apresentação do original de um documento oficial de identificação com foto para a realização das provas.

Mais médicos
A exigência do Revalida foi um dos pontos anunciados pelo presidente eleito Jair Bolsonaro como requisito para a participação de profissionais cubanos no programa Mais Médicos.

Alegando que o governo eleito questiona a preparação dos médicos cubanos ao exigir que eles se submetam à revalidação do título para serem contratados, o governo de Cuba decidiu deixar o programa.

Criado em 2013, no governo Dilma Rousseff, o programa tem o objetivo de levar médicos a regiões distantes e às periferias do país.

A vinda dos médicos cubanos foi acertada por meio de convênio firmado entre os governos do Brasil e de Cuba, por meio da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), que dispensava a validação do diploma dos profissionais. Na ocasião, o acordo foi questionado por entidades médicas brasileiras.

Para evitar “menos médicos”
Após o anúncio do fim da participação de Cuba no Mais Médicos na última quarta-feira (14), o governo informou que até a próxima terça-feira (20) será lançado um edital para preencher as vagas abertas pela saída dos profissionais já na próxima semana e que a convocação aos postos deverá ocorrer de forma “imediata”. O comparecimento aos municípios deve ocorrer logo após a seleção, informa a pasta.

Os cubanos devem ser substituídos por médicos brasileiros que tenham o número de inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM), obtido no Brasil e que possam fazer a opção de trabalhar no Programa Mais Médicos.

Entrevista, El País - Fernando Henrique Cardoso


O ex-presidente se diz convencido de que a sociedade frearia uma deriva antidemocrática do novo Governo. Para ele, ser conservador não implica ser cego. “O Brasil continua sendo um país com muita desigualdade”

Carla Jiménez, Xosé Hermida | El País, 12 /11 2018

MADRI - -O tsunami político que tomou o Brasil destruiu lideranças tradicionais e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se inclui entre elas. “Cada um tem seu momento, agora a nova [liderança] tem que aprender”, diz o presidente de honra do PSDB, em clara alusão ao novo Governo liderado por Jair Bolsonaro.

Apesar de toda a retórica que assusta quem não votou no presidente eleito, Fernando Henrique prefere o benefício da dúvida. Depois de eleito, as ações de Bolsonaro vão desmentir ou confirmar os temores que desperta hoje. A vitória de um político de extrema direita, analisa o ex-presidente, é fruto de novos tempos que embaralharam valores, diante de eleitores mais emocionais que formam suas opiniões de olho na tela do celular.

De passagem por Madri na semana passada para assistir ao Foro Iberoamérica, o ex-presidente que durante seu mandato (1994-2002) conseguiu tirar o país da hiperinflação, defendeu sua controversa decisão de ter se mantido neutro nas últimas eleições. Seria contraditório, segundo ele, uma vez que o PT não se aproximou em termos políticos do PSDB, mas apenas pela eleição. “Quando as pessoas estão morrendo afogadas, pedem a mão para te puxar e morrer junto.”

Pergunta. A democracia está em perigo no Brasil?

Resposta. A democracia esta em perigo em todas partes. Mas o Brasil tem instituições fortes, a sociedade é livre, a mídia é livre, a justiça é independente e o povo gosta da liberdade. Então eu acho que é preciso tomar cuidado. Está em perigo? Está mudando, está em perigo por todos lados, mas não há um perigo específico do Brasil. Não acho que a eleição do Bolsonaro ponha em perigo [a democracia], até porque ele ganhou pelo voto.

P. Mas o presidente eleito e as pessoas que trabalham com ele falaram nos últimos meses de coisas como a possibilidade de um autogolpe, de um assalto ao STF... O senhor não leva a sério essas falas?

R. Não é que eu não leve a sério, eu acho que qualquer coisa dita por uma pessoa que tem importância política diz tem que tomar cuidado. Mas acho que isso não é suficiente para se sobrepor a nossa institucionalidade, a nossa vontade de manter a democracia. Mesmo que um ou outro tenha o impulso não democrático e as frases que foram ditas – que não são boas, e eu critiquei no meu Twitter – sejam contrárias ao espírito da democracia. Mas entre você falar e fazer tem uma diferença. Eu não estou dizendo que alguém não expresse atitudes antidemocráticas. Pode ser, existe isso no Brasil. Mas a despeito disso, nós temos forças democráticas que vão se contrapor a eventuais palavras e mesmo atos que sejam contrários à Constituição, à democracia e às leis.

P. Quando o senhor criticou essas palavras no seu Twitter falou de fascismo inclusive.

R. Eu sou muito cuidadoso quando falo. Eu disse que havia um certo cheiro de fascismo. Porque o fascismo supõe uma doutrina, uma organização, uma visão autoritária da sociedade. Eu não creio que eles tenham isso. Eles têm expressões autoritárias. O fascismo é uma coisa mais orgânica e não acho que no Brasil tenha algum partido com uma doutrina propriamente fascista. E se tiver, eu espero que perca. Eu serei contra.

P. Mas o senhor não acha possível que a democracia fique deturpada, em uma situação como uma espécie de Venezuela de direita?

R. Um autor americano, Levitsky [Steven] tem um livro interessante sobre como as democracias morrem. E hoje em dia elas morrem dessa maneira, não é preciso um golpe, mas que você deturpe as instituições. Eu tenho repetido uma frase que atribuo ao Sérgio Buarque de Hollanda, ainda que não sei bem se era dele: a democracia é uma planta tenra que precisa ser regada todo dia. A democracia não é dada para sempre. Agora está em perigo porque as sociedades e as formas de relação entre as pessoas mudaram muito. Você tem que prestar atenção, pode acontecer uma mudança antidemocrática, mas nós devemos lutar para que isso não ocorra.

P. O mundo está se perguntando como o Brasil, depois de mais de três décadas de democracia, pôde votar em um político como Bolsonaro, com o seu histórico de homofobia, de apologista da tortura e da ditadura...

R. Olha, como foi possível alguém votar no presidente Trump ? O que aconteceu no Brasil e em algumas sociedades, isso que é perigoso porque pode até distorcer a democracia. No Brasil estamos saindo de uma recessão que durou muito tempo, com o desemprego aumentando. Além disso, você tem uma política de definição de "nós" e "eles". E isso veio também do PT, que separou assim o mundo, um pouco retoricamente, porque não houve nunca no PT um movimento concreto contra a democracia nesse sentido, mas sim esse sentimento. Mais ainda, o Brasil tem o crime organizado, violência nas ruas. Então a sociedade ficou um pouco atemorizada. E quando as pessoas têm medo, às vezes têm raiva também. O voto no Bolsonaro não expressa um sentimento diretamente antidemocrático. Expressa a ilusão de que alguém que vem impor a ordem, seja como for, vai melhorar a situação. Não apostaram em alguém considerado, por quem votou nele, como antidemocrático, mas como alguém capaz de por fim a essa situação de desorganização. Esse é o fenômeno. Pode derivar em alguma coisa contra a democracia? Sempre pode. Vai derivar? Se depender de mim ou de outros que pensam como eu, não.

P. Muitas pessoas esperavam do senhor um aceno para a candidatura do Haddad, ou mesmo que a apoiasse, apesar de suas diferenças, como defesa da democracia frente ao autoritarismo. Por que o senhor não o fez?

R. Isso foi o que o PT disse, que o que estava em risco era a democracia. Se eu achasse que havia realmente esse risco, até entenderia. Mas o PT sempre fez isso. Por exemplo, sempre me chamou de neoliberal, nunca aceitou que o equilíbrio fiscal é necessidade de bom governo. E o PT sempre se aliou com todo tipo de pessoas e partidos de direita, mas não por ser de direita, por serem fisiológicos, ostentados pelas benesses do poder. Eu não concordo com isso nem tampouco com o programa econômico proposto, que era uma repetição dos vícios que levaram a esta situação [atual da economia] com a presidente Rousseff. Por que eu estou obrigado no segundo turno a escolher entre dois caminhos com os quais eu não estou de acordo, se eu não estou achando que um deles, o do Bolsonaro, vai nos levar necessariamente para um regime não democrático? Eu expressei claramente, diversas vezes, que eu não votaria no Bolsonaro. Eu votei no candidato de meu partido. Perdeu a eleição, por diversas razões, algumas são de responsabilidade do próprio PSDB. Mas isso não me levou a pensar que, já que nós perdemos, a única salvação era... Por que a única salvação? A democracia tem rotatividade. Se for evitar a rotatividade, impedir eleição ou tomar medidas contrárias ao sentimento democrático, eu vou me opor. Os militares? Seguem na Constituição. Alguns se candidataram, mas pediram o voto, não puxaram a espada. Eu não achei que fosse o caso de que, porque houvesse um candidato contra o qual eu sou, apostar no outro, com o qual eu também não concordo. Se fosse escolher pessoas, não teria problema para mim. Eu tenho relações pessoais boas com o Haddad. Não é isso. É o que representa. Representa uma visão da economia e da sociedade que tampouco coincide com o que eu penso.

