Artigo - Os moços da Espanha
MADRID – Em meio à turbulência da política europeia, a
Espanha é hoje o melhor exemplo de renovação. Seus principais líderes políticos
são muito jovens, todos com menos de 50 anos.
O primeiro-ministro Pedro Sanchez (PSOE) tem 46 anos,
Pablo Iglesias (Podemos), 40, Albert Rivera (Ciudadanos), 39, Pablo Casado
(PP), 37, e Santiago Abascal (Vox), 42. Nenhum outro país da Europa
experimentou uma renovação política tão ampla neste século 21, com a velha
geração deixando a linha de frente para dar lugar aos mais novos.
A política espanhola renovou da extrema direita ao centro
e, deste, à extrema esquerda. No caso dos dois maiores partidos, PSOE e PP, a
virada se deu pelo voto dos filiados. Os outros três surgiram em 2006
(Ciudadanos), 2013 (Vox) e 2014 (Podemos) trazendo a bordo novos atores
políticos.
Isto mostra o vigor da democracia ibérica, um sistema
político parlamentarista com voto em lista fechada. Santiago Abascal, líder do
partido de extrema direita Vox, se tornou a principal estrela das eleições da
Andaluzia no início deste dezembro.
Conseguiu 11% das cadeiras do parlamento e Vox é o
partido que mais cresce entre os jovens. A última pesquisa eleitoral, publicada
pelo jornal ABC em 17 de dezembro, revela um partido em pleno crescimento,
podendo chegar a 10% dos votos nas eleições do ano que vem.
Entretanto, a grande estrela emergente da política
espanhola é o advogado catalão Albert Rivera, fundador e presidente do
Ciudadanos. Partido liberal, de centro, vem conquistado simpatizantes tanto do
PSOE quanto do PP. Rivera, ex-campeão de natação com MBA em campanhas políticas
pela The George Washington University, faz política com criatividade e ousadia.
Conquistou seu primeiro mandato no parlamento da
Catalunha em 2006 com uma frase: “Só nos importam as pessoas”. E nenhuma roupa.
No cartaz da campanha, uma foto de Rivera nu, fundo branco e o texto: “Não
importa onde naceste, que língua falas, que roupas vestes. Nos importa tu”.
Conseguiu três cadeiras.
Na eleição da Andaluzia, no início de dezembro,
Ciudadanos foi o terceiro partido mais votado. Depois de 40 anos no poder o
PSOE foi derrotando pelo centro-direita que tinha PP e Vox. Será a primeira
experiência do partido no executivo.
No ano passado, foi o mais votado na Catalunha, sob a
liderança de Inês Arrimadas, 37 anos, e levou 36 cadeiras. Inês cravou uma
cunha no coração do movimento independentista e acaba de lançar o ex-primeiro
ministro da França, o barcelonês Manuel Vals, candidato a prefeito de
Barcelona.
O crescimento do partido de Rivera é consequência de uma
mensagem de valorização da cidadania, transparência e combate à corrupção.
Ciudadanos publica na internet seu balanço anual e submete suas contas a
auditorias. Mas também foi ajudado pela desgraça que se abateu sobre o PP e o
PSOE.
O PP teve boa parte dos seus dirigentes condenados por
corrupção em maio deste ano, provocando a queda do ex-presidente Mariano Rajoy
no dia 2 de junho. Rajoy sofreu uma espécie de impeachment e o governo foi
recomposto a partir de uma nova maioria no Congresso liderada pelo PSOE.
Apoiado por José Maria Asnar, que comandou a Espanha
entre 1996 e 2004, o jovem Pablo Casado foi escolhido para assumir o PP. A
condenação do partido, a queda de Rajoy e a volta do PSOE ao poder gerou uma
crise de confiança no eleitorado, fazendo com que boa parte migrasse para
Ciudadanos e Vox.
Como a desgraça nunca é pouca, o PSOE também não escapou
dela. Em 17 de novembro do ano passado a polícia prendeu o comissário e dublê
de detetive particular José Manuel Villarejo, ex-membro do Corpo Nacional de
Polícia, que chantageou boa parte da elite econômica, judicial e política das
Espanha com gravações feitas durante mais de uma década e que somam 40
terabytes.
Entre suas vítimas está a princesa Corinna zu
Sayn-Wittgenstein, amante do rei Juan Carlos. Não tardou para que surgissem
áudios envolvendo ministros do PSOE, juízes e procuradores simpatizantes do
partido. A ministra da Justiça, Dolores Delgado, ex-procuradora, aparece numa
gravação onde faz comentários jocosos sobre a sexualidade do atual ministro do
Interior e ex-juiz Fernando Grande-Mariaska.
O PSOE também perdeu consistência eleitoral por aliar-se
ao Podemos de Pablo Iglesias, acusado de receber ajuda financeira de Nicolás
Maduro, demonstrar pouca habilidade ao negociar com os independentistas da
Catalunha e não conseguir oferecer soluções concretas para o desemprego próximo
de 30% entre os jovens de até 30 anos. Todas as pesquisas indicam ser este o
principal problema espanhol.
Neste contexto, Ciudadanos encontrou espaço para se
transformar na terceira força política e estimulou os adversários a renovarem.
É certo que José Maria
Asnar, de longe o mais experiente e competente político
espanhol, não perdeu tempo e apareceu com a solução Pablo Casado.
Pedro Sanchez sofreu mais, porém seu caminho até Moncloa
foi mais curto: um ano antes de sentar na cadeira de Presidente derrotou os
principais caciques socialistas, entre eles Felipe Gonzalez e José Luís
Zapatero.
O que a política espanhola nos reserva para 2019 é talvez
sua mais importante disputa eleitoral desde século, porque existem chances
concretas de o poder sair do velho eixo PSOE-PP para as mãos de uma nova força
representada por Albert Rivera, cuja habilidade para negociar à direita e à
esquerda tem feito a diferença.
Sua ascensão significa a preservação do centro
democrático, o ponto de equilíbrio entre os extremos. Este ano, o centro foi
moído nas eleições do Brasil. Desde 2016 vive um revés nos EUA com a eleição de
Trump e o surgimento de uma esquerda democrata, representada por Bernie Sanders,
e há dias vimos a sacudida que abalou a França de Manuel Macron com os
protestos dos jalecos amarelos.
Os velhos líderes políticos brasileiros da esquerda, do
centro e da direita, que teimam em não largar o osso, deveriam buscar
inspiração nos moços da Espanha e deixar renovar, oxigenar. A política do
sangue novo é a grande novidade transformadora num mundo que resolveu dar
marcha à ré.
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Autores
Marcelo Tognozzi
Marcelo Tognozzi é jornalista e consultor independente há
20 anos. É pós-graduado na Graduate School Of Political Management - The George
Washington University e na Escola de Inteligência Econômica da Universidade
Autônoma de Madri.