A linha é tênue entre a defesa legítima dos direitos dos
professores e o abuso com prejuízo desproporcional aos alunos
• Denise Drechsel
São discursos antagônicos. De um lado, os sindicatos dos
professores são acusados de tentar impor políticas
públicas de educação de teor ideológico e
partidário por meio de greves – prejudicando os próprios professores e
alunos
em benefício dos dirigentes das agremiações e seus
partidos. De outro, os sindicatos são louvados pelos docentes que se
sentem de fato representados e defendidos contra quem
quer reduzir salários e piorar as condições de trabalho. Quem terá razão?
Como tudo na vida, nenhuma das duas posições está
completamente correta. Ninguém nega a importância dos sindicatos: eles
surgiram para defender os interesses das diversas
categorias, principalmente as mais frágeis. O problema é que no Brasil há
pelo
menos duas características que podem desvirtuar essa
missão: a falta de liberdade sindical e a contribuição compulsória.
O Brasil é um dos poucos países democráticos que não
ratificou a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
que prevê a liberdade de associação sindical. Com isso,
os sindicatos brasileiros têm o “monopólio” de defender uma determinada
categoria, impedindo que os trabalhadores criem outros
mecanismos de pressão caso estejam desgostosos com a atuação do
sindicato da sua categoria. A justificativa brasileira
para não adotar a Convenção 87 da OIT é o risco de que os sindicatos,
fragmentados, percam a força. Por outro lado, como o
trabalhador não tem liberdade de escolha sindical – goste ou não do seu
sindicato é aquele e pronto, seja eficaz ou não
leva a mesma receita no fim do ano –, o engajamento de muitos
trabalhadores
é menor e apenas uma minoria passa a falar pela categoria
– uma minoria com os cofres cheios, graças ao imposto sindical
obrigatório.
Nesse cenário, um dos aspectos que precisa de revisão
dentro dos sindicatos são as assembleias. Quem é que levanta em uma
assembleia e diz ‘sim’ ou ‘não’ para uma greve? O
professor Sólon Cunha, da FGV de São Paulo, aponta investigações de casos
no Brasil de falsidade ideológica, de pessoas
‘encomendadas’ que fingem ser da categoria para votar em uma assembleia a
favor
do que ditam alguns. “Na minha opinião, as assembleias
não têm legitimidade hoje. Por que não se faz uma votação digital com
uma auditoria externa, por exemplo?”, sugere. No caso da
educação, em que as greves acarretam uma perda de dias letivos e
qualidade das aulas, é grave se essa decisão é estimulada
não por um motivo proporcional, mas ideológico-partidário, causando
dano aos mais vulneráveis.
Outra sombra que paira sobre os sindicatos dos
professores da rede pública é a sua posição contrária a avaliações externas dos
professores. “Os professores nos sindicatos da rede
pública acabam tendo uma postura conservadora, contrários a qualquer tipo
de exigência para melhorar o seu desempenho. E também são
contrários a qualquer parceria, mesmo com instituições que venham
colaborar pedagogicamente. E os professores mais abertos
acabam não tendo voz”, afirma Fernando Schüler, professor do Insper.
“Há uma retórica ideológica que fala da perda de
autonomia da escola e do professor, mas avaliações são comuns em outros países
e têm por objetivo ajudar os professores e os
alunos a alcançarem uma melhor performance”.
Em defesa tanto das avaliações como dos sindicatos, o professor
Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo, explica que elas são importantes, mas podem
ser utilizadas para atacar os professores – e aí são bem-vindos os
sindicatos. “Os professores não são os únicos
responsáveis pelo mau desempenho dos alunos, e nisso os sindicalistas têm
razão.
As avaliações são importantes, mas não acho que elas
deveriam, por exemplo, servir de base para bonificar os professores. Isso
porque há outros fatores, como a condição
socioeconômica dos alunos e a infraestrutura da escola, que influenciam os
resultados.
Por mais que o professor se empenhe, há realidades
que não dependem dele para mudar”, insiste.
“Existe o ‘peleguismo’ moderno, que é diferente do
‘peleguismo’ antigo, quando os sindicatos atendiam os interesses do patrão.
Hoje é pior, porque alguns sindicatos de empregados atendem aos interesses de
meia dúzia de dirigentes que se perpetuam no poder e não estão preocupados com
a representação da categoria”
GILBERTO STÜRMERProfessor de Direito da PUCRS e autor do
livro “A Liberdade Sindical”
Alternância de poder
Uma solução apontada para que os sindicatos cumpram o seu
papel de defender os direitos dos professores sem cair nas garras
das exigências político-partidárias, ajudando a lutar por
melhores condições de trabalho e de educação, além de melhorar os
mecanismos de legitimidade das assembleias
sindicais, seria impedir que um grupo de pessoas se apoderasse da agremiação
por
muitos anos.
“Existe o ‘peleguismo’ moderno, que é diferente do
‘peleguismo’ antigo, quando os sindicatos atendiam os interesses do
patrão.
Hoje é pior, porque alguns sindicatos de empregados
atendem aos interesses de meia dúzia de dirigentes que se perpetuam no
poder e não estão preocupados com a representação da
categoria”, alerta Gilberto Stürmer, da escola de Direito da PUCRS e
autor
do livro “A Liberdade Sindical”. Essas pessoas acabam até
vencendo eleições ou sendo chamadas para ocupar cargos públicos,
aparelhando o estado, graças à sua influência no
sindicato utilizado como massa de manobra.
Para Gilberto, a liberdade sindical e a retirada do
imposto sindical poderiam ajudar nesse aspecto, ainda que possam ser
incômodas
a princípio. “O sindicalismo nasceu errado no Brasil, de
cima para baixo, durante a ditadura [de Getúlio] Vargas. Agora, não se
cura
doente terminal sem remédio amargo. Claro que a liberdade
sindical, em um primeiro momento vai perder força, mas no final
ficariam os sindicatos que de fato representam a maior
parte dos trabalhadores, e esses, com certeza, seriam mais fortes dos que
vemos hoje”, acredita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário