O coronel que opera nas sombras de Michel Temer

O coronel João Baptista Lima Filho é amigo de longa data do presidente da República. De coronel da PM, R$ 20 mil mensais, ele acumula, hoje, patrimônio de R$ 15 milhões.

O coronel aposentado entrou no radar da Lava-Jato com a delação da cúpula da JBS. Ricardo Saud, o caixa-forte do grupo, que contou aos procuradores que na reta final da campanha de 2014, mandou entregar 1 milhão de reais em espécie na sede de uma das empresas do militar. O dinheiro, segundo o delator, era parte de um acerto de 15 milhões de reais feito com o presidente e foi entregue ao coronel em espécie “conforme indicação direta e específica de Temer”, nas palavras de Saud. Os investigadores foram atrás do amigo do presidente. Em seu escritório, encontraram ao menos três pacotes de documentos que fizeram surgir a suspeita de que o coronel, além da acusação de receber propina, seria encarregado de resolver pendências financeiras ao clã presidencial.

Entre os pacotes, havia comprovantes de pagamento e recibos de despesas de familiares e também do próprio presidente da República. Em uma caixa plástica azul guardada no subsolo do prédio onde funciona a empresa de João Baptista Lima Filho, também havia recibos de pagamentos de serviços executados durante a reforma da casa da psicóloga Maristela de Toledo Temer Lulia, uma das três filhas do presidente. Entre os papéis, havia ainda comprovantes de pagamentos antigos ligados ao presidente (um deles, de 1998), planilhas com “movimentações bancárias”, programação de pagamentos do escritório político do então deputado Michel Temer e uma coleção de reportagens “sobre corrupção e casos de propina”, como anotou o responsável pela busca.

Todo o material foi encaminhado para a sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Temer nega ter qualquer relação financeira, pessoal ou familiar, com o amigo coronel Lima.

A revista diz que os procuradores comemoraram tudo como um troféu, passando as informações em tempo real para Rodrigo Janot.

Uma das caixas mostrou documentos relativos à reforma da casa da filha de Temer, Maristela de Toledo, que mora numa zona nobre de SP.

Também chamou a atenção dos agentes uma pasta preta com registros de transferência de moeda estrangeira e papéis de uma empresa especializada em transações financeiras na Suiça.


A PGR está escarafunchando as empresas do coronel. Uma delas, a Argeplan, começou a ganhar contratos públicos quando Temer era secretário da Segurança de SP. Os negócios ampliaram-se e no governo Dilma a Argeplan passou a participar de licitações do governo federal. Foi aí que abiscoitou um contrato para Angra 3. O dono da Engevix, José Antunes, uma das construtoras de Angra 3, delatou o coronel, que teria pedido R$ 1 milhão para a campanha do amigo.

Só milagre salva o país

Hannah Arendt parece falar do Brasil de hoje quando pergunta: ‘Será que a política ainda tem de algum modo um sentido?’

Nem será preciso pedir licença à Ciência. O conceito de milagre na política se origina de articulações de Hannah Arendt e se aplica ao nosso horror cotidiano. Inquietante é precisar da esperança de vê-lo surgir neste momento. Um lado kleiniano me cobra: a expectativa do milagre é o reverso de uma penosa situação.

Não era para dar certo, mas o milagre da vida surgiu contra as “impossibilidades infinitas”. Nas ocupações humanas, além do acaso natural, há um fabricante do milagre: o homem é bem dotado para fazê-lo. Não exatamente um milagre econômico, que dispensou a democracia, ou o fraudulento milagre lulopetista, que usaria a democracia para não exercê-la de forma republicana.

A desastrada Dilma Rousseff foi um milagre negativo, que detonou o projeto petista de perpetuação no poder. Deslegitimou-o com má gestão e produziu grave crise econômica.

O impeachment abortou de Brasília alguns dos piores inimigos íntimos da democracia, mas outros iriam surgir em seguida.

E o que dizer do acaso da descoberta do doleiro Alberto Youssef, causando a Operação Lava-Jato, despertando a ação dos procuradores e juízes, os integrantes da Polícia Federal — todos atentos à investigação do que se passa nos porões da República brasileira.

Estes milagres anunciam os que virão para reconstruir a política. Aliás, o que ainda dizer das inexplicáveis manifestações de junho de 2013 em todo o Brasil?

Ao descrédito dos políticos se opõe a dignidade da política, o valor do agir, aquele que, de forma consciente ou não, provoca um processo. A emergência súbita do novo, na percepção histórica de Hannah Arendt, se dá de forma inesperada, imprevisível e, por fim, inexplicável para o raciocínio causal: passa a “figurar como um milagre na conexão dos acontecimentos previsíveis”.

A pensadora alemã, morta em 1975, parece falar do Brasil de hoje, quando pergunta: “Será que a política ainda tem de algum modo um sentido?” Esta questão lhe foi despertada pelo desastre que a política já provocou e ainda é capaz de causar.

Confundir a política com políticos brasileiros da atualidade — de todos os partidos —, ou com a aliança espúria, promíscua e sistêmica com setores do grande capital, que tomou de assalto o Estado, é o mesmo que enterrar a esperança e desacreditar do milagre. De alguma maneira, o cinismo e o descrédito tornam-se cúmplices do que se pretende combater.

Não é por acaso que foi lembrada recentemente a frase do pensador italiano Antonio Gramsci: “O velho resiste em morrer, e o novo não consegue nascer”. Mas este já está em gestação, enquanto aquele prepara o funeral.
Mas o tempo da vida e da morte tem seu próprio critério, e não depende de pressa ou angústia. Não é preciso acreditar em milagre religioso ou sobrenatural — mas rezar menos e agir mais. Há um processo em andamento, homens em ação, aptos a provocar e resgatar a dignidade na política, a ética na gestão. A vida pulsa e reage a seus inimigos. Na ação, os homens, portando bandeira ética, são “aptos a realizar o improvável e o imprevisível”, como diria Arendt.

Jovens brasileiros (Foto: Pixabay)

Paulo Sternick é psicanalista