P. Além dessas diferenças o senhor não acha que o PT é um partido democrático e com o Bolsonaro, no mínimo, há dúvidas?

R. O Bolsonaro não tem partido e no momento isso impede que ele possa se transformar em um autoritarismo organizado...

P. Mas tem 52 deputados, a segunda bancada.

R. O que é que são 52 deputados? 11% da Câmara, nada. Esse é um dos problemas que nós temos. A Câmara tem hoje, eu não sei exatamente, mais de 25 partidos...

P. ...Trinta.

R. Trinta, imagina!. Pobre de quem for presidente. Não existem 30 posições políticas e ideológicas no mundo. Infelizmente quase todos os partidos foram se transformando em corporações, grupos de deputados que se juntam para ter acesso aos fundos públicos, para financiar as campanhas, ter tempo de televisão e negociar posições no governo. Eu não sei o que significam essas três letrinhas: P,S, L. Social liberal não sei o que quer dizer. É nada, são letras. Essa sopa de letras é dramática.

P. O Haddad conversou com o senhor, pediu seu apoio?

R. Eu conheço o Haddad há alguns anos. Em vários momentos em que havia tensão grande entre o PT e o PSDB eu fui visitá-lo, fomos juntos uma vez a um teatro para mostrar que, de meu ponto de vista, democracia não implica que você fica inimigo de quem está no governo. Quando ele passou para o segundo turno ele teve uma conversa correta comigo. Mas naquele momento o PSDB tinha candidatos aos governos de São Paulo e do Rio Grande do Sul. E uma coisa é você como cidadão ou como intelectual gostar ou não gostar, apoiar ou não, e outra coisa é um líder político. Um líder político está discutindo o poder: o que é que você dá ao meu partido se eu der apoio ao seu? Isso nunca foi nem colocado. O PT nunca tentou se aproximar do PSDB em termos políticos, só em termos de ganhar a eleição.

P. O que teria sido uma negociação adequada dos pontos em comum do PT e do PSDB?

R. O PT disse o tempo todo que o PSDB era um partido de direita, neoliberal, que estava vendendo o patrimônio nacional a custe de banana... a vida inteira. Quando as pessoas estão morrendo afogadas, pedem a mão para te puxar e morrer junto.

P. O senhor acha que se tivesse emprestado seu capital político nesse momento, o Haddad teria chance?

R. As pessoas estão tomando as decisões por conta própria, a palavra dos líderes vale pouco. Essa é a grande mudança que está ocorrendo na sociedade contemporânea. Agora,com o celular, cada um se comunica com o outro e forma sua opinião. A capacidade que a liderança tem de influir na opinião é pequena. Quando a liderança coincide com um sentimento que se espalha, aí parece que a liderança liderou. Não liderou, é uma onda que se forma. O Bolsonaro veio no âmbito de uma onda, como se fosse uma folha seca no ar que vai com o vento. Não é porque a folha existiu que houve o apoio a ele, foi uma reação contra o que está havendo no Brasil que, por acaso, pegaram A, B ou C. Essa é uma questão que nós temos que pensar com profundidade. Como é que vamos manter a liberdade, as regras do jogo, respeito à lei, em uma sociedade em que as pessoas se conectam umas com as outras. As instituições políticas foram formadas em uma época diferente a esta. E não sabemos muito bem o que fazer. As pessoas dizem: "ah, se você falar...". Se eu falar, não acontece nada, ou muito pouco.

P. O senhor escreveu em um artigo que este é um momento em que é preciso restabelecer a verdade [ele fala em restabelecer a confiança, e os fios que conectam as instituições políticas com a sociedade]. O que é que o senhor enxerga como restabelecer a verdade, agora com esta avalanche de notícias falsas?

R. Se eu soubesse disso, eu ia patentear e ia ficar milionário. Ninguém sabe. Esse é o desafio da democracia. Com tanta informação que circula tão rapidamente, falsa ou verdadeira, como é que você faz? Alguns falam de impor a ordem. Como? Só com ditadura, proibindo a comunicação. As pessoas vão ter que aprender com o tempo a discernir, a ver as várias versões. Eu não sou dos que acham que a imprensa e os livros não têm mais importância. Têm. O que é preciso é ter quadros de referência. Vai levar um tempo para as pessoas aprenderem a usar melhor essa informação fragmentada que chega pelo celular. Mas a verdade não existe. Eu nunca disse assim essa expressão, restabelecer a verdade. Eu acho que você pode ter várias versões e se aproximar mais do que aconteceu. Estamos mudando de era, é uma coisa forte, e ainda não sabemos lidar com a comunicação imediata e instantânea de todos com todos. A chave para mim é ganhar a confiança. No Brasil houve uma quebra de confiança porque a Lava Jato mostrou as bases do poder, que eram podres. E as pessoas perderam a confiança, estão tentando se agarrar a uma tábua de salvação.

P. A gente está vivendo algumas coisas um pouco assustadoras que o próprio presidente estimula, como filmar professores, a escola sem partido. Isso já está acontecendo.

R. Eu sei, sou contra.

P. O senhor acha que a sociedade brasileira é forte suficiente para rechaçar isso?

R. Nenhuma sociedade é forte o suficiente de antemão. A Alemanha era muito forte, muito culta e avançada, e deu Hitler. A democracia tem que ser cuidada sempre e devemos contra-atacar essas coisas. Mas de momento ele nem tomou posse. Deixa ele tomar posse, vamos ver o que ele vai fazer, se vai nomear gente boa... Governar é difícil. Quem nunca governou pensa que é fácil. Eu torço pelo Brasil dar certo. A mídia está levando o presidente eleito a dizer que ele respeita a Constituição. Isso é um mecanismo já de contenção, é importante. Para a política não importa o que ele pensa, importa o que ele vai fazer. As palavras só se transformam verdadeiramente em um risco quando elas viram ato.

P. O que o senhor acha da decisão do juiz Moro de aceitar um superministério?

R. Ele arrisca bastante. Primeiro tem que deixar de ser juiz. Talvez a motivação dele foi dar continuidade ao que ele estava fazendo. Se isso vai ser bom ou mau, vamos ver daqui a pouco. O PT já está dizendo que ele jogou sempre porque queria tal coisa. Eu não faço isso, porque eu não julgo a intenção.

P. Mas não é como a mulher do Cesar? Não só tem que ser, tem que parecer...

R. Eu acho que sim, é importante parecer. É arriscado. Agora, eu não quero julgar, vou supor que foi porque ele acredita que na sua posição vai ter mais espaço para atuar do jeito que ele sempre atuou. Se ele conseguir, eu acho que é bom continuar havendo um processo de apuração. Nunca houve no Brasil tanta gente rica e poderosa na cadeia. Vamos ver se Moro tem a virtude para, sem perseguir ninguém, melhorar as instituições.

P. Mas o próprio Moro, não há muito tempo, falou que ele nunca iria para a política porque isso colocaria sob suspeita o seu trabalho na Lava Jato. Não tem esse perigo?

R. Esse perigo tem, e o que o PT está fazendo é colocar sob suspeita. Ele respondeu agora que não entrou para a política, que entrou para uma função pública. É um jogo. Ele arrisca. Vamos torcer para que esse risco seja para o melhor, não para o pior.

P. O tsunami que tomou a política no Brasil também teve consequências para seu partido. Tem pessoas do PSDB que querem apoiar o Bolsonaro. O governador eleito de São Paulo se atrelou imediatamente. O que é que o senhor está enxergando para seu partido?

