Editorial do Estadão

Em março deste ano, completará cinco anos o Inquérito (Inq) 4.781/DF aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar fake news e ameaças veiculadas na internet contra a Corte e seus ministros. Desde então, outras investigações criminais foram instauradas no âmbito da Corte constitucional, como o Inq 4.874/DF que, desde julho de 2021, investiga a atuação de milícias digitais contra o Estado Democrático de Direito.


Ainda que possuam objetos de investigação diferentes, esses inquéritos têm fortes semelhanças entre si. Sigilosos e sob a mesma relatoria do ministro Alexandre de Moraes, todos eles foram de grande utilidade na defesa das instituições democráticas. Em momentos dramáticos, em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) dedicou-se à omissão – Augusto Aras não via nada de anormal no País –, essas investigações permitiram que o STF atuasse pronta e diligentemente na proteção da democracia e da Constituição, ante os insistentes ataques contra as eleições e a separação de Poderes.


Junto a seus inegáveis méritos, esses inquéritos também geraram pontos menos louváveis, com interpretações extravagantes sobre as competências da Corte e os limites dos próprios procedimentos investigativos. Por exemplo, no primeiro semestre do ano passado, eles foram usados para remover da internet conteúdo sobre projeto de lei em tramitação no Congresso (o PL das Fake News) e para investigar falsificação de cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nas duas situações, houve evidente uso irregular dos inquéritos do Supremo, com o descumprimento de regras básicas da legislação brasileira.


Elaborar um diagnóstico preciso a respeito desse quadro de luzes e sombras envolvendo a atuação do STF é tarefa ainda a ser realizada. Até mesmo porque os inquéritos são todavia sigilosos. Não se conhece toda a extensão dos ataques, tampouco o alcance das medidas tomadas pela Corte. De toda forma, há dois pontos indiscutíveis: as circunstâncias do País são outras – aquelas ameaças ao regime democrático já não existem mais – e os inquéritos criminais têm de ter prazo para acabar – não podem permanecer indefinidamente no tempo.


Isso tudo conduz a uma cristalina e pacífica conclusão: é tempo de os inquéritos criminais no STF relativos a ataques antidemocráticos serem encerrados, de acordo com o que determina a lei. Havendo indícios de autoria e materialidade delitiva, que se proceda ao indiciamento dos investigados, com o encaminhamento dos casos ao Ministério Público. Nos casos em que não houver os indícios mínimos, que se proceda ao arquivamento.


O Supremo cumpre seu papel em defesa da Constituição não apenas quando abre um inquérito para apurar atos antidemocráticos, mas também quando encerra essa investigação, dando o devido encaminhamento. Desde março de 2019, este jornal sempre reconheceu a existência de fundamento jurídico que justificasse a competência do STF nessas investigações. No entanto, não existe fundamento jurídico para tornar esses inquéritos perpétuos, menos ainda para, valendo-se deles, concentrar de forma permanente na Corte a competência de todos os casos relativos a crimes contra a democracia.


Além da questão jurídica – inquéritos devem respeitar os trâmites e limites legais –, o encerramento dessas investigações tem também uma evidente dimensão social e política, que o STF não pode ignorar. Não faz bem ao País – nem ao Supremo – um permanente e extravagante protagonismo da Corte constitucional. Se houve, nos últimos anos, circunstâncias excepcionais – que felizmente o STF soube detectar a tempo –, é preciso reconhecer quando elas já não se fazem presentes. Para piorar, esses inquéritos promovem um protagonismo concentrado num único ministro, Alexandre de Moraes, o que distorce a percepção sobre o Judiciário, além das evidentes fragilidades para a imagem da Corte.


Medida processualmente correta, encerrar os inquéritos é um gesto que fortalece a autoridade do STF e distensiona o País. As águas devem voltar ao seu leito normal.


Nenhum comentário:

Postar um comentário