A Lava-Jato só seria possível em Curitiba. Em São Paulo,
ama-se muito o dinheiro para sediar uma operação desse tipo. No Rio, ama-se
demais a malandragem. Em ambas as cidades, as investigações seriam
interrompidas já no começo. Em São Paulo, pela força dura da grana. No Rio,
pelo poder mole da delinquência afável.
Em Porto Alegre, a Lava-Jato também não vicejaria, porque
a cidade, como nenhuma outra do país, vive atormentada pela ideologia. Porto
Alegre é a capital do fundamentalismo. Qualquer fundamentalismo. Não há a
suavização do pragmatismo paulista ou da tolerância carioca. Há uma estúpida
nobreza de sentimentos que torna tudo rascante, tudo caso de confronto. O
sujeito não é um idiota, mas age como um idiota porque acha que é o certo a
fazer. O que, em geral, o transforma em um idiota. E emperra a cidade porque há
oposição a tudo e, sempre, oposição incondicional.
Em Curitiba, há uma elite cultural parecida com a
porto-alegrense, de boa formação cultural. Só que, em Curitiba, essa elite
cultural está a salvo da tacanhice ideológica. Há, também, boa qualidade de
vida, como em São Paulo, sem o exagero da riqueza obscena. E certa dose de
cosmopolitismo, como no Rio, sem o contágio da doce parceria na contravenção.
Por estar longe demais das capitais, Curitiba teve tempo
e ambiente para se transformar na matriz de uma nova casta de funcionários
públicos que se formou no país. Eles estão em praticamente todos os Estados,
mas em Curitiba tiveram tranquilidade para se desenvolver e, por fim, agir. São
jovens sérios, honestos, modestos e trabalhadores, que querem o bem do Brasil.
São quase monótonos, de tão certinhos. Como é Curitiba.
Se você acompanhou o julgamento de Lula no TRF4 e viu
algum outro, qualquer outro, do STF, terá a exata dimensão do que estou
tentando dizer. Há dois tipos de entendimento de Justiça no Brasil. Um, antigo,
barroco, lento, de origem lusitana, representado principalmente pela primeira
turma do STF, aquela formada por Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Dias
Toffoli, Lewandowski e o decano Celso de Mello. Esses juízes se expressam de
forma tortuosa, seu verbo é gótico, eles são grandiloquentes e empertigados.
Eles defendem uma Justiça morosa, cartorial, carregada de possibilidades
recursais, trâmites obscuros e impedimentos regimentais. Gilmar Mendes chama-a
de "libertária", quando, na verdade, é apenas leniente. É a Justiça
tardia, que não se faz jamais. Ou seja: a Justiça injusta.
Já o TRF4 protagoniza uma Justiça de modelo anglo-saxão,
prática, direta, que não se deixa burlar por pormenores regimentais. Esses
juízes não admitem a esperteza jurídica. Se uma das partes tenta usar a letra
da lei para embair a própria lei, eles logo apontam a má-fé. E a punem.
É essa a Justiça que a sociedade brasileira está
exigindo. São servidores com esse estofo de que os cidadãos brasileiros
precisam, no século 21. A lei não é imutável. A lei muda de acordo com a
necessidade da sociedade. A velha forma de se fazer justiça no Brasil não
atende mais aos anseios da sociedade. Na verdade, nunca atendeu. O Brasil quer
ser cada vez mais parecido com a República de Curitiba. E será.
Parabéns Davi Coimbra, pelo texto em defesa de uma nova justiça, mais ágil e modelo anglo-saxão, como vc disse. Palmas.......!!!!!
ResponderExcluirGosto deste Davi que se espelhou em Curitiba pra fazer o artigo!!!
ResponderExcluirQuando procuramos na Internet (YouTube) palestras sobre livre arbítrio, na maioria das vezes se conceitua essa faculdade como a "liberdade de escolha" do indivíduo. É claro que não é isso. Livre arbítrio é liberdade de julgamento e não de escolha. Quem arbitra é árbitro, árbitro é juiz e juiz julga não escolhe. Quem julga tem compromisso com a verdade e quem escolhe tem compromisso com a sua vontade. Porém, na cabeça de certos juízes prevalece a disposição de impor sua vontade, e não a de buscar a verdade, e no processo hermenêutico, dependendo da sua índole, ele escolhe como respaldar seu julgamento. Isto é, não é a busca da verdade que se impõe, mas a vontade do magistrado que aflora. Essa sutileza é completamente invisível ao observador, ficando assim a verdadeira justiça à mercê não da verdade, mas da índole do juiz.
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