R. Como todos os demais partidos, o PSDB também sofreu o tsunami, ele não está isento das críticas que outros partidos assumiram por ter se envolvido em processos de manipulação de dinheiros públicos. Isso abala o prestígio. Eu sou presidente de honra, mas não atuo nos níveis de decisão. Posso ter influência, que é diferente de poder. A executiva do PSDB tomou a decisão de manter-se neutro no segundo turno. Eu preferi uma neutralidade que não implicasse o apoio a ninguém. Alguns governadores, por questões eleitorais, apoiaram o Bolsonaro. Eu claramente não. Muitos no meu partido ficaram inquietos com a minha posição, achando que isso prejudicaria a votação, o que talvez seja verdade. Mas eu acho que o político tem que ter convicção, valores, não acho que o importante é só ganhar.

P. O senhor acha que as pessoas no PSDB têm hoje as convicções e os valores nos quais o senhor acredita?

R. Não. Em nenhum partido. Eu não acho que as pessoas do PT tenham as convicções originárias do PT. Tudo está muito confuso. Nem sei se os valores nos quais eu acredito e o PSDB foi formado são contemporâneos, a política muda muito de pressa.

P. A política muda, mas os valores não.

R. Eles não mudam mas se adequam. O PSDB, como os demais partidos, estão flutuando e já não representam uma posição nítida, nem são expressão de uma camada nítida da sociedade, porque tem muita mobilidade social, muita fragmentação das novas profissões... A polarização esquerda-direita só é inteligível para quem tem uma certa intelectualidade, as pessoas querem coisas mais concretas. O PSDB, como qualquer outro partido, vai ter que se adequar a esse novo momento da história. Se não se adequar, vai perder o controle das situações de poder. Eu sei que estou falando coisas vagas, mas eu não tenho como saber o que vai acontecer no futuro. No Brasil temos que procurar formas de expressão política que preservem a liberdade. As desigualdades sociais no país são imensas e elas desapareceram da discussão política. Os problemas de longo prazo sumiram da discussão. Tudo é: "eu gosto, não gosto, odeio, não odeio". É um momento de exacerbação.

P. E agora no próximo governo?

R. O governo tem que ter algum grau de eficácia. Como é que você vai atuar com 30 partidos? Alguém vai ter que falar em nome -vou usar uma palavra antiga- do interesse comum.

P. O senhor está mais no sentido de se dar o benefício da dúvida.

R. Não é uma dúvida parada, é uma dúvida ativa. Eu tenho lado, e o meu lado não é o do autoritarismo.

P. Mas quando o Bolsonaro tiver que lidar com esse Congresso, se ele achar que está atrapalhando seu governo, ele não pode ficar com a tentação de procurar algum atalho?

R. Para isso, é preciso ter apoio da sociedade e das Forças Armadas. Eu não acho que isso seja fácil de obter no Brasil. A sociedade se habituou com a liberdade. E as Forças Armadas mudaram muito.

P. O Brasil teve desde a redemocratização muitos mais governos progressistas. Na véspera do segundo turno, Bolsonaro falou algo na linha: "O Brasil somos nós, o Brasil é conservador". Qual é a verdade? O país mudou tudo isso?

R. Mudou muita coisa mas não a necessidade de você entender que as carências da população são muito grandes. Ser conservador não implica você ser cego. O Brasil continua sendo um pais com muita desigualdade. Isso não se resolve do dia para a noite...

P. ... Mas a fórmula econômica dele...

R. Qual é a fórmula econômica dele? Será que ele sabe?

P. A do Paulo Guedes.

R. Eu não conheço Paulo Guedes e não vou falar de quem não conheço. Mas eu sei que ele nunca sentou em uma cadeira de poder, nunca tomou decisões públicas. Eu não sei qual vai ser o conceito do ponto de vista econômico. Ultraliberal? Olha, vai experimentar o ultraliberalismo no Brasil? [risos] Vamos ver o que acontece?. Eu não creio que eles tenham uma ideia consistente, concreta, a não ser valores abstratos...

