A incessante troca de ministros da Fazenda e o fracasso
da bala de prata. Esse pode ser um resumo da “década perdida” na economia
brasileira, isto é, os anos 1980. Mas também serve para a “década frustrada”,
isto é, a década atual, de 2010.
Entre 1981 e 1990, a Esplanada dos Ministérios em
Brasília viu seis pessoas diferentes ocuparem o cargo máximo do prédio da
Fazenda, todos em busca de uma derrota da inflação descontrolada e da retomada
do crescimento econômico. O último deles, inclusive, comandou até troca de nome
– o Ministério da Fazenda passou a ser chamado de Ministério da Economia.
Sounds familiar?
Ernane Galvêas, Francisco Dornelles, Dilson Funaro, Luiz
Carlos Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega e Zélia Cardoso de Mello foram os
seis ministros da Fazenda entre 1981 e 1990. No caso de Zélia, da Economia.
Em maior ou menor grau, todos tiveram os mesmos
objetivos. Nenhum deles conseguiu atingir a meta. Nem mesmo equipes
qualificadas tecnicamente, como aquelas que formularam os planos Cruzado I e
Bresser, foram suficientes para debelar a inflação e trazer o crescimento
sustentável de volta.
Já a década frustrada, apelido que tomo emprestado
de https://www.valor.com.br/opiniao/6205137/decada-frustrada do
economista Ricardo Barboza, nasceu diferente. Em 2010, o PIB crescera a 7,5%, a
maior taxa desde – vejam só – o ano do Cruzado (1986). Era grande a expectativa
quando 2011 começou e as projeções, tanto do governo Dilma Rousseff quanto do
mercado financeiro, incorporavam grande otimismo.
Olhando de forma retrospectiva, de fato 2011 foi o melhor
ano da década, ainda que tenha ficado abaixo das estimativas do boletim Focus
(janeiro, 2011) e do próprio governo Dilma: o PIB, afinal, cresceu 3,9%, com
saldo comercial rondando US$ 30 bilhões, um expressivo saldo de criação de
vagas de trabalho formais e um superávit primário, sem qualquer anabolizante ou
contabilidade criativa, foi de 2,3% do PIB. Dali em diante, ladeira abaixo.
Guido Mantega, Joaquim Levy, Nelson Barbosa, Henrique
Meirelles, Eduardo Guardia e Paulo Guedes são os seis ministros da Fazenda
entre 2011 e 2019. No caso de Guedes, da Economia.
Em maior ou menor grau, todos tiveram os mesmos
objetivos. Nenhum deles, até aqui, conseguiu atingir a meta. No caso de Guedes,
claro, a análise está longe de ser determinística, dado que ele tem apenas 100
dias no cargo.
A título de pensata, vamos estabelecer uma comparação
entre os dois períodos. Há três constantes visíveis: 1) Seis ministros
diferentes em uma década; 2) Baixo crescimento estrutural; 3) Não cumprimento
das metas estabelecidas. De resto, que fique claro, as diferenças são enormes.
Não apenas de estilo de liderança e equipes, mas de contextos políticos e
culturais (os anos 1980 eram dramaticamente diferentes da atual década de
2010). As comparações a seguir servem como food for thought.
Galvêas tinha como parceiro de equipe econômica o
ministro do Planejamento, Antônio Delfim Netto, apontado pelo próprio
presidente à época, o general João Figueiredo, como o responsável de fato pela
estratégia. A inflação descontrolada não foi o objetivo maior de ambos, mas sim
a retomada do crescimento após a explosão da grave crise de 1981-83, quando o
salto nas taxas de juros do Federal Reserve fez as taxas reajustáveis dos
empréstimos soberanos e privados em moeda forte (os “petrodólares” dos anos
1970) chegarem ao céu, deixando o governo de joelhos.
A estratégia econômica dos militares fracassou de forma
retumbante, embora por um período razoavelmente longo, especialmente entre 1973
e 1979, foi possível mascarar. A crise externa serviu de gatilho, não de
variável explicativa. De certa forma, Galvêas/Delfim na década perdida seriam
os equivalentes a Mantega na década frustrada.
Francisco Dornelles assumiu o Ministério da Fazenda
porque o presidente eleito, Tancredo Neves, o escolhera. Sarney, o presidente
de fato, manteve a indicação, mas rapidamente tirou o tapete debaixo de seus
pés. Dornelles herdara uma situação difícil da ditadura, mas as máxis
desvalorizações cambiais de 1983 e 1984 acabaram empurrando as contas externas
para o azul, permitindo um respiro – que durou pouco, como sua gestão.
Dornelles tentou seguir o livro-texto, administrando a casa sem sobressaltos.
Sua curta gestão pode ser comparada a de Levy.
