Foi nas redes sociais que a cidadania passou a participar
ativamente da eleição presidencial
Francisco Ferraz, ex-reitor da UFRGS
Muito se tem falado das mudanças nas campanhas eleitorais
antecipadas pela eleição de 2018. Na realidade, a tecnologia de campanha desde
a eleição de 1989 e a campanha de Fernando Collor atingiu o ápice na eleição de
Lula em 2002. A partir de então começou a perder eficiência. Nesse período o
tempo de TV era considerado crítico e decisivo e tornou-se o fator dominante na
composição de apoios e coalizões. Foi a época dos grandes publicitários, como
Duda Mendonça e Nizan Guanaes, cuja qualidade profissional criou peças de
propaganda que se tornaram clássicas.
Ao longo desse período os custos de campanha atingiram centenas
de milhões de reais. Grandes publicitários precisavam de tempo de TV e eram
caros. Com as revelações da Lava Jato, o financiamento público e o modelo de
campanha baseado na TV e em profissionais de elevado custo não mais poderia
continuar.
Outros fatores contribuíram para a exaustão desse tipo de
campanha. Em 2018 pesquisa não faltou. Ao menos seis institutos divulgavam
resultados praticamente de forma semanal e em torno das mesmas datas. Pesquisas
com perguntas sem imaginação produziram respostas sem utilidade prática. Elas
se limitavam a perguntar como o entrevistado ia votar, não exploravam as razões
do voto.
A padronização e a falta de criatividade dos programas de
TV consolidaram a convicção da sua inutilidade no formato vigente. A limitação
temporal não instigou a criatividade para fazer “melhor em menos tempo”. A
grande maioria dos candidatos também não percebeu as mudanças que estavam em
curso e insistia nos mesmos tipos de programas, já fartamente conhecidos e
desinteressantes.
Nossa legislação eleitoral é minudente, detalhista,
meticulosa, comprometendo a espontaneidade tão necessária à dinâmica eleitoral
e provocando o engessamento e burocratização da campanha. Evidência da
irracionalidade da legislação, resultante do seu afã de regular tudo, é o
paradoxo de que ao candidato que liderava as pesquisas e venceu a eleição
apenas alguns segundos de TV foram atribuídos.
Debates são oportunidades únicas para o eleitor conhecer
o seu candidato quando submetido a um teste exigente. Neles o candidato está
desprotegido num confronto direto com os adversários, numa situação rara em que
suas fragilidades e qualidades serão provocadas à vista dos eleitores. A
regulamentação a que sujeitamos os debates, negociada entre os candidatos sob o
olhar severo da legislação eleitoral, parece ser concebida para emascular
aquela situação que deveria ser rara e única, como oportunidade para alcançar
as regiões emocionais dos candidatos que permitem aos eleitores melhor
conhecê-los.
Mais ainda, numa eleição democrática, que é
inevitavelmente desigual em tudo o que respeita aos candidatos, eles são
tratados com a ficção de serem iguais. Cria-se, então, um cenário insólito. A
oportunidade do debate favorece mais os candidatos inexpressivos do que os
principais; favorece mais as redes de TV cuja preocupação principal é mostrar
neutralidade política.
Numa programação de campanha concebida para o confronto -
sobretudo em 2018, a julgar pela temperatura elevada dos debates nas redes
sociais -, leva-se o eleitor para o mundo da irrealidade, em que se mesclam
candidatos competitivos e não competitivos. Como se não bastassem os artistas
medíocres e um libreto sem talento, esse teatro de péssimo gosto patrocina um
debate da mais absoluta irrealidade, perguntando a um candidato com 0,5% das
intenções de voto o que ele fará para resolver o problema da saúde!
Em 2018 surgiu uma nova campanha eleitoral, numa eleição
em que o resultado nada ou muito pouco teve que ver com o arsenal desenvolvido
a partir de 1989. Que relação a nova campanha teve com pesquisas? Muito
pequena. Pesquisa como vem sendo feita é um produto que atende aos interesses
de quem a oferece no mercado. Seus “compradores” (mídia e políticos)
desconhecem seu potencial e sua complexidade. Como tal, foi um produto que produziu
informações superficiais e apenas sobre quem estaria na frente.
Que relação tinha com programas de TV? Nenhuma, a ponto
de o candidato vencedor em 2018 nem ter usado seu tempo de TV de alguns
segundos.
Com programas de governo detalhados, objetivos e
prioritários? Mínima, inexpressiva. Apenas o programa de Geraldo Alckmin se
dedicou a apresentar os projetos de sua candidatura no formato conhecido. Com
partidos políticos que recentemente haviam ocupado a Presidência, PT, PSDB e
PMDB? Muito pequena. Só o PT conseguiu, coadjuvado pela reação de rejeição a
Bolsonaro, chegar ao segundo turno. Inversamente, Jair Bolsonaro venceu com um
partido quase inexistente, o PSL.
Com debates? Nenhuma. O candidato vencedor em 2018 não
participou dos debates no primeiro nem no segundo turno. Com o apoio de nomes
expressivos nacionais e estrangeiros do mundo da arte, cultura, espetáculo,
jornalismo, esportes, política? Muito reduzida. Reforçou quem já estava
decidido.
Como se podia esperar, o momento da mudança chegou.
A razão básica para a mudança se verificar em 2018 se
deve ao fato de o eleitor não ter encontrado na campanha convencional nenhuma
de que estivesse interessado em participar. Foi encontrá-la nas redes sociais,
continuando a pré-campanha que havia meses já se fazia nelas.
Essa peculiaridade tornou a campanha mais longa, livre
dos prazos formais e sem igualdade compulsória entre desiguais. A rigidez, o
engessamento e a burocratização da legislação eleitoral foram superados pelo
exercício da liberdade viabilizada pelas redes sociais.
Quem não entendeu que a legislação eleitoral foi
“derrogada” pela cidadania nas redes sociais não entendeu a mais importante e
mais eloquente mudança de campanha que se impôs em 2018. O eleitor passou a
participar ativamente da eleição presidencial em todas as suas fases, ao
contrário do modelo burocrático que só admitia sua participação na hora de
votar.
*PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA E EX-REITOR DA UFRGS,
FRANCISCO FERRAZ É CRIADOR E DIRETOR DO SITE POLÍTICA PARA POLÍTICOS