P. Ele fala de privatização, reforma da Previdência...

R. Qual reforma da Previdência? O que fazer com os militares, por exemplo? Tem que mudar, mas não dá para mudar tudo de uma vez. O que vai privatizar, a Petrobras? Tem coisas que são privatizáveis... mas o governo vai vender a maioria das ações? Isso vai ser apoiado pela sociedade, pelo Congresso? Eu não sei se isso é o que ele quer. Tudo isso é muito mais complicado que formular. O tsunami no Brasil destruiu – e eu não estou defendendo que não destruísse – as lideranças tradicionais, me incluo nelas. Não tem importância, cada um tem seu momento, muito bem. Mas agora a nova tem que aprender. E não se sabe muito bem o que é que essa nova é na prática.

Como eu não sou pessimista e torço pelo Brasil, eu espero que acertem. Eu já expressei minhas dúvidas por razões político-filosóficas. Mas o que vou fazer? O que é que nós vamos fazer como oposição? O PT foi contra tudo no meu governo, foi contra aumento de salário de professor. Será que a sociedade brasileira que tem mais informação vai aceitar uma atitude totalmente negativista? Não é a minha. Eu acho que é preciso distinguir o que é de interesse real da população e o que é de interesse político. Talvez nesta época a razão tenha menos importância do que o impulso, do que a emoção. Mas eu sou de outra época, ainda procuro ser razoável, dar argumento, por que faço, por que não faço. Talvez seja antiquado. Mas a esta altura da vida para mim pessoalmente tanto faz como tanto fez, vou manter minha visão.

P. Viralizou um vídeo do senhor que tudo leva a crer que votou 13 e 40.

R. Tudo leva a crer de que maneira? Eu voto em cabina secreta. Então, adivinhando a movimentação de meus dedos? Como é que eu não diria se votasse 13 e 40?

P. O senhor votou?

R. Votei. Eu tenho 87 anos, há muitos anos que eu não sou obrigado a votar. Mas eu fui lá a pé e votei.

P. O senhor votou 13 e 40?

R. Pois imagina, não! Nem estou de um lado nem de outro, como é que eu vou votar 13 e 40?

P. Era a primeira vez que votou branco?

R. Nem me lembro, votei tantas vezes na vida... Mas eu não tenho por que não dizer, qual é a vantagem? Eu costumo dizer o que eu penso, erro com muita frequência até porque eu falo demais.

P. Votou no Doria?

R. No Doria votei, claro.

P. Só para presidente votou nulo.

R. Você está tirando essa conclusão... você me viu votar? [risos]

Artigo, Rogério Mendelski, Correio do Povo - Um gaúcho no Itamaraty


O novo chanceler brasileiro, o porto-alegrense Ernesto Araújo, terá um trabalho difícil como novo titular do Ministério das Relações Exteriores (MRE), a começar pela reengenharia ideológica a ser promovida no próprio Palácio do Itamaraty. Os chamados “barbudinhos”do MRE que durante 14 anos defenderam a diplomacia  do globalismo,  empurrando o Brasil para a busca de influência entre ditaduras e republiquetas bananeiras, devem estar preocupados.  Araújo é um diplomata experiente, culto, decente e retoma um posto que já foi ocupado por homens que honraram a politica externa brasileira como Roberto Campos, Oswaldo Aranha, José Maria Paranhos Júnior (Barão do Rio Branco), Ruy Barbosa, San Tiago Dantas, entre outros tantos que fazem parte dos anais do Itamaraty. O Brasil se apequenou de tal maneira nos governos Lula e Dilma que sequer reagimos quando Evo Morales tomou na marra e com ajuda militar as propriedades da Petrobrás na Bolívia.  Nas bastasse a humilhação, o “chanceler do B”,  Marco Aurélio Garcia (falecido em 2017) não viu nada exagerado na expropriação boliviana. Foi o mentor da política externa brasileira, parceiro de Celso Amorim, o titular do MRE. Garcia apoiava as FARCs, piscava o olho para Kadafi, para Omar Al-Bashir (o genocida do Sudão) e tentou (e deu vexame) apoiar Manuel Zelaya, presidente deposto de Hunduras, asilando-o na embaixada brasileira, em Tegucigalpa, quase provocando uma guerra civil naquele país. Foram essas opções diplomáticas que levaram o Brasil a ser considerado um “anão diplomático” ou um país reconhecido internacionalmente, “não por seus juristas, mas por suas dançarinas”, na definição do deputado Ettore Piovano (Partido Conservador Liga Norte) quando concedemos asilo ao terrorista Cesare Battisti. E a tentativa de pressão sobre o governo da Indonésia que condenou à morte traficantes brasileiros?  Dilma telefonando para o presidente Joko Vidodo pedindo clemência e recebendo uma lição de não interferência em assuntos internos de uma nação, de qualquer nação. Clemência e solidariedade tiveram características conflitantes. Demos asilo a terroristas e simpatizantes do narco-terror (Battisti e o padre Olivero Medina, “capelão” das FARCs, cuja ficha está arquivada na Abin), mas entregamos os atletas cubanos que pediram asilo, durante os Jogos Pan-Americanos de 2007, no RJ.  Fica evidente que nossas trapalhadas no cenário internacional tinham o aval do Itamaraty, comandado pela dupla Garcia-Amorim, instituição que também se aparelhou e afastou o Brasil de seu tradicional alinhamento com países democráticos e identificados com a civilização ocidental e cristã. Vejam quem está protestando contra a indicação de Ernesto Araújo para se ter a certeza do acerto da indicação do diplomata gaúcho por Jair Bolsonaro. Araujo vai dignificar a memória de Oswaldo Aranha e fazer-nos esquecer de Celso Amorim.  