Quando Funaro assumiu, em meados da “década perdida”, as
expectativas se elevaram. Ele trouxe uma equipe de ouro para Brasília: Persio
Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende, entre outros. Gestaram um plano, o
Cruzado, que, de início, foi um sucesso completo. Logo em março de 1986, a
inflação caiu fortemente. O gatilho de 8% de reajuste unilateral nos salários,
decisão que veio do presidente, combinado ao congelamento de preços,
inicialmente temporário, geraram uma bolha de consumo e euforia. O PIB de fato
cresceu forte (somente sendo equiparado 24 anos depois, em 2010, como
dissemos). Mas era um acidente esperando para acontecer, como a própria equipe
previra, mas não conseguiu evitar.
O ano de 1986 termina com enorme pessimismo. Funaro deixa
o governo após declarar a moratória da dívida externa, algo que já ocorrera sob
Galvêas/Delfim, embora sem o mesmo estardalhaço (o que faz grande diferença
para o credor, ao reduzir ainda mais os incentivos para renegociação). Entra
Bresser-Pereira e nova equipe, com Rubens Barbosa, Yoshiaki Nakano, Fernando
Milliet e contando com apoio externo direto de Chico Lopes. Um novo plano é
gestado, o Bresser, com resultados positivos no curto prazo (os meses de junho,
julho e agosto), mas ainda mais rapidamente que o Cruzado, o plano deságua. A
falta de comprometimento do próprio presidente e do Congresso com um ajuste
fiscal impossibilitam qualquer avanço.
Bresser-Pereira e equipe também saem, em dezembro de
1987, e o pessimismo na virada do ano é ainda maior, com um presidente da
República, do PMDB e originalmente vice-presidente, em descrédito popular,
apesar de contar com o comando do Centrão no Congresso. Sounds familiar? Se o
Sarney pós-1987 pode ser comparado a Temer, não é de todo enganoso, ao menos a
título de pensata, comparar Funaro/Bresser com a gestão Meirelles. Avanços
institucionais relevantes foram feitos, como o fim da conta-movimento no Banco
do Brasil, a retomada da renegociação da dívida externa, a unificação
orçamentária (sim, havia um orçamento monetário…), mas vencer a inflação e
recuperar o crescimento sustentável não foram objetivos atingidos.
Entra então Mailson da Nóbrega, servidor de carreira da
área econômica, que acompanhara de perto o início da década e que desde abril
de 1987 era o secretário-geral da Fazenda. Com pouca margem de manobra – seu
mandato, de 1988 e 1989, foi combinado à reta final da constituinte e em
seguida das primeiras eleições diretas para presidente em três décadas –,
Mailson buscou uma gestão para “tocar o barco”, apesar de também ter gestado um
plano de combate à inflação, o Plano Verão, de 1989. Sua gestão pode ser
comparada à de Guardia, embora, reforço, mais uma vez, que a comparação se dá a
título de pensata.
Por fim, a mudança total. Eleito por um partido pequeno,
Collor bate o PT no segundo turno de 1989, tendo o PDT em terceiro e o PSDB em
quarto. Assume com um discurso contra “a roubalheira” e os “marajás” no setor
público, buscando combater o sistema tradicional. Na área econômica, o
Ministério da Fazenda muda de nome para Ministério da Economia. Assume Zélia e,
com ela, nova bala de prata – a mais radical, além de inconstitucional e
assustadoramente terrível. Era o Plano Collor. Deu errado do começo ao fim e
1990 termina com a inflação mais uma vez descontrolada, com o PIB mergulhando
4,3% e com todas as expectativas no chão. Completávamos, então, a “década
perdida”.
Agora que caminhamos para o fim da “década frustrada”,
eis o que temos. Eleito por um partido pequeno, Bolsonaro bate o PT no segundo
turno de 2019, tendo o PDT em terceiro e o PSDB em quarto. Assume com um
discurso contra a corrupção, buscando combater o sistema tradicional. Na área
econômica, o Ministério da Fazenda muda de nome para o Ministério da Economia.
Assume Paulo Guedes e, com ele, as expectativas dão um salto: não só o governo,
mas também o mercado financeiro estimava um salto no PIB de 2019 na faixa de
2,5%, com vozes apontando que poderia ser mais.
Nos aproximamos de maio e já está claro que o PIB
dificilmente chegará a 2% — se tanto, superará os anêmicos 1,1% de 2017 e de
2018. Caminhamos para o fim da “década frustrada”, embora ainda há história a
ser escrita.
- João Villaverde é jornalista e mestre em Administração
Pública e Governo pela FGV-SP. Foi pesquisador visitante na Universidade de
Columbia, em Nova York (EUA), e escreveu o livro “Perigosas Pedaladas – os
bastidores da crise que abalou o Brasil e levou ao fim o governo Dilma
Rousseff” (Geração Editorial, 2016).
Nenhum comentário:
Postar um comentário