Dagoberto Lima Godoy é advogado e engenheiro, ex-presidente da Fiergs e ex-representante do Brasil na OIT.
O Nobel da Paz de 2025 não premiou apenas uma pessoa. Quando a filha de Maria Corina Machado subiu ao palco em Oslo para ler o discurso da mãe, quem ali falava era um povo inteiro tentando voltar a ter futuro. A narrativa que ela trouxe — “a história de um povo e sua longa marcha rumo à liberdade” — é, ao mesmo tempo, um retrato dramático da Venezuela e um aviso ao resto do mundo.
O discurso mostrou com clareza que o desastre venezuelano não nasceu de um dia para o outro. Foi sendo construído, passo a passo, por meio de decisões políticas que pareciam “toleráveis” no começo: inchamento e partidarização da máquina pública, intimidação ou suborno da imprensa, compra de apoio político com dinheiro público, subordinação das forças armadas, manipulação das regras eleitorais. Instalou-se o “terrorismo de Estado”, como a própria laureada descreveu, e qualquer dissidência passou a ser tratada como crime.
O resultado está diante do mundo: mais de 7 milhões de venezuelanos foram obrigados a deixar o país — uma das maiores diásporas da história recente da América Latina. E não saíram apenas profissionais qualificados: trabalhadores de todo tipo foram empurrados mundo afora pela simples necessidade de sobreviver. O que se anunciava como “redenção social” converteu-se em colapso econômico, fome, medo e silêncio.
No coração do discurso em Oslo está uma ideia simples e dura: democracias não morrem apenas por golpes militares; elas apodrecem por dentro quando as sociedades se acostumam ao abuso de poder. Por isso Corina insiste que as democracias precisam estar dispostas a “lutar pela liberdade se quiserem sobreviver”. Essa “luta” não é necessariamente armada; começa muito antes, na recusa a banalizar o arbítrio, na vigilância constante sobre quem governa, na exigência de transparência e responsabilidade.
Por isso a mensagem de Corina deve ser entendida como grave advertência: a indiferença tende a virar cumplicidade. A erosão democrática prospera quando a maioria decide “não se envolver”, “não comprar briga”, “deixar pra lá”.
Ignorar esse recado é aceitar que aqui se repita, em graus variados, a mesma trajetória: primeiro achamos que “aqui nunca vai acontecer”; depois, descobrimos que “já é tarde para reagir”.
O discurso em Oslo nos convoca a outro caminho: desvelar sem medo o autoritarismo que se mascara de normalidade institucional, denunciar o aviltamento da Constituição e o abalo do Estado de Direito, reagir contra o uso perdulário dos impostos em excessos de “ajuda humanitária” que afrontam a própria dignidade dos assistidos e empurram o povo para a indolência e a submissão ao Estado provedor.
A história venezuelana prova o preço incalculável de ter acordado tarde demais. O Nobel da Paz deste ano nos oferece um alerta que não pode ser desprezado.
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