Três grupos disputam política externa de Bolsonaro


A diplomacia do novo governo expressará conflitos desses núcleos

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, e o futuro ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo

Valter Campanato/Agência Brasil

15.nov.2018 às 2h00

Jair Bolsonaro prometeu chacoalhar a diplomacia brasileira mais do que qualquer antecessor do ciclo democrático. Ninguém sabe quão intensa será a sacudida, mas vem mudança por aí.

Também já está claro que há três grupos diferentes atuando com força na política externa da transição e com capacidade de influenciar as decisões do presidente depois da posse.

Num desses grupos está Eduardo Bolsonaro com a assessoria internacional do PSL. Trata-se da vertente mais ambiciosa do novo governo: a esperança é promover uma ruptura com a política externa do passado, consolidando a imagem do presidente como liderança internacional de destaque. Para isso, esse grupo buscará espaço para Bolsonaro no movimento transnacional antiglobalista encabeçado por Donald Trump. A escolha do chanceler Ernesto Araújo ilustra a força dessa vertente. 

O segundo grupo inclui os militares vinculados ao vice-presidente e ao ministro do gabinete de Segurança Institucional. Os generais Mourão e Heleno terão peso próprio nos rumos da política externa. É uma visão da diplomacia que bebe da geopolítica e, seguindo termos próprios, não se confunde com as preferências do primeiro grupo. Aqui, o foco está em questões de segurança, fronteiras, indústria de defesa e o papel internacional das Forças Armadas, além de um diálogo cada vez mais intenso com os investidores estrangeiros sedentos por acesso às privatizações que se aproximam.

Por fim, está a equipe econômica comandada por Paulo Guedes. Para esse grupo, a área externa é central na batalha para desmantelar o Estado desenvolvimentista que alimenta grupos rentistas em detrimento da maioria desorganizada dos cidadãos. O objetivo dessa turma é utilizar as Relações Exteriores para limitar a capacidade que esses grupos hoje têm de capturar a política externa em benefício próprio. Por esse motivo, esse pessoal tentará realocar a política de comércio exterior no novo Ministério da Economia.

Esses três grupos concordam em muita coisa, inclusive na necessidade de mudar a condução da política externa brasileira. No entanto, eles possuem interesses e visões de mundo diferentes. A diplomacia do novo governo expressará tais conflitos e será objeto de disputas.

Esse processo não ocorrerá num ambiente formalizado que permita ao presidente cotejar argumentos alternativos à luz de evidências e de embates explícitos. A regra do jogo é a informalidade. 

Além disso, o papel de cada grupo não é fixo, mas variável no tempo e por área temática. Dependerá da entrega de vitórias e de imagem positiva para o presidente. Dependerá, acima de tudo, da capacidade que cada um deles terá de impor custos ao chefe, limitando seu espaço de manobra.

Matias Spektor

Professor de relações internacionais